Ao transpor o hall de entrada para o espaço Sebastião Camargo, nas instalações alocadas da Camargo Corrêa em prédio da avenida Faria Lima, aqui em São Paulo, onde entrevistaria o presidente da empresa, Dalton Avancini, vi, em destaque, o retrato do presidente Juscelino Kubitschek. De paletó e gravata, com o imperturbável sorriso a revelar otimismo, que foi a marca permanente de sua personalidade, JK equilibrava-se sobre um tronco de árvore derrubada, lembrando uma das frentes de trabalho da estrada Belém-Brasília, cuja construção ele entregara à responsabilidade do engenheiro Bernardo Sayão.
De imediato lembrei e comentei fragmentos da história que aquela foto documentava. Lembrava um curioso episódio da política e da engenharia, numa fase do desbravamento do interior brasileiro.
Sayão havia se mudado do Rio de Janeiro para Goiás em 1941. Integrava uma das equipes do projeto Marcha para o Oeste, iniciativa do presidente Getúlio Vargas destinada a desencadear o processo de desenvolvimento da região Centro-Oeste. O êxito de seu trabalho de pioneiro foi tal, que um dia acabou vice-governador de Goiás. Contudo, resolveu deixar o cargo em 1956, atraído pela ousadia da construção de Brasília. O cargo de vice-governador era bom, mas se revelava burocrático demais para a sua natureza de pioneiro.
E foi lá nos trabalhos para construir a nova capital que Juscelino o encontrou e pediu: “Sayão, estou precisando de você. Quero que você assuma a construção de uma obra da maior importância para evitar o isolamento da nova capital em relação ao Norte e a outras regiões. Preciso de você à frente dos trabalhos para abrir a Transbrasiliana, a Belém-Brasília. Topa?” Ele nem pestanejou.
Na época, ao tomar posse na presidência da República, JK lançou o Plano de Metas, que dava prioridade a obras hidrelétricas e de infraestrutura dos transportes, prevendo a abertura de pelo menos 10 mil km de estradas, o que seria feito pela Rodobrás, empresa criada especificamente para aquele fim. O programa acabou sendo ampliado: foram construídos 18 mil km de estradas, assim distribuídos: a ligação Fortaleza-Brasília; Brasília-Cuiabá e Brasília-Acre. A Belém-Brasília teria 2.200 km de extensão transpondo toda sorte de adversidades: rios, pântanos, morros, selva e extensas áreas alagadiças.
Uma frente de trabalho saiu de Anápolis (GO) e outra, de Belém. Contudo, falhas no mapeamento e no sistema de comunicação resultaram em quilômetros de desvio uma da outra. De modo que elas só vieram a se encontrar, depois de uma demorada operação de levantamento por via aérea, envolvendo helicópteros e rádios de comunicação, para retificação do traçado. Apesar de tudo isso, a rodovia foi concluída antes da inauguração da nova capital.
O final dessa história, que requer registro em livro, é considerado uma tragédia brasileira. Sayão, entusiasta do desenvolvimento do interior do País, inspecionava as obras da estrada, no dia 15 de janeiro de 1959. Semanas antes ele conhecera o escritor norte-americano John Dos Passos, que até lhe dedicara ampla reportagem na revista Life. Ele preparava a inauguração da rodovia, quando foi atingido por um galho de uma árvore de grande porte. Chegou a ser transportado de helicóptero para Açailândia, mas não resistiu aos ferimentos. Seu corpo foi sepultado em Brasília, inaugurando o Cemitério da Esperança, o primeiro aberto na nova capital.
Fonte: Revista O Empreiteiro