Há algum tempo um economista pragmático lembrou a diferença abissal que distingue o estadista do populista. Enquanto o estadista pensa nas próximas gerações, o populista só pensa naquilo: nas próximas eleições.
A comparação surgiu na época em que a presidente Dilma Rousseff interferiu no setor elétrico postergando a atualização das tarifas, o que teve impacto no poder de investimento de concessionárias, uma vez que deixava a conta dessa imprevidência para o consumidor pagar, naturalmente depois das eleições.
O setor se movimentou, mostrou que a medida desarranjava a engenharia financeira das empresas, e que o resultado de tal medida seria desastroso para o planejamento das obras hidrelétricas em andamento e para os trabalhos de instalação de linhas de transmissão. O desarranjo seria geral. Contudo, o vale-tudo visando às próximas eleições falou mais alto.
Os riscos não se restringiriam apenas àqueles provocados pela medida eleitoreira. Outros, com o andar da carruagem, vieram a se somar, aos poucos, aos anteriores. Hoje, eles ganham visibilidade e divulgação até na voz do especialista que está dentro do sistema: o engenheiro Hermes Chipp, diretor-geral do Operador Nacional do Sistema (ONS), que reconheceu, em reportagem publicada no jornal O Estado de S. Paulo (edição de 21 deste mês – maio), que, embora não haja risco de racionamento de energia, operar o setor é muito difícil.
Além dos problemas provocados pela redução das tarifas, outros vêm aparecendo e compondo o quadro de dificuldades a que o operador do sistema está aludindo.
Não é de hoje, por exemplo, que entidades técnicas da maior relevância, dentre as quais a Associação Brasileira de Geologia de Engenharia e Ambiental, Associação Brasileira de Mecânica dos Solos e Engenharia Geotécnica e Comitê Brasileiro de Barragens, chamam a atenção do governo para a gravidade da escassez de chuvas na cabeceira dos rios onde estão os reservatórios das hidrelétricas. Elas chegaram a encaminhar carta à presidente da República mostrando que o governo não se dava conta das dificuldades futuras que o fenômeno provocaria.
Alertaram que, embora considerando a posição, absolutamente compreensível de grupos e órgãos ambientalistas, cujos argumentos a prática do dia a dia é suficiente para refutar, o Brasil não deve deixar de construir hidrelétricas com reservatórios compatíveis com a escala necessária. Hoje, além das hidrelétricas a fio d’água na Amazônia, ele passou a construir reservatórios mitigados, que, à primeira escassez de chuva, começam a mostrar o nível baixo das águas ali represadas.
Hermes Chipp reconhece que, pela planilha do governo, novas hidrelétricas em construção vão adicionar possivelmente 20 mil MW ao sistema ao longo dos próximos anos. Mas, desse total, apenas 200 MW serão atendidos por projetos com reservatórios. Resumo da ópera: o governo terá de acionar mais usinas térmicas para atendimento da demanda. E o consumidor é quem vai pagar a conta.
O governo deve acionar todas as matrizes energéticas do País. Mas a matriz principal continua a ser o potencial hidrelétrico. A energia gerada pelas hidrelétricas custa, em média, R$ 85 o MW/h, enquanto a energia gerada pelas usinas térmicas custa de R$ 400 a R$ 600 o MW/h. Não é justo que a soma das imprevidências aqui relatadas recaia sobre o consumidor, já diariamente saqueado por taxas e impostos, sem a contrapartida do recebimento de serviços públicos de qualidade. Não é por outro motivo que, conforme diz Hermes Chipp, “operar o sistema é difícil e estressante”.
Fonte: Revista O Empreiteiro