57 km de túneis paralelos atravessam os Alpes suíços

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Megaprojeto ferroviário idealizado desde 1947 – trens rápidos para passageiros e cargas, ligando a Alemanha à Suíça – superou dificuldades geológicas formidáveis.
As escavações deverão ser concluídas ainda em 2010

Enquanto esquiadores se divertem nas encostas dos Alpes, a mais de 2 mil m de altitude, quatro tatuzões estão fragmentando a rocha granítica dura no pé da cordilheira, na maior obra do gênero atualmente em curso. As máquinas de túnel, conhecidas como tatuzão no Brasil, viraram tatuzões porque foram batizadas de Gabi 1 e 2, Heidi e Sissi pelas equipes responsáveis pela construção. Elas carregam inclusive a imagem de Santa Bárbara, que é padroeira dos mineiros naquele país, para proteger os trabalhadores no subsolo.

Sair de estação ferroviária em Bahnhofstrasse em Zurique de manhã para fazer compras na estilosa Galleria Vittoria Emanuele, em Milão, e voltar à tarde com as sacolas cheias de design italiano, vai se tornar realidade para os suíços em 2017. É quando o primeiro trem de alta velocidade vai atravessar o túnel chamado New Alpine Transversal (NEAT) à velocidade de até 250 km/h, reduzindo o tempo de viagem para 2h40 entre as duas cidades. Essa nova era no transporte transalpino vai ser possível com a conclusão do túnel Gotthard Base, junto com os túneis Ceneri e Zimmerberg, que somados a outras galerias e poços escavados, vão totalizar 152 km .

Outra característica fora do comum do projeto Gotthard é que os dois túneis paralelos de 57 km atravessam o maciço ao pé da montanha St.Gotthard , à altitude máxima de apenas 550 m acima do nível do mar, ligando o fundo dos dois vales num trajeto quase horizontal. Isso vai permitir que os trens de carga possam dobrar suas capacidades de transporte e ainda viajar a 60 km/h.

O encontro das duas frentes de escavação no meio do caminho, entre as seções Faido e Sedrun, está previsto para fins deste ano e coroa quase meio século de estudos e planejamento, que evoluíram com o avanço da tecnologia e da geologia.

Embora idealizado em 1947, a construção pode ser iniciada apenas em 2001. Agora, os quatro tatuzões que operam nos dois túneis têm somente cerca de 2 km de rocha pela frente. Fabricados pela Herrenknecht alemã, eles medem 400 m de comprimento e a "broca" de escavação tem 9,5 m de diâmetro. Desde 2003, já moeram mais de 10 milhões m³ de rocha dura – cerca de quatro vezes o volume da pirâmide de Quéops no Egito.

Túneis de acesso e
cavernas de suprimentos

Um total de 152 km de túneis e poços será executado no projeto. Os dois principais, mais 180 passagens, foram divididos em cinco fases construtivas, tocadas ao mesmo tempo. A logística era complexa, com a escavação de túneis de acesso, suprimento, e cavernas gigantescas para estocar os insumos das obras, em Amsteg ao norte, em Sedrun no meio e em Faido ao sul (ver seção longitudinal).

O acesso é fácil das estradas montanhosas até os emboques em Bodio e Erstfeld ao norte; em Amsteg foi preciso abrir um túnel de 2 km; em Faido o acesso mede 2,7 km com rampa de 13%. Em Sedrun foi mais complicado, com a escavação de uma galeria de 1 km acima dos túneis principais e perfuração de dois poços verticais de 800 m até alcança-los, alem de um poço de ventilação de 450 m.

Surpresas pelo caminho

A despeito de cuidadosas sondagens geológicas prévias, as surpresas foram muitas no traçado do Gotthard. Logo no inicio, escavados apenas 200 m pelo lado sul em fevereiro de 2003, os tatuzões Sissi e Heidi se defrontaram com formações conhecidas como kakirita, de rocha não consolidada, material muito mole para as maquinas de túnel Gripper, projetadas para triturar rocha muito dura. Essa anomalia geológica exigiu um avanço penoso, onde cada metro precisava ser consolidado com injeções. Essa zona de 400 m demorou seis meses para ser superada.

Mas há também boas surpresas. No lado norte, em 2004, a zona instável chamada Intschi demandaria quatro meses para ser superada. Entretanto, sua extensão era metade da prevista, e os tatuzões Gabi 1 e 2 puderam atravessá-la sem grandes problemas, embora à velocidade reduzida. As variações da rocha iam determinando a velocidade de avanço. A média excelente de 560 m ao mês, cortando até 12 mm por rotação da broca, era seguida por trechos difíceis onde se avançava apenas 3 mm por giro, ou 140 m por mês.

Em junho de 2005, rochas soltas e água sob alta pressão se infiltraram junto à broca do Gabi 2. Essa massa de material teve que ser consolidado com injeções de cimento e bentonita. Ao mesmo tempo, um túnel foi escavado à frente da maquina, para poder se livrar a sua broca. Aqui o atraso foi de cinco meses.

O avanço das obras, nas duas frentes

Em junho e outubro de 2006, as equipes na frente norte celebravam a conclusão dos túneis na seção Amsteg-Sedrun com um avanço espetacular, antecipando os prazos em seis e nove meses. Mas, pouco antes de vazar o trecho, deram com outra zona de kakirita, obrigando à desmontagem dos tatuzões ainda no trecho de rocha sólida.

Em fins de 2006, a frente sul também vazou seu trecho, no ponto designado para a estação Faido, do futuro TAV. As máquinas de túnel com diâmetro acima de 8 m atingiram seus alvos após 13,5 e 14 km respectivamente, com desvios horizontal e vertical de apenas poucos centímetros – o equivalente a acertar uma moeda de um real com um tiro à distancia de 2 km! Após uma reforma completa e a troca das brocas gigantescas por outras acima de 9 m de diâmetro, Sissi e Heidi retomaram a escavação em julho e outubro de 2007, no sentido norte, de Faido para Sedrun.

Outra zona instável esperava pelos TBMs neste trecho-a bacia de Piora-uma formação em forma de funil repleto de dolomita fina como açúcar e água sob pressão de 150 bar. A mistura desse material invadiu um túnel de exploração aberto a partir de uma estrada cantonal, quando sondagens geológicas foram realizadas em 1966. Amostras de sondagem e estudos sísmicos revelaram que o fundo desse funil, no traçado do futuro túnel Gotthard, estava selado com rocha firme. Essa boa surpresa foi confirmda em outubro de 2008 quando as maquinas atravessaram esta formação sem problemas.

Escoramento com anel
telescópico deslizante

O desmonte com explosivos do trecho entre Faido e Sedrun ocasionou alguns problemas complexos, na escavação das enormes estações subterrâneas ferroviárias do TAV, que servem ainda de estacionamento para
os trens em casos de emergência. Um túnel de desvio permite que os trens troquem de linha entre os túneis paralelos se necessário. Uma rede sofisticada de túneis de conexão e transversais possibilitam a saída da fumaça e o ingresso de ar fresco.

A pressão da montanha em algumas seções era tão elevada que a técnica tradicional de escavar uma seção maior do que a projetada, dando oportunidade para a deformação do maciço, revelou-se inútil. Uma contraforça era indispensável para evitar que a cavidade aberta entrassee em colapso. O consórcio construtor recorreu a semianéis telescopicamente deslizantes para escorar a seção, escavada com uma folga de 70 cm. Os semi-aneis deslizam ate se encontrarem, sob pressão da rocha, estabilizando a seção.

Depois de uma reforma extensa, os dois tatuzaos Gabi 1 e 2 recomeçaram a escavação no trecho Erstfeld-Amsteg ao norte, de 7 km, onde as condições de rocha eram quase ideais. Foi ai que um recorde foi estabelecido– de 56 m em 24 horas, conquistado por Gabi 2. Em 16 de junho e 16 de setembro de 2009, as TBMs chegaram a Amsteg ap’os 18 meses, seis meses `a frente do cronograma original. Desviaram-se do traçado projetado por 4 mm na horizontal e 8 mm na vertical-uma precisão cirúrgica.

Sissi e Heidi ainda trituram a rocha
no coração dos Alpes

As duas máquinas gêmeas estão escavando atualmente os túneis paralelos ao sul de Sedrun. Elas são seguidas por um trem instalador, forneciddo por uma subsidiaria da Herrenknecht, medindo 600 m, que instala tubos de drenagem, sistemas de vedação e executa concretagem em etapas de 12 m. O trem prepara 600 m de túnel por mês, deixando-o pronto para receber os trilhos e sistemas ferroviários.

Não esta longe o dia em que o mar Mediterrâneo estará visível na boca do túnel Gotthard. Alguns anos serão necessarrios para executar as instalações e acabamento, a serem utilizados pelo TAV. A segurança tem prioridade total. As duas gigantescas estações onde os trens podem estacionar em emergências, permitem que os passageiros possam usar o outro túnel como rota de escape, se um estiver obstruído.

Gotthard vai facilitar o transporte ferroviário
em toda a Europa

Atravessar os Alpes suíços é uma tremenda façanha da engenharia européia. Representa ainda uma contribuição da Suíça para facilitar as ligações ferroviárias na Europa, deslocando um volume gigantesco de carga e passageiros das rodovias, com suas maciças emissões de carbono. Cerca de 80% do transporte de carga entre Itália e outros paises europeus atravessam os Alpes, e dois terços desse total passam pelos rodovias, usando os corredores de Brenner(Áustria), Frejus e Mont Cenis(França) e Gotthard(Suíça). Todos os países vizinhos da Suíça assinaram um acordo para instalar corredores ferroviários de alta velocidade em direção ao túnel Base Gotthard.

O sistema New Alpine Transversal-NEAT vai viabilizar o transporte ferroviário de alta velociddade através dos Alpes. A ligacao por trem, a velocidade de 200 a 250 km/h, vai servir de alternativa para o transpsorte aéreo. Os túneis Zimmerberg Base, Gotthard Base e Ceneri Base vão reduzir o tempo de viagem dos passageiros entre Zurique e Milão de 4 horas e 10 minutos para 2 horas e 40 minutos. Os suíços podem sair de manha e almoçar na cidade italiana.

O tráfego rodoviário através dos Alpes dobra de volume cada oito anos. Congestionamentos de quilômetros são diários no túnel rodoviário de Gotthard. ‘E por isso que o transporte de carga precisa ser transferido para ferrovia. Os dois eixos NEAT nas montanhas Gotthard e Lotschberg vão duplicar o transporte de carga do nível atual de 20 milhoes t para cerca de 50 milhoes t por ano.

A ferrovia sem rampas praticamente vai permmitir trens mais longos e duas vezes mais pesados-carregando 4 mil t de carga. As locomotivas auxiliares usados hoje nas rampas vão desaparecer de cena-mesmo com elas, o trem atual ‘e tão lento que o passageiro pode arrancar uma flor da mata ao lado da linha. O ponto mais alto terá a mesma altitude que Berna, 550 m acima do nível do mar, em comparação com o ponto mais elevado da ferrovia atual que esta’ a 1150 m acima. A rota ao pé dos Alpes é plana, 40 km mais curto, e os trens de carga vão viajar a 160 km/h, o dobro da velocidade atual.

Fonte: Estadão


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