São Paulo volta e meia menciona o veículo como uma das soluções no transporte urbano de passageiros
Joás Ferreira
Acidade de São Paulo, com todos os seus problemas de mobilidade urbana, é sempre um exemplo recorrente, em simpósios ou em pronunciamentos políticos, quando o assunto é o transporte público de passageiros. As reivindicações são sempre as mesmas: mais linhas de metrô, mais redes de ônibus, retorno do trólebus e mais corredores exclusivos, pois o transporte coletivo tem de ser priorizado. |
O sistema de trólebus para o transporte urbano de passageiros, uma das alternativas viáveis, em outros tempos, já teve lá os seus dias de glória. Assim como o seu precursor, o bonde elétrico que, em 1968, quando foi extinto, possuía 260 km de linhas e cerca de 700 km de itinerários.
Hoje, são raros os exemplos de linhas de trólebus, com destaque para o Corredor Metropolitano ABD (São Mateus – Jabaquara), administrado pela Empresa Metropolitana de Transportes Urbanos de São Paulo (EMTU-SP), que tem 33 km de extensão, interligando São Paulo a Diadema. Da extensão total, 22 km contam com rede aérea para trólebus. Esse portfólio do corredor garante o atendimento diário de 250 mil passageiros.
As ruas e avenidas da capital paulista, entretanto, têm seu espaço acirradamente disputado por mais de 7 milhões de veículos/dia, entre automóveis, ônibus, motocicletas e caminhões (leves, médios e pesados). A cada dia, são introduzidos mais e mais veículos na frota urbana. A cidade, desta forma, está sempre superando, negativamente, os recordes de congestionamento e provocando mais sofrimento para a população que precisa se deslocar pelo espaço urbano, em função de suas necessidades de trabalho, estudo, lazer etc.
À beira de um colapso
O engenheiro Adriano Murgel Branco, especialista na área de transportes, explica que o transporte motorizado em São Paulo é feito por automóveis, que respondem por 45% do total, e por sistemas coletivos, com 55%, que estão divididos entre metrô, trens, ônibus, trólebus etc. Branco diz que já não fala mais que São Paulo vai parar. “Eu digo que a cidade está muito próxima de entrar em colapso total. Em breve, será impossível fazer qualquer coisa”, alerta.
Basicamente, de acordo com ele, o problema deve ser atacado com a redução da participação do automóvel como modal de transporte urbano. “Isso só pode ser feito com a oferta de um transporte coletivo que seja atrativo, confortável, econômico, seguro, não poluente e tudo o mais”, define.
Nesse contexto, há os que sugiram a ampliação do rodízio ou a criação de um pedágio urbano. Mas, segundo o engenheiro, “essas pessoas se esquecem de que, qualquer medida restritiva, sem oferecer solução alternativa, pode ser ruim”. De acordo com Branco, também são inúteis ações que apenas enganam a população, entre as quais ele cita a construção de um rodoanel aqui, uma avenida lá etc. “Reconheço que o rodoanel é necessário, mas ele, se continuarmos nesse ritmo, também estará fadado ao congestionamento, em pouco tempo. E depois? Vamos fazer outro anel viário, por cima do mar”, questiona.
Para ele, se não houver medidas paralelas que, além de construir o que for necessário, também cuidem de inibir o crescimento da demanda pelo automóvel, no caso do transporte de pessoas, e pelo caminhão, no que diz respeito a cargas, “a cidade estará jogando dinheiro fora”. Como consequência dos constantes congestionamentos e da falta de mobilidade urbana, Branco afirma que, nos últimos 50 anos, São Paulo já contabiliza uma perda de cerca de US$ 1 trilhão.
Proposta
O engenheiro propõe retirar três milhões de passageiros/dia do automóvel (São Paulo tem perto de 12 milhões de passageiros/dia). “Só essa redução vai significar uma grande diferença para a cidade, em termos de redução de consumo energético e de poluição e de devolução de espaço público para a sociedade”, analisa. E acrescenta: “O que eu aconselho é que sejam estabelecidas metas claras e objetivas, para não ficar apenas no discurso fácil. A minha proposta é aproveitar a ideia do crédito de carbono e criar o crédito de energia. Assim, os sistemas de transporte que proporcionarem deslocamento urbano de massa com índices reduzidos de consumo de energia, como são os casos do trólebus e do metrô, seriam recompensados com o que eu estou chamando de crédito de energia”.
Hoje, segundo ele, não se leva em consideração isso, pois calcula-se o quanto o sistema vai gastar em reais e não qual será o seu rendimento em consumo energético. “Com a iminente perspectiva de enfrentarmos uma rigorosa escassez de energia, temos de pensar, cada vez mais, sobre isso”, constata.
O automóvel, que é um dos vilões nessa história, de acordo com os cálculos do engenheiro Adriano Murgel Branco, representa um gasto 26 vezes maior de energia por passageiro, se comparado, com o desempenho do metrô. Em relação ao trólebus, o seu consumo energético é 10 vezes maior.
Veja uma estimativa de como se comporta, na Região Metropolitana de São Paulo (RMSP), o consumo de energia por passageiro transportado em relação à alternativa de transporte:
• Automóvel: 13,13 kw/h
• Ônibus: 2,00 kw/h
• Trólebus: 1,20 kw/h
• Trem Metropolitano: 0,96 kw/h
• Metrô: 0,52 kw/h
Projetos e obras
O engenheiro Roberto Bartolomeu Berkes, da EMTU-SP, que opera o Corredor Metropolitano ABD, ressalta a importância da retomada de investimentos e os planos da empresa para o seu sistem
a de trólebus que liga São Paulo a Diadema, visando expandir o uso da energia elétrica e outros combustíveis renováveis, em substituição aos derivados de petróleo.
Um dos empreendimentos em andamento, segundo ele, é a obra de eletrificação do trecho de 11 km do corredor, entre os terminais Piraporinha (Diadema) e Jabaquara (São Paulo), que prevê a instalação de redes elétricas e estações retificadoras para a operação da rede de trólebus. “Com essas intervenções o corredor será totalmente eletrificado, o que permitirá a operação de trólebus ao longo dos 33 km de sua extensão. Será um grande ganho ambiental e de qualidade de vida à população no entorno desse sistema de transporte”, destaca o engenheiro.
Ele informou que está sendo finalizado o edital para a contratação da obra de repotencialização da rede aérea eletrificada já existente em 22 km do mesmo corredor, que permitirá o aumento gradual da frota de trólebus.
A EMTU prevê ainda a instalação de uma Central de Controle de Energia (CCE) “que possibilitará supervisão, controle e monitoramento, em tempo real, das 50 estações retificadoras de energia que alimentarão o sistema de trólebus ao longo dos 33 km já existente e da extensão prevista de 12 km”, informa Berkes.
Sem varão e sem rede aérea
Entre as características do trólebus, o engenheiro e consultor Antônio Vicente Silva destaca:
• O trólebus é um veículo de tração elétrica, que não polui e têm alta eficiência energética.
• A instalação de vias exclusivas, para o sistema, é tecnicamente muito mais simples e o seu custo de implantação é significativamente menor do que o do metrô, do veículo leve sobre trilho (VLT) ou do monotrilho.
• Quando instalado em corredores e com uso de veículos articulados ou bi-articulados, possui a mesma capacidade de passageiros do VLT.
• Tem maior flexibilidade operacional do que os sistemas sobre trilho, podendo contornar obstáculos.
• As instalações para garagem são menos complexas do que as exigidas para o VLT ou metrô, por exemplo.
• Podem subir rampas de 12% a 14%, permitindo a utilização de viadutos mais curtos e mais econômicos, enquanto que o VLT e o monotrilho não passam de 4% de verticalização, por causa da aderência entre rodas e trilho (de aço).
A boa notícia, no entanto, é o fato de que a dependência do trólebus em relação à rede aérea e aos varões de captação de energia, que poderia ser um fator limitador para o sistema, está com os dias contados, segundo consultor. Já existe em desenvolvimento um tipo de ônibus conhecido como autotrolley que, com o emprego de supercapacitores (pequenas estações de recarga, alimentadas por corrente alternada convencional), dá autonomia energética de até 2 km para o veículo, sem a necessidade de grandes baterias e longos tempos de recarga. Esses componentes permitem a realimentação de energia elétrica dos veículos em poucos segundos, a cada parada de embarque e desembarque.
Exportação de tecnologia
O Brasil, no segmento de desenvolvimento de trólebus, tem tecnologia amplamente reconhecida no exterior, conforme destacou o engenheiro José Antônio do Nascimento, administrador de contratos da Eletra Industrial Ltda.
Para exemplificar, ele citou que toda a frota de trólebus da cidade de Wellington, Nova Zelândia, conta com a tecnologia da sua empresa. “Os veículos têm até 3 km de autonomia de carga e possuem dispositivo eletrônico de troca de rede, através de um botão que fica no painel de controle, recursos que garantem qualidade, segurança e conforto para os passageiros”, ressalta Nascimento.
(Matéria elaborada a partir de simpósio sobre o tema realizado no Instituto de Engenharia, em São Paulo, no primeiro semestre de 2011)
Fonte: Estadão