Canal do Trabalhador hoje serve à irrigação no Ceará

Compartilhe esse conteúdo

Estiagem é palavra que não assusta mais os cearenses. A tecnologia e um pouco de vontade política têm contribuído para reduzir o impacto da seca. Na década de 1990, uma das obras destinadas a ajudar o abastecimento de água potável na Região Metropolitana de Fortaleza foi o Canal do Trabalhador. Ele agora é usado por famílias cearenses e empresas para a irrigação

Andreh Jonathas – Fortaleza (CE)

Oinício da década de 1990 foi de sufoco para o abastecimento de água na Região Metropolitana de Fortaleza (RMF). Houve iminente e sério risco de colapso. A população temia ficar sem água. A solução encontrada pelo então governador, Ciro Gomes, foi buscar o recurso natural do rio Jaguaribe, no município de Itaiçaba, e levá-lo por 102,5 km, até Pacajus. Por meio do Canal do Ererê, o açude Pacajus é interligado ao sistema Pacoti-Riachão-Gavião, reservatórios responsáveis pelo abastecimento da RMF – hoje integrado ao Eixão das Águas ou Eixo da Integração. Esta longa conexão hídrica foi batizada de Canal do Trabalhador, construída, em 1993, pela extinta Secretaria de Desenvolvimento Urbano, no âmbito da Companhia de Água e Esgoto do Ceará (Cagece). Passados 18 anos, a obra continua em operação, mas com novo foco.
Conforme a Companhia de Gestão dos Recursos Hídricos (Cogerh), responsável pelo Canal do Trabalhador, a estrutura opera hoje com apenas um conjunto eletrobomba, recalcando uma vazão de até 0,5 m³/s. O canal atende a uma população de cerca de 24 mil pessoas nos distritos ao longo do canal, além de servir para irrigar uma área em torno de 1,5 mil ha e pequenas propriedades com agricultura familiar.
A vazão prevista no projeto do Canal do Trabalhador deveria alcançar 6 m³/s. "Depois que começou a funcionar, em 1994, a gente foi melhorando as obras estruturais. Ele hoje está apto a operar sem nenhum problema. A vazão está em 5 m³/s", informa o supervisor de Campo do Canal do Trabalhador, Antonio Valdenir, que acompanha a obra desde o seu início.
Valdenir comenta que, ao longo do tempo, houve assoreamento com acúmulo de material no canal, o que dificulta chegar ao volume de bombeamento máximo previsto. "Tem que ser feita a dragagem (limpeza do fundo), por que carros, chuvas e o assoreamento depositam muito material", explica. Porém, ele garante que a vazão atual é o suficiente para atender à proposta de irrigação.
O supervisor acompanha de perto o canal e as comunidades atendidas. Ele comenta que a população local se mostra satisfeita com o destino do canal. "Um comitê se reúne uma vez ao ano. Eles demonstram estar muito satisfeitos. Sem água, não tem vida. O canal não está conduzindo mais água para Fortaleza. Hoje é aproveitado mais para adutoras, para irrigação. A empresa Itaueira, por exemplo, emprega 700 pessoas diretamente para produzir frutas. Tem também muita produção de melão, melancia, coco e manga", ressalta. Valdenir lembra que foram investidos cerca de US$ 48 milhões (cerca de R$ 75 milhões) no Canal do Trabalhador para sua construção.
Para o coordenador de Economia e Estatística do Instituto de Desenvolvimento Industrial do Ceará (Indi), economista Pedro Jorge Ramos Vianna, "o Canal do Trabalhador foi fundamental para o abastecimento de água de Fortaleza na época em que foi construído. Resolveu um problema local e temporal. Mas a geração de emprego e renda torna o canal mais útil para irrigação". Para Vianna, a construção do Canal do Trabalhador não pode ser questionada, entretanto o seu uso atual deve ser discutido e feito da melhor forma em função da valorização dos recursos públicos, que foram e estão sendo aplicados no projeto. O economista comentou também que o a obra foi de fundamental importância para a engenharia cearense e do Brasil, pois possibilitou a construção de uma estrutura pioneira no Nordeste.
A promessa da Cogerh é de ampliar a atuação do canal para ser um instrumento de geração de emprego e renda, já que tem potencial para irrigar até 10 mil ha e atender a mais de 500 mil pessoas, cerca de 100 mil famílias.

Eixão das Águas substitui
Canal do Trabalhador

Por que o canal do Trabalhador deixou de abastecer a Região Metropolitana de Fortaleza (RMF)? Em 19 de março de 2009 foi inaugurada outra obra hídrica no Ceará, o Eixão das Águas. Participaram do evento no município de Pacajus o atual governador Cid Gomes, e a então ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff. Foram entregues os trechos II e III do projeto, que leva água do açude Castanhão, no Vale do Jaguaribe, à RMF. A promessa era de dar sustentabilidade hídrica por, pelo menos, 30 anos. Semelhanças à parte, e guardadas as devidas proporções, o Eixão substitui a função do Canal do Trabalhador.
Além de inaugurar os trechos do Eixão, que somavam 167,2 km construídos, fora assinada a ordem de serviço para a construção do trecho IV, entre os açudes Pacajus e Gavião, que já está em obras. Tem ainda o trecho V, que levará a água do Castanhão para o Complexo Industrial e Portuário do Pecém (CIPP), que vai viabilizar a instalação da Refinaria Premium II, da Petrobras, e a Companhia Siderúrgica do Pecém (CSP). Assim, o Eixão das Águas terá cerca de 255 km de percurso – 157,56 km de canais, 96,2 km de adutoras e 1,1 km de túneis.
Nos três primeiros eixos, o Governo do Estado investiu cerca de R$ 1 bilhão, com financiamentos do Banco Mundial (BIRD), do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) e contrapartida do próprio Estado. Os trechos seguintes devem ser construídos com cerca de R$ 500 milhões.

Os trechos
O trecho I do Eixão, que vai do Açude Castanhão até o Açude Curral Velho, tem 55 de km de extensão. Este trecho possui uma estação de bombeamento, situada na margem esquerda do rio Jaguaribe, com a capacidade máxima de vazão de 22 m³/s. Ao longo desta parte do Canal do Trabalhador, adutoras gravitárias (sifões) fazem a travessia das águas nos talvergues dos riachos do Livramento, Novo, Formoso e Santa Rosa, do córrego Corcunda e do rio Banabuiú. O trecho foi construído pelo consórcio composto pela Somague Engenharia, Galvão Engenharia e Paulista de Construções e Comércio.
O Trecho II começa no Açude Curral Velho e estende-se ao longo de 46,1 km, até a Serra do Félix, em Morada Nova. Ele é constituído por cinco segmentos de canais a céu aberto, intercalados por quatro subtrechos com tubulações. No seu trecho inicial, transpõe-se o rio Palhano através de um sifão com 6,4 km, e deflete na direção sul/norte até atingir as imediaç&

otilde;es de um ponto de sela topográfico da Serra do Félix. Como obras principais figuram, ainda, mais três sifões para travessia dos riachos Boa Vista, Mão Ruiva e Melancias, que juntos perfazem mais 4,4 km de tubulação. O trecho foi construído pelo consórcio integrado pela Galvão Engenharia, Somague Engenharia, Paulista de Construções e Comércio e Construtora Barbosa Melo.
Já o trecho III compreende 66,3 km de adução e está localizado entre a Serra do Félix e a ombreira do Açude Pacajus. A obra tem como principal característica um conjunto complexo de canais e sifões, cujo objetivo principal é permitir a transposição de água desde a Serra do Félix, final do Trecho II, até o início do trecho IV. O trecho III foi executado pelo consórcio composto pela Andrade Gutierrez, Odebrecht e Queiroz Galvão.
O trecho IV totaliza 33,89 km de aqueduto, canais, sifões e túnel, tendo sido dividido em três subtrechos. O primeiro apresenta uma extensão total de 27,51 km, iniciando-se com um aqueduto de 109,70 m, que transpõe o Canal do Trabalhador próximo ao seu deságue no Açude Pacajús. No final desse aqueduto, inicia-se o sifão 1, sob o rio Choró, com extensão total de 2.658,79 m, fim do qual inicia-se o canal, com extensão total de 24.619,36 m, terminado no Açude Pacoti, que é ponteado por três pequenos sifões.
No segundo subtrecho, um canal com extensão de 0,8 km interliga os açudes Pacoti e Riachão. No terceiro e último subtrecho, com extensão total de 5,580 km, interliga os açudes Riachão e Gavião – ele se inicia com um túnel de 1.075 m de extensão executado paralelamente ao túnel existente e seguido por um trecho em canal, também paralelo ao existente, com extensão de 4.505 m. Os trechos de canal são todos de seção hidráulica trapezoidal. A estanqueidade do canal é assegurada por uma manta em PVC protegida por uma laje de concreto não armado de reduzida espessura.
O sistema adutor Gavião/Pecém, o trecho V do Eixão das Águas, é constituído por tubulações em recalque ou gravitário com extensão de 53,97 km. O traçado estende-se paralelamente ao litoral.
Os trechos IV e V, ainda em obras (previsão de término no final deste ano), estão sendo construídos também em regime de consórcio: trecho IV – Construção e MWH Engenharia e Projetos; e o trecho V – Passarelli, PB, Hydrostec e VBA.

Detalhes técnicos da construção do Canal do Trabalhador
Construção rápida. A construção do Canal do Trabalhador levou 90 dias. Iniciou-se em junho de 1993 e foi concluída – a ponto de iniciar a transferência de água a Fortaleza pelo canal – nos primeiros dias do mês de setembro de 1993.
Sem planejamento. Com extensão em torno de 100 km, a alternativa foi a divisão em 12 lotes ou frentes de trabalho – 12 empresas, cada uma com 9 km de extensão de obra, para dar rapidez a construção. O projeto foi sendo desenvolvido no mesmo momento em que a construção do canal avançava. Havia apenas o lançamento do eixo do canal numa escala na planta de 1:100.000. Assim, a margem de erros era bem representativa, exigindo ajustes de traçado à medida que progredia cada um dos lotes.
Pouca tecnologia. Não havia, à época, tecnologia disponível. O GPS foi usado de forma incipiente. O encontro entre trechos (lotes) se dava de forma a usar principalmente a experiência de campo dos técnicos, observações aéreas por helicóptero, auxiliada também pela extinta companhia aérea Cruzeiro do Sul.
Faltava água. Não havia água para traçar o concreto e revestir o canal em toda extensão. As distâncias de deslocamento elevado dificultavam a base de apoio para movimentação de providências de rotinas, de urgências, ou fiscalizatória. Apenas parte do canal recebeu revestimento em concreto. Alguns trechos foram em manta e outros de taludes em rocha sem revestimento.
Obstáculos. Problemas de trechos com rochas aflorantes (25 km), lençol freático alto e desapropriação estiveram sempre presentes durante os 90 dias de construção do Canal do Trabalhador.
Tempo integral. Os trabalhos transcorreram em tempo integral, divididos em turnos, girando em torno de 5 mil trabalhadores atuando na construção do canal.
Transições. O canal a céu aberto foi possível em virtude de solo ter predominância, na sua extensão, do tipo arenoso e topografia favorável, com apenas três transições mais complexas: uma sobre o rio Piranji; e outras duas sobre o rio Umburanas. O início do projeto tinha um canal vertedor, onde foi construído um dique sobre o rio Palhano, seguindo pelo trecho zero que era uma tubulação de recalque, e a partir daí o canal propriamente dito, em doze trechos. O canal tem formato trapezoidal, valendo para trecho em corte ou aterro a secção de 1:1,5 (V:H), tendo a base molhada o cumprimento previsto para 5 metros.
Reforço. Após o início do funcionamento do canal, o que ocorreu a partir de setembro de 1993, foi necessário realizar a programação de obras de reforço nos trechos de aterro, colocação de grama armada nos taludes de cortes elevados e obras complementares de drenagem, a fim de deixar o canal estruturalmente preparado para enfrentar o inverno do ano de 1994 – período chuvoso de março a maio -, e evitar colapsos em seus taludes.

Características diversas:
O volume de corte/aterro: 9.400.000 m3
Velocidade: 0,30m3/s
Lâmina inicial de água: 2,36 m.
Declividade: 1=0,000012m/m ou 1,2 cm para cada km de canal.
Foram utilizados, aproximadamente, 1,4 milhão de m² de manta asfáltica, e 4.760 m de tubulação, sendo deste total 750 m de linha de recalque com diâmetro de 1800 mm em chapa de 3/8" (aço). O conjunto elevatório era formado por seis conjuntos, cada um com vazão de 1,2 m³/s, sendo uma de reserva, possibilitando o transporte via canal de 6 m³/s para o açude Pacajús.
Empresas. Os contratos assinados para construção do canal do trabalhador, que totalizou, ao final, em torno de US$ 48 milhões, dos quais US$ 28 milhões vieram do Governo Estadual e US$ 20 milhões do Governo Federal, foram:
– Trecho zero: Obras de dique no rio Palhano, em Itaiçaba – J.Dois Pré-Moldados
– Trecho 1: Delta
– Trecho 2: Construtora Queiroz Galvão S/A
– Trecho 3: Construtora Gurgel Galvão S/A
– Trecho 4: Master Incosa Engenharia S/A
– Trecho 5: Conscol Constr. Cotepadre Ltda.
– Trecho 6: Construtora Martins Porto Ltda.
– Trecho 7: Mary Empreendimentos
– Trecho 8: J.Dois Pré-Moldados
– Trecho 9: Construtora Omar O’Grady
– Trecho 10: GTF
– Trecho 11. EIT Emp. Ind. Técnica S/A
– Trecho 12: Trana Construções Ltda.

Fonte: Companhia de Água e Esgoto do Ceará (Cagece), com informações de Mozart Brandão Júnior

O engenheiro Mozart Brandão Júnior &ea

cute; um dos que acompanharam muito de perto a aventura da construção do Canal do Trabalhador. Afinal, há 18 anos, ele coordenava as obras do sistema que prometia acabar com o desabastecimento de água na Região Metropolitana de Fortaleza. Em entrevista exclusiva à revista O Empreiteiro, o atual assessor de Cooperação Técnica e Novos Negócios da Companhia de Água e Esgoto do Ceará (Cagece) defende o projeto.
O Empreiteiro – Como começou o debate sobre o Canal do Trabalhador?
Mozart Brandão Júnior – O início do debate sobre como encontrar a solução para combater o colapso iminente no desabastecimento de água em Fortaleza ocorreu em março de 1993, quando estava certificado que não haveria chuva, sendo o referido ano o pior entre os três últimos de secas consecutivas.
OE – E o que foi feito?
MBJ – Em fevereiro e março de1993, estava sendo montado um esquema de transposição em tubos de ferro fundido propondo trazer água do Açude Pedras Branca até o leito do riacho Choró. A insistência de técnicos da Cagece proporcionou a abertura para discussão de alternativas técnicas. Surgiu então a ideia do Canal do Trabalhador formulada pelo engenheiro José Candido, já falecido, da Hidroterra, um dos participantes do debate técnico. Sua proposta se utilizava do açude Orós, que lançaria água no rio Jaguaribe, sendo barrado em Itaiçaba, início do Canal do Trabalhador.
OE – Como se deu a aprovação do projeto?
MBJ – Convencido da viabilidade das obras do canal, o governador Ciro Gomes ainda apresentou a proposta técnica eleita em alguns organismos federais, procurando se assegurar que a medida a ser implantada era, de fato, a mais adequada para o momento.
OE – Houve quem fosse contra e a favor. Quais eram os argumentos?
MBJ – Houve propostas técnicas diferentes antes de se conhecer a melhor solução. Uma vez escolhida e tomada a decisão de construção do canal, houve uma somatória de adesão, mesmo daqueles de propostas vencidas. Não observei boicote à ideia da proposta vencedora nem durante o desenvolvimento dos trabalhos. Ao contrário, só houve incentivos.


Sinaenco-CE diz que Fortaleza
é exemplo de segurança hídrica

Ao longo do tempo, o Ceará sofreu muito com a escassez de água. Hoje, a tecnologia e a engenharia são aliadas contra esta mazela. O presidente regional do Sindicato Nacional das Empresas de Arquitetura e Engenharia Consultiva (Sinaenco), Iuri José Alves de Macedo, comenta sobre o potencial do Estado para resolver problemas hídricos.
"É bom ressaltar que nós já temos em operação o Eixo de Integração (Eixão das Águas) que é uma obra muito maior que o Canal do Trabalhador. Penso até que, atualmente, é uma das maiores obras de transposição de bacias em funcionamento no Brasil", ressalta Macedo.
O presidente destaca que a necessidade forçou ao desenvolvimento de novos projetos de combate ao desabastecimento de água. "Devido a sua condição climática, o Ceará teve de desenvolver soluções próprias para a convivência com o fenômeno das secas. Essas soluções levaram ao desenvolvimento da engenharia local tanto no aspecto de obras como também de projeto e planejamento. As empresas cearenses que trabalham na área de obras hídricas participam também de trabalhos em diversos outros estados. Isso se deve, principalmente, ao pioneirismo e a competência com que o tema tem sido tratado nas ultimas décadas dentro do nosso estado", explica.
Para ele, o Canal do Trabalhador foi um grande exemplo da capacidade do Estado. "Foi planejado e construído em tempo recorde e com uma grande participação de empresas locais. Durante a década de 1990, ouviu-se falar em racionamento de água em diversas capitais. Mesmo não chegando a esse ponto, o estado do Ceará se planejou de uma maneira tal, tanto no gerenciamento dos recursos hídricos como no planejamento de obras, que podemos afirmar que, atualmente, Fortaleza é uma das capitais com melhor segurança hídrica", destaca Macedo.

Fonte: Estadão


Compartilhe esse conteúdo

Deixe um comentário