O déficit habitacional do Brasil é de 7,6 milhões de moradias e os números mostram que praticamente 90% é composto pela população de baixa renda (de um a cinco salários mínimos). O déficit do México está atualmente na casa dos 6,5 milhões, mas somente no ano passado construiu 680 mil moradias contra 120 mil no Brasil. A meta deles é ainda mais ambiciosa do que se pode imaginar: construir 1 milhão de casas ao ano e nos próximos cinco anos acabar com o problema. A batalha foi acirrada em 2001, quando o então presidente Vicente Fox (2000-2006) determinou que a habitação seria prioridade número 1 no país. Para ver de perto qual a receita do sucesso desta empreitada mexicana, o Comitê de Tecnologia e Qualidade (CTQ) do Sinduscon-SP enviou um grupo de empresários numa missão técnica para aquele país, a fim de colher subsídios aos trabalhos executados aqui. Segundo Salvador Benevides, diretor da Projeto Engenharia e coordenador da comissão, o México agiu conforme sua realidade, promovendo produções em grande escala, financiamentos de 30 anos com juros de 4% a 9% (vale ressaltar que em 2001 os juros estavam na casa dos 21%) ao ano e multa de inadimplência de 9%. A casa cabe no bolso do trabalhador. Os condomínios de “habitação voltada ao trabalhador”, como o governo mexicano prefere definir, são erguidos bem distantes dos centros metropolitanos, mas possuem, infra-estrutura, de serviços como cabeamento de energia elétrica enterrado, opções de lazer e comércio. “O indivíduo não fica isolado em sua casa, já que ela está situada longe do centro urbano. Existe a preocupação em oferecer algo mais ao usuário” diz Benevides. Muitas das unidades são utilizadas com duas finalidades: moradia e comércio – por lá não existe um órgão fiscalizador neste sentido. Benevides ressalta que, como a meta é produzir, em quantidade, a qualidade acaba comprometida. “A preocupação com a segurança no trabalho é mínima e 60% da mão-de-obra é informal. Não há Código de Defesa do Consumidor e nem exigências maiores por parte do usuário. Ele quer a casa, não importa muito como vai recebê-la”, comenta. O futuro morador pode adquirir um seguro no valor de1% do preço da unidade para atender as manutenções. As construtoras, por sua vez, entregam o imóvel com a garantia de cinco anos para estrutura, dois para instalações e um para vícios aparentes. Fusões de construtoras com fim específico para atender a esta demanda habitacional popular são muito comuns no México. Os sistemas financeiros mexicanos são o Infonavit (Instituto del Fondo Nacional de la Vivienda para los Tabajadores), para imóveis de US$ 17 a US$ 45 mil ; o Fovissste (Fondo de La Vivienda del Instituto de Seguridad y Servicios de Los Trabajadores del Estado) para imóveis até US$ 38 mil – juntos os dois sistemas atendem cerca de 65% da massa de financiamento – ; o Sofoles (Sociedad Financeira de Objeto Limitado /Financeiras independentes para classe média e profissionais liberais) destinado a imóveis de US$ 100 a US$ 200 mil – fica com 15% do mercado-; e bancos, para imóveis acima de US$ 200 mil. Lá, os investidores de empreendimentos do gênero devem apresentar um planejamento para no mínimo 13 mil unidades. São executados condomínios de 50/60 mil casas e construídas simultaneamente entre 10 e 15 mil. Para comparação, o diretor cita um exemplo brasileiro: o Condomínio Vila Flora, da Rossi Residencial, composto de cinco mil unidades e que executou no máximo trezentas casas por ano. Para Benevides, o ideal é encontrar o ponto de equilíbrio para a realidade do nosso País. “O bom senso tem que prevalecer. Ainda vemos muitas prefeituras brasileiras que exigem métodos de construção arcaicos e órgãos financiadores com regras muito rígidas”. Ele relembra também uma frase que foi ouvida e marcou a visita ao México: “Hoje o governo nos ajuda pouco, mas não nos atrapalha”. Industrialização é um caminho Roberto de Souza, diretor do Centro de Tecnologia de Edificações (CTE), diz que o equacionamento do déficit habitacional brasileiro só vai ocorrer realmente com grandes escalas de produção. “A industrialização da construção e o desenvolvimento de novas tecnologias colaboram diretamente neste sentido. Atuam fundamentalmente no segmento de baixa renda, pois possibilitam um ciclo de produção mais rápido. A construção industrializada de montagem, dentro ou fora do canteiro, gera redução de prazos e custos das obras, em comparação aos sistemas convencionais. Resultam ainda em aumento da produtividade e qualidade”, salienta. Ele destaca vantagens como durabilidade e pequena manutenção. “Ou seja, a industrialização contribui para a viabilização dos negócios imobiliários dentro de parâmetros competitivos de rentabilidade e retorno dos investimentos”. O sistema construtivo em perfis de aço leve para o segmento de habitação popular foi um dos temas abordados durante o “Encontro sobre Habitação Popular e Industrialização da Construção”, promovido recentemente pelo CTE. Alexandre Mariutti, diretor da Construtora Seqüência – pioneira na aplicação do sistema steel frame (perfis leves) no Brasil e com uma bagagem de 14 mil unidades destinadas ao segmento – diz que o sistema é inteligente e possui alto grau de sustentabilidade. A aplicação pode ser feita em casas unifamiliares e em edifícios de até quatro pavimentos sem elevador. Para Mariutti, entre os benefícios do sistema estão a construção seca, a leveza dos painéis (um painel de 3 x 2,70 m pesa cerca de 30 kg), pouca mão-de-obra e qualidade do produto final garantida. Além disso, possui boa proteção termo acústica, o que gera mais economia de energia, mais conforto térmico e acústico para o usuário. “Nossos cálculos mostram que cada unidade popular tem o custo de R$ 650/m²”, revela. Os painéis portantes pré-moldados são outra opção. A produção e montagem de elementos pré-moldados de concreto armado formam paredes, lajes, escadas e elementos complementares. Em módulos , justapostos, formam andares completos de edifícios. Mas, conforme André Aranha Campos, diretor da Inmax Tecnologia da Construção, os pré-moldados devem ser produzidos num pátio de produção localizado no próprio canteiro, para reduzir custos com transporte e tributos. “O sistema permite jogos de montar, simplificando o processo construtivo e de acabamento e a mão-de-obra é reduzida numa equipe mínima de operários/montadores. Entre as principais características do sistema estão velocidade de construção, redução de processos e valorização do projeto, além da garantia de padronização e qualidade. As vantagens apontadas são otimização de consumos, redu&cc
edil;ão de perdas, obra limpa, organização de canteiro, sinergia e sustentabilidade. Aposta no popular Depois de 40 anos atuando no segmento de alto padrão, a Cyrela resolveu atingir outro foco, o popular , lançando seu primeiro empreendimento para esta faixa em 1999. A diversificação gerou a marca Living em maio do ano passado. O segmento econômico até então pouco explorado pelas grandes incorporadoras despertou interesse na construtora por diversos fatores positivos como a estabilidade econômica, a oferta de crédito, com taxas de juros caindo e os prazos mais prolongados, a segurança jurídica (alienação fiduciária), o aumento da renda e empresas capitalizadas. Com a abertura de capital, a Cyrela cresceu para outros estados, atuando em dez no momento. Antonio Guedes, diretor de Novos Negócios da Cyrela, explica que a marca Living trabalha com dois segmentos: super econômico (entre 4 e 6 salários mínimos) para imóveis de até R$ 50 mil; econômico (entre 6 e 12 salários mínimos) para imóveis entre R$75 e R$ 140 mil. Os empreendimentos foram lançados em São Paulo, Rio de Janeiro e Porto Alegre e 70% das unidades foram vendidas no lançamento, sendo efetuados acordos de financiamento com bancos comercias para financiamento de 40 mil unidades com taxa entre 8 e 9% , mais TR, com prazo de 20 anos. Para ele, entre os desafios estão a padronização em escala do sistema construtivo, não com o objetivo de baixar o custo, mas de conseguir produzir; o atendimento adequado pós-ocupação, já que se trata de um cliente diferenciado; e a busca por terrenos, em razão dos altos preços e localização. Guedes cita o empreendimento Liber como um case de sucesso da empresa em parceria com a Tecnum. Localizado na Vila Matilde, em São Paulo, é composto de quatro torres, totalizando 358 unidades, com valor médio de R$ 105 mil e teve 100% dos apartamentos vendidos em 79 dias. Produção em escala Paulo José Galli , superintendente Nacional de Parcerias e Apoio ao Desenvolvimento Urbano da Caixa Econômica Federal, diz que a CEF está aberta para discutir projetos diferenciados. “A produção em escala é essencial para enfrentar o desafio do déficit, mas deve primar pela qualidade do ambiente e inserção urbana. A inovação tecnológica tem que estar agregada à qualidade e a tudo que a boa técnica recomenda. É importante notar que a faixa da baixa renda não era atendida pelo mercado de forma geral, situação que está se modificando. A grande meta é promover o desenvolvimentos dos municípios nas áreas de habitação, saneamento e gestão, para que cada um caminhe com suas próprias pernas”, salienta. No início do ano, o governo federal anunciou investimentos de R$ 106,3 bilhões para o setor da habitação até 2010. A ação está prevista no Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). Desses recursos, R$ 55,9 bilhões sairiam do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) e seriam destinados a famílias com renda de até cinco salários mínimos, que concentram mais de 90% da demanda por habitação. Fazem parte ainda da política habitacional ações como urbanização de favelas e melhorias ou reformas de moradias. Galli diz que o objetivo é realmente investir na população de baixa renda e buscar minimizar o déficit crítico de dois milhões de moradias em favelas, concentrados sobretudo na região Sudeste. Inicialmente, o trabalho será nas principais regiões metropolitanas do País e salienta que o Estado de São Paulo concentra grande parte dos projetos, que vão atender à capital, Campinas e Baixada Santista, além de outros municípios. Empreitada integral A Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano (CDHU), vinculada à Secretaria de Estado da Habitação de São Paulo, anunciou a construção de cerca de 37 mil moradias populares na capital e no interior paulista, pela modalidade de Empreitada Integral, em terrenos pertencentes à estatal. Segundo Lair Krähenbühl, secretário de Estado da Habitação e Presidente da CDHU, a companhia está numa nova fase e a partir de agora, por exemplo, só serão iniciados empreendimentos que tenham plantas aprovadas, entre outras medidas, com o objetivo de evitar a paralisação de obras por falhas nos procedimentos de licitação, problemas ambientais, etc. A respeito da participação no Programa Habitacional de Integração (PHAI), destinado ao financiamento de conjuntos habitacionais para servidores públicos, no Estado de São Paulo, o secretário informa que em abril deste ano foi inaugurado, no bairro do Sacomã, um piloto do programa, composto por mais de 350 unidades de dois dormitórios, com área útil de 54m² cada, ao custo de R$ 55 mil. Construído por intermédio da CDHU, o conjunto é financiado pelo Banco Nossa Caixa e terá prestações fixas de aproximadamente R$400,00 com juros de 6% ao ano. Krahenbuhl também enfatizou os trabalhos de padronização dos mutirões e urbanização de favelas. Ele defende que 5% das futuras unidades sejam destinadas a idosos e portadores de necessidades especiais, com instalações adequadas para estes eles. “A CDHU tem como foco atual a população de baixa renda e está aberta às mudanças. Podemos adaptar o que dá certo nos modelos da iniciativa privada e expurgar o que dá errado. Mas não podemos esquecer de sempre trabalhar a qualidade”.
Fonte: Estadão