50 anos na ponta da industrialização

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Até 1950, todo o combustível derivado de petróleo que o Brasil utilizava era importado. Naquele ano, começou a funcionar a primeira refinaria brasileira, a de Mataripe, no Recôncavo Baiano, batizada como Landulpho Alves. O processamento local do petróleo bruto foi essencial para reduzir as importações dos derivados e viabilizou a indústria automobilística

A engenharia brasileira absorveu o know-how não apenas da construção e dos complexos industriais como também o de projetos. O refino sempre esteve na ponta do processo do desenvolvimento industrial do País, junto com o petróleo e a siderurgia.
Por ser estratégica, e exigir vultoso volume de recursos para se implantar, cada uma das refinarias foi precedida de extensas discussões políticas no âmbito do Executivo e do Legislativo, para destrinchar sua complicada engenharia financeira e tomar decisões políticas para distribuir seus benefícios. Por isso, as inaugurações das refinarias sempre contaram com a participação dos presidentes da República, a começar por Getúlio Vargas, Eurico Gaspar Dutra, Café Filho, até Juscelino Kubitschek e Ernesto Geisel.
Hoje, o Brasil dispõe de 13 refinarias que somam uma capacidade instalada de processamento de quase 2 milhões de barris de petróleo por dia (bpd). Pouco mais de 75% do óleo processado é de origem local e 24,7% importado da África (10,1%), América Central e do Sul (8,7%) e Oriente Médio (8,7%).

 

 

RLAM, a escola do refino

As obras da refinaria Landulpho Alves foram iniciadas em 1947, no clima de rescaldo da Segunda Guerra Mundial. Conhecida por muito tempo como a refinaria do Mataripe por estar situada na foz do rio, na área em que funcionava o engenho Pitanga, da Fazenda Barreto, a 56 km de Salvador, no chamado Recôncavo Baiano, começou a operar em setembro de 1950, processando 2.500 bpd.
Hoje, ocupa 6,4 milhões m2. É uma verdadeira cidade industrial. Para sua construção foi necessário recrutar operários sem qualquer familiaridade com trabalhos industriais. Eram 1.700 pessoas oriundas dos engenhos, dos canaviais, das atividades agrícolas e pesqueiras trabalhando no canteiro.
Jorge Amado escreveu: “Ah! Para que pudesse essa luz brilhar na noite da Bahia, muito foi necessário fazer, muito teve o povo de lutar através dos anos por vezes duramente. Aquele clarão iluminando a noite vem da refinaria de Mataripe, é o petróleo da Bahia, riqueza do povo brasileiro”. Braços e músculos foram essenciais e muitas vezes era o que se dispunha para instalar os equipamentos e construir o complexo.
Quando começou em 1950, a contribuição da indústria nacional era insignificante: só fornecia cabos de aço e de cobre para eletricidade. Não havia equipamentos específicos do Brasil. Bombas, intercambiadores, caldeiraria pesada não existiam. Lá em Mataripe se fazia de tudo no canteiro, até intercambiados nas oficinas, porque não havia fornecedor nacional e a importação era proibitiva.
Em 1957 teve início a grande reformulação que transformaria a refinaria de duas unidades produtivas de derivados básicos para 15 novas unidades, o maior número de unidades de processamento já projetado até então na América do Sul. Em 1960, já processava 42 mil bpd e produzia 2.800 barris de lubrificantes e 55 t de parafinas.
Em 1960, o engenheiro Rolfe Janke, exultante, relatava: “As torres são feitas em São Paulo, com chapas de Volta Redonda (CSN). Todo o ferro estrutural é de procedência brasileira. A maioria das bombas e motores elétricos provém das indústrias paulista e carioca. Até bombas possantes de 100 mil l/min são feitas no Brasil. Grande parte das tubulações vem das usinas Mannesman, de Minas Gerais”. Os intercambiadores eram fabricados pela Cobrasma, em São Paulo.
Agora, com pouco mais de meio século, a refinaria acompanhou o desenvolvimento da exploração, produção e refino do petróleo no Brasil, viu nascer o computador e presenciou o avanço tecnológico. Têm sido constantes os projetos de ampliação do seu parque industrial e da capacidade de produção, assim como a diversificação dos produtos refinados obtidos.
A U2 I, fábrica de asfalto, começou a preparar seu terreno com terraplenagem em 1963. No ano seguinte, a unidade de fracionamento de naftas. Em 1966 concluiu a represa e adutora de Catu, com capacidade de 32.400 m3 de água/dia e 26 mil m3 de adução. A modificação da U2 para unidade de destilação atmosférica e a vácuo, passando a processar 22 mil bpd, ocorreu em 1969. Nos anos 70, ano a ano, novas unidades de fracionamento, craqueamento, águas salgadas, lubrificantes, entabletamento de parafinas e destilação atmosférica foram implementadas. Em 1999 foi iniciada a construção da Termo Bahia, empreendimento de US$ 230 milhões para a geração de 460 MWh.
A maior parte das unidades de processamento foi projetada por MW Kellog, Setal Koppers, Hudson Engineering, Foster Wheeler, Texaco, Engebras, Atlantic Richfield, JW Creer, Union Carbide, etc.

 

RPBC: uma das mais versáteis

Antes de Mataripe começar a refinar, o Conselho Nacional de Petróleo já assinava os primeiros documentos da construção de uma nova refinaria para processar 45 mil bpd, número gigantesco na época e que correspondia a 80% do consumo de derivados no País. A refinaria Presidente Bernardes (RPBC) foi implantada em Cubatão (SP) com equipamentos fornecidos pelo consórcio Fives Lille/Scheider & Cie, que receberia como pagamento os créditos que o Brasil tinha com a França. Não sem antes ter provocado grandes debates políticos sobre a alternativa de construí-la no Rio de Janeiro. A escolha acabou sendo a Baixada Santista por razões simples: proximidade da Grande São Paulo e do porto de Santos, infra-estrutura para captação de água (do rio das Pedras) e de energia (da usina da Light), e a proximidade do oleoduto Santos–Jundiaí. O projeto de engenharia, compras, inspeção e expedição dos materiais, obras complementares e supervisão da construção e partida ficaram por conta da Hydrocarbon Research Inc.
Assim nascia a RPBC, pioneira na produção de asfaltos, fertilizantes, eteno, coque de petróleo e gasolina de aviação e, desde o início, planejada para ser polivalente e com elevada capacidade de conversão. Sua inauguração foi em 16 de abril de 1955. Em 1994 foi inaugurada a unidade protótipo de craqueamento térmico brando (UCTB), visando a aumentar a oferta do diesel para 400 m3/d de processamento de resíduos pesados, primeira unidade do mundo desse tipo de tecnologia totalmente desenvolvida pela Petrobrás. Nesse ano, a refinaria produzia 1,7 milhão m3 de gasolina, 2,9 milhões m3 de diesel, 402 mil t de GLP, 107 mil m3 de gasolina de aviação e 250 mil t de óleos combustíve
is, além de hexano, benzeno, tolueno e xileno, nafta petroquímica, coque verde de petróleo, butano desodorizado, gases e resíduo aromático.
Os projetos das unidades de processamento da RPBC foram desenvolvidos por Hydrocarbon Research Inc., Lummus-Setral, Promon/UOP, Petrobrás, Phillips, Pecten, etc.
Hoje, a RPBC ocupa 7 milhões m2 e processa 170 mil bpd de óleo proveniente do terminal marítimo Almirante Barroso em São Sebastião, por dutovia de 120 km. É a quinta unidade da Petrobrás em capacidade de refino. Há dois anos, a RPBC ingressou na produção de energia elétrica e vapor a partir do gás natural, iniciando a construção da Central de co-geração da Baixada Santista-termelétrica Rui Pinto, investimento conjunto de US$ 650 milhões com a Marubeni-Sithe.
Neste ano, a Petrobrás investe R$ 80 milhões em gestão ambiental e segurança operacional na RPBC, dentro do Programa Pegaso. A RPBC conquistou a ISO 9002 (qualidade de processos) para 94% do seu faturamento, a certificação ISO 14001 (meio ambiente) e a OHSAS 18001 (saúde ocupacional e segurança).

 

 

Replan
Em 1969, foi fundada a refinaria de Paulínia (Replan), cujas obras começaram na fazenda São Francisco, que pertenceu à Rhodia, a 114 km de São Paulo, no município de Paulínia, com 9 milhões m2. É a refinaria com a maior capacidade de processamento: 352 mil bpd, equivalente a 18% do refino do País. A proximidade do rio Jaguari permitia a captação de água. Os poucos homens que chegaram em 1969 para preparar o canteiro de obras multiplicaram-se e chegaram a 6 mil trabalhadores, que cumpriam um expediente que começava às 7h e terminava às 22h. Com esse ritmo, a refinaria começou a operar em 31 de janeiro de 1972, exatamente 861 dias após o início da construção. Os projetos ficaram a cargo da Foster Wheeler, Kellog, Petrobrás, Techint, etc.
A Replan recebe petróleo a partir do terminal marítimo Almirante Barroso (Tebar) em São Sebastião, no litoral norte de São Paulo. Descarregado dos navios-tanque, o óleo percorre 225 km nos oleodutos que ligam São Sebastião a Paulínia. São duas unidades de destilação atmosférica, cada uma com capacidade de processar 24 mil m3/dia (151 mil bpd), produzindo GLP, nafta leve e pesada, querosene, óleo diesel e gasóleo, matéria-prima das unidades de craqueamento catalítico, óleos combustíveis e asfaltos.

 

Reduc
A refinaria de Duque de Caxias (Reduc) é a terceira em capacidade de processamento: 242 mil bpd. Ela é a primeira em extensão da área ocupada: 10 milhões m2, responde por grande parte dos óleos lubrificantes do País e tem feito um esforço especial na área de automação e modernização de suas instalações, com a implementação de projetos de sistemas digitais de controle (foi a primeira refinaria a operar um SDCD), telemedição de tanques, sistemas integrados de informações de processo e centro integrado de controle para plantas industriais. Além da Foster Wheeler e Petrobrás, foram projetistas das unidades de processamento a Petreco, Badger e Sulzer.

Regap
Engenheiro da turma de 1960 da Escola Nacional de Engenharia, do Rio de Janeiro, David Fischel era o chefe da obra na refinaria Gabriel Passos (Regap) para a Petrobrás em 1967, pela Montreal Engenharia. Tocava a obra no canteiro em Belo Horizonte e morava no Rio de Janeiro. Num fim de semana, ele deu por concluídos os trabalhos e embarcou num avião, de volta para casa.
O fiscal da Petrobrás foi ao canteiro e desligou todas as chaves elétricas. Deu aquela confusão. Telefonema pra lá, telefonema pra cá, ao desembarcar no Rio, o engenheiro recebeu o recado. Deu meia volta e regressou para Belo Horizonte. A explicação do fiscal: — Foi a única maneira de fazer você vir para a obra no fim de semana!
A Regap, localizada em Betim, foi inaugurada em 1968. Nas últimas três décadas foram realizadas ampliações que aumentaram sua capacidade de processamento dos 7.555 m3 para perto dos 25 mil m3 (cerca de 151 mil bpd). Além de ampliadas, as unidades de refino foram adaptadas para mudar o perfil de produção. Ela processa óleos mais pesados de Cabiúnas e Marlim, da bacia de Campos, e com baixos teores de enxofre. Pela mudança de seu perfil, a Regap foi escolhida para operar a segunda unidade de coqueamento de petróleo. Os projetos das unidades de processamento foram de Snam Progetti, Promon, UOP, JGC e Petrobrás-Cenpes.
 

 

Fonte: Padrão


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