Uso de asfalto na vedação inova construção de barragem

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Helge Saxegaard*

A utilização de asfalto, em vez de argila, na vedação de barragens hidrelétricas, é técnica já utilizada nos Estados Unidos e em países europeus. No Brasil, no entanto, ela foi usada pela primeira vez na barragem da usina hidrelétrica Foz do Chapecó, no rio Uruguai, ora em fase de conclusão, com uma série de vantagens de economia e prazo

A barragem da Usina Hidrelétrica Foz do Chapecó é a primeira, no Brasil, a adotar o núcleo de asfalto (barragem ACC). Ela foi construída pela Camargo Corrêa em cooperação com a Kolo Veidekke, empresa norueguesa detentora da tecnologia. A vantagem de propiciar uma construção rápida e, razoavelmente, independente das condições climáticas (secas ou chuvosas) foi o principal razão que determinou a escolha desse tipo de núcleo.

A obra de construção da barragem, com 47 m de altura, teve início em dezembro de 2009 e foi concluída em meados de abril de 2010. Durante esse período, de 17 mil m3 a 90 mil m3 de terra foram lançados e compactados.

A primeira barragem de aterro com núcleo central de asfalto foi realizada na Alemanha, em 1962. Hoje, praticamente 40 anos depois, a partir da experiência acumulada em mais de 100 barragens construídas ao redor do mundo, é possível dizer que todas, comprovadamente, foram bem sucedidas e poucas apresentaram infiltração, considerada insignificante, através do núcleo.

Neste artigo, vamos analisar os princípios básicos dos projetos que empregam o asfalto, as vantagens e os aspectos da sua construção. Referência especial será feita em relação à construção da barragem de Foz do Chapecó, sobre seus resultados e experiências adquiridas.

Vantagens do
núcleo de asfalto

Ao contrário de material de aterro de terra como núcleo impermeável, o asfalto é um material fabricado que pode ser produzido dentro de tolerâncias restritas e com propriedades adequadas em função das condições locais na obra (Ilustração 1).

Asfalto é um material viscoelástico-plástico e impermeável se o conteúdo do vazio no núcleo de asfalto for menor que 3%. O núcleo fino e flexível tende a ajustar-se às deformações e recalques que ocorrem durante a construção: o enchimento, os potenciais recalques diferenciais e a execução das fundações compressíveis. Tudo isto ocorre sem qualquer rachadura do núcleo, dilatação de cisalhamento ou expansão de volume que poderiam resultar no aumento da permeabilidade. Essa técnica também é indicada para áreas com riscos de terremoto ou quando as barragens precisam ser construídas em fundações compressivas moles, devido à natureza flexível e capacidade de autocura do asfalto.

Dentro da barragem, o asfalto se mantém sob condições quase ideais, com temperatura constante e sem interferências do sol. O material preserva a característica de ser muito denso e de não apresentar oxidação ou endurecimento, ao contrário do que ocorre em estradas e pistas de aeroportos. As propriedades do asfalto permanecem inalteradas ao longo da vida da barragem.

A aplicação do núcleo de asfalto é feita, em geral, independentemente das condições climáticas. Em regiões com chuvas intensas, a construção é simplificada e reduzida no prazo quando comparada com as obras que utilizam núcleo com enchimento de terra. Nestes casos, o material (a terra) exige compactação a um teor ideal de água. Embora o trabalho com o asfalto precise ser interrompido durante as chuvas intensas, ele pode ser retomado assim que a chuva cessa ou passa a ser de leve intensidade (Foto 1).

Na barragem de Foz do Chapecó, o núcleo de asfalto foi construído em camadas horizontais junto com as outras seções da barragem, em camada de asfalto de aproximadamente 25 cm de espessura. O enchimento foi efetuado em paralelo com a construção, permitindo assim que a água fosse coletada antes da conclusão completa da barragem. Por esse motivo, o projeto da ensecadeira pode ser muito simplificado.

Projeto

A relação entre permeabilidade e conteúdo do vazio no asfalto foi bem analisada através de vários estudos independentes. A permeabilidade diminui rapidamente quando o conte&uacu

te;do do vazio está abaixo de 4% e o asfalto é virtualmente impermeável quando o conteúdo do vazio for menor que 3% (fig. 1). É aceito especificar o conteúdo do vazio máximo no asfalto uma vez que isso é mais facilmente obtido do que a especificação da permeabilidade.

O projeto da mistura de asfalto é baseado na curva de classificação do tamanho de grão Fulle, com um excedente de agregado fino ou enchimento (fig. 2). O agregado máximo é geralmente especificado no tamanho de 18 mm, para reduzir o risco de segregação durante o transporte e o lançamento. O conteúdo betuminoso é maior que o teoricamente necessário para encher os vazios nos agregados e é fundamental para produzir uma mistura de asfalto com boa usinabilidade e fácil compactação.

O conteúdo de betume normal deve ser entre 6,5% e 7,5%, em relação ao peso total. Entretanto, com a alta densidade dos agregados, em Foz do Chapecó, o betume foi ajustado a 6,3%, conforme mostrado no projeto da mistura final (fig. 5).

Testes triaxiais foram efetuados para garantir que a mistura de asfalto possuísse a tensão dúctil necessária – esforço solicitante – comportamento de força. A fig.3 mostra os resultados típicos da correlação entre o esforço volumétrico e o esforço axial para dois níveis de tensão de confinamento.

O núcleo de asfalto pode acomodar esforço considerável sem qualquer aumento significativo do conteúdo de vazio (dilatação) e, através disso, da permeabilidade.

Nos projetos realizados mais recentemente, quando necessário, o núcleo é construído verticalmente na barragem, no topo do plinto de concreto ou de uma galeria. Apesar de que os núcleos inclinados são mais vantajosos para produção de uma carga de água favorável para o costado à jusante, um núcleo central, vertical, está sujeito a menores esforços de cisalhamento. Além disso, comparativamente, o custo adicional do núcleo inclinado não é compensador.

O asfalto e as zonas de transição adjacentes são colocados simultaneamente, fornecendo assim um apoio lateral imediato ao núcleo. Eles são construídos em camadas de 20 cm a 30 cm de espessura, após a compactação. As camadas se fundem simultaneamente e não é possível identificar as juntas, que não exigem a intercalação de áreas de adesão.

A espessura da camada de asfalto, para condições normais e barragens com menos de 60 m de altura, é de 50 cm. No entanto, na barragem de Foz do Chapecó, foi definido que essa espessura seria de 55 cm, em função do fato de ser essa a primeira barragem desse tipo executada no Brasil.

A zona de transição tem curva de graduação estendida e foi produzida tanto com cascalho classificado como com rocha britada, com tamanho máximo de 60 mm. Nessa barragem, a transição foi produzida com rochas detonadas e britadas. O critério de filtro normal – conforme o usado em barragem de núcleo de terra – foi aliviado uma vez que nenhuma água pode penetrar o núcleo de asfalto.

Construção

Especialmente, para a barragem de Foz do Chapecó, a Camargo Corrêa adquiriu uma planta de processamento de asfalto moderna e automática. A empresa tinha ciência de que seria muito importante que o asfalto fosse produzido de acordo com tolerâncias mínimas exigidas pelo projeto.

A planta de asfalto deve ter capacidade para produção de no mínimo três camadas por dia em qualquer nível da barragem. Com o alto conteúdo de enchimento e betume, os tempos de mixagem precisam ser aumentados quando comparados com os índices que, normalmente, são usados para asfalto rodoviário.

Ela também deve ser equipada com um filtro manga e dois silos de enchimento – um para o enchimento de retorno e um para o enchimento adicionado. O adicionado pode conter pedra calcária, cimento, cinzas em suspensão ou outros materiais finos, desde que testados e aprovados (fig. 4).

Uma camada de mastique de asfalto, com espessura entre 1 cm e 2 cm, é colocada entre o plinto de concreto e o núcleo de asfalto. A superfície de concreto precisa de um tratamento especial para garantir o bom contato com o mastique de asfalto. Antes de a máquina começar a operar, a base horizontal de dentro da fôrma deverá ser revestida, manualmente, com asfalto.

O asfalto é colocado dentro da máquina por uma carregadeira de rodas equipado com silo especial, ao invés de caçamba normal. A zona de transição é executada através de uma escavadeir

a.

A máquina de pavimentação do núcleo possui um aquecedor infravermelho na frente, para aumentar a temperatura da camada anterior, caso ela esteja fria e haja umidade evaporada na camada colocada antes. O asfalto quente amolece a superfície subjacente e as camadas se fundem.

A linha de centro é fixada por um fio de aço, para cada nova camada, que serve de guia para que o operador. Para que ele possa dirigir com alta precisão, a máquina também tem câmera de televisão na sua frente e monitor de TV dentro da cabine.

O núcleo de asfalto e as duas zonas de transição são compactados com o uso de três rolos independentes. Um deles que é central, tem largura maior que o núcleo de asfalto. A sequência e a quantidade de passes dependem da mistura de asfalto e do material da zona de transição, características que devem ser estabelecidas durante os ensaios. Os outros dois rolos atuam na zona de transição e devem operar em paralelo, de forma a não deslocar lateralmente o núcleo de asfalto, que ainda está quente e mole (Fotos 2 e 3).

Construção da barragem

O projeto da mistura de asfalto e os testes, da barragem de Foz do Chapecó, foram efetuados na Noruega, com os materiais obtidos do local da construção. A partir da definição da mistura de asfalto, foram realizados os testes triaxiais necessários.

O trabalho no local da obra começou com as seções de ensaio em novembro de 2009. Isso foi efetuado de forma a confirmar que a mistura de asfalto produzida atendia às especificações do projeto. O pessoal envolvido no trabalho passou por treinamento e todos os equipamentos checados.

Dois ensaios foram efetuados, um com uma camada de 20 cm e outro com camada de 25 cm, após a compactação. Para cada ensaio, quatro camadas foram executadas durante um dia (fig. 5).

Após o período de resfriamento, de três dias, foram retiradas amostras do núcleo com 33 cm a 45 cm de comprimento, nas duas seções de teste. Com os dois núcleos perfurados na fundação de concreto, ficou confirmada a ligação entre o núcleo de asfalto e a fundação propriamente dita.

Essas amostras (dos núcleos) foram cortadas em fatias com, aproximadamente, 6 cm de espessura e o conteúdo dos vazios medido em cada fatia. Todas as medições indicaram índice abaixo do limite de 3%, com média geral de 1%, aproximadamente.

Nenhuma diferença significativa foi detectada ao aumentar a espessura da camada de 20 cm para 25 cm e o conteúdo de vazio medido para a camada subsequente se mostrou tão bom quando o da primeira camada colocada no dia. Uma permissão baseada nos resultados obtidos foi fornecida pelo cliente para a colocação de até quatro camadas, cada uma com 25 cm, por dia.

A colocação do mastique de asfalto e o lançamento da massa asfáltica começou em 4 de dezembro e o núcleo de asfalto pôde ser erguido simultaneamente com o restante da barragem. Devido aos altos volumes de barragem a serem preenchidos por metro, no começo da construção, uma ou duas camadas de asfalto por dia foram suficientes. Nos estágios posteriores, com menor volume de preenchimento por metro de altura, duas a quatro camadas por dia foram executadas, em dois turnos de trabalho. O preenchimento e a execução do asfalto foram concluídos em meados de abril de 2010, de acordo com o cronograma de trabalho.

Controle de qualidade

O controle diário e rígido de qualidade foi essencial para a execução da obra. A empresa de energia Furnas havia estabelecido a exigência de equipamento de laboratório obrigatório e pessoal qualificado para executar o controle necessário, em dois turnos. Os resultados foram analisados e aprovados, diariamente, pela equipe inspetora da Kolo Veidekke, de forma que, no caso de qualquer ocorrência, sempre fosse possível tomar as medidas imediatas necessárias.

Duas análises foram efetuadas para cada camada aplicada. Uma para controlar a curva de classificação e o conteúdo de betume. Adicionalmente, o controle de vazios foi feito, por duas vezes, a camada colocada por compactação de amostras no laboratório. Os resultados obtidos comprovaram a boa correlação das amostras perfuradas do núcleo. A temperatura do asfalto foi controlada para cada carga entregue para a barragem. Caso estivesse abaixo ou acima da especificação, a carga era rejeitada.

A curva de classificação da transição de fino, 0-60 mm, foi controlada diariamente.

Após uma semana de construção, o trabalho foi interrompido por três dias para perfuração do núcleo. Uma vez que os resultados provaram estar muito abaixo do critério de especificação (menor que 3%), decidiu-se que a perfuração de núcleo adicional passaria a ser efetuada uma vez ao mês somente. Os resultados típicos obtidos são apresentados na Figura 6.

As barragens de núcleo de asfalto foram comprovadas como seguras e se firmaram, mundialmente, como uma boa opção técnica para construções de barragens. Devido ao rápido tempo de construção, mesmo em condições úmidas e chuvosas, essa técnica deve se consolidar como uma alternativa atrativa para futuras barragens a serem construídas no Brasil. Agradecemos às empresas CNEC Engenharia e Camargo Correa por terem acolhido a oportunidade de introduzir esse projeto e técnica de construção no Brasil.

Fonte: Estadão


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