A análise temática sob dois aspectos do ensino

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Francisco Ferreira Cardoso*

Aquestão da internacionalização tem que ser analisada sob dois ângulos: da preparação dos nossos egressos para trabalhar no exterior e da preparação para que dominem as tecnologias de ponta, inclusive as do exterior. No caso da engenharia civil, trata-se da segunda opção. A intenção da Escola Politécnica não é formar engenheiros para trabalharem no exterior, mas aqui, tanto mais pelo fato de que a construção vive momento especial de elevadíssima demanda no País; essa posição vale também para as outras formações da Escola.

Isso não significa que não apoiemos os Programas de Dupla Formação no exterior. É importante que uma parcela significativa dos nossos alunos continue a ter essa experiência fora do País. No caso da engenharia civil, está ocorrendo uma vinda significativa de empresas estrangeiras para o Brasil, assim como uma atuação maior de construtoras fora do País, particularmente em obras de infraestrutura. Isso reforça a importância de passarmos aos alunos esse conhecimento e de incentivarmos a que aprendam outras línguas, inclusive o castelhano.

Temos também que pensar na parcela que se dirige a uma formação em pesquisa, principalmente ao doutorado, para a qual a experiência fora é muito importante. A existência na Escola Politécnica de importante programa de pós-graduação em Engenharia Civil cria essa oportunidade com também facilidades para que as tecnologias de ponta do exterior cheguem a todos os alunos da graduação.

Saliento que o que queremos primordialmente é aproveitar os engenheiros aqui, em empresas nacionais ou estrangeiras, ou em empresas brasileiras que atuem no exterior. Os agentes do mercado vivem uma ambiguidade: ao mesmo tempo em que precisam de engenheiros civis com formação sólida para enfrentar os desafios que são colocados pelo forte crescimento em curto espaço de tempo, tem desafios operacionais imediatos de produção, o que lhe faz buscar engenheiros “prontos”, para planejamento, concepção, projeto, execução, operação e manutenção.

O que estamos procurando na Escola Politécnica é uma mudança curricular que mantenha uma formação sólida e que dê ao jovem egresso conhecimentos mais aplicados e, sobretudo, competências atitudinais que lhes permitam se integrar mais facilmente ao mundo do trabalho. A essência dessa mudança passa pelo aumento significativo de disciplinas nas quais os estudantes vivam experiências mais próximas do real, por exemplo, pela aprendizagem baseada em projetos, e da obtenção de uma visão holística dos problemas e da busca de suas soluções.

Sobre a pergunta – “Como reduzir o número de evasões e tornar a engenharia em suas diversas modalidades, mais atraentes para os jovens que estão ingressando na universidade?” – quero dizer o seguinte: a aproximação do dia a dia de sala de aula com o mundo do trabalho, explicada anteriormente, é um dos caminhos importantes. Outro é o da flexibilização da formação.

Desde o início do curso deve ser dada ao aluno a oportunidade de adaptar a sua trajetória de formação aos seus anseios, cursando optativas livres. Essas podem ser cursadas dentre um leque de disciplinas da sua formação de base, com na Engenharia Civil, ou fora dela, em outra Engenharia, ou mesmo fora das engenharias. A oferta de um quinto e último ano também flexível, no qual o aluno possa ampliar essa formação eclética ou reforçar a na sua área, ou, ainda, optar por uma formação em pesquisa, iniciando sua pós-graduação, também é uma pista que a Politécnica precisa explorar.

Além da formação tradicional em Matemática, Ciências Naturais (Física e Química), Ciência dos Materiais e Mecânica, combinada com o necessário aprofundamento científico e técnico em cada habilitação da Escola, é preciso reforçar a formação em Humanidades e Ciências Sociais, assim como em competências como gerenciamento de empreendimentos, identificação e resolução de problemas, sustentabilidade, comunicação, políticas públicas, globalização, liderança, trabalho em equipe, dentre outras. Um verdadeiro desafio.

Para reduzir o número de evasões é preciso esclarecer melhor o jovem para sua escolha de carreira no ensino superior, indo ao seu encontro em escolas do ensino médio e reforçando o convite para que participem de atividades do tipo “portas abertas” e do programa “A Universidade e as Profissões” da USP.

Revista O Empreiteiro: O sr. considera que a engenharia brasileira vive hoje um de seus melhores momentos, em razão dos investimentos que o governo vem fazendo na infraestrutura? Considero, sim, que a engenharia brasileira vive hoje um de seus melhores momentos. Mas, particularmente na área da Engenharia Civil há de se tomar cuidado para que a justificativa da necessidade e da pressa não sirva de desculpas para que os preceitos da boa engenharia e da ética sejam desrespeitados. Esse pode ser o caso de programas como o “Minha Casa, Minha Vida” e do regime de contratação especial para obras da Copa de 2014, por exemplo. Há de ficar atento, pois estamos nos aproximando da situação limite, e o período de bonança pode estar criando “bombas-relógio”.

Sobre a indagação “o que o governo e iniciativa privada podem fazer em favor do desenvolvimento da engenharia brasileira?”, quero assinalar que, em um período decrescimento econômico como o atual, assegurar que a boa engenharia seja praticada e que os preceitos da Ética sejam respeitados, já bastaria.

Contudo, queremos mais. No caso da Engenharia Civil, a formulação conjunta, com as instituições de pesquisa, de uma política de Ciência, Tecnologia e Inovação (CT&I) para o setor da construção, expressa por programas de fomento ao desenvolvimento científico e tecnológico, à formulação de projetos de CT&I alinhados e considerados estratégicos, e por diretrizes de apoio à tomada de decisão quanto a investimentos em inovação por parte das empresas e das entidades do setor, são outras iniciativas que considero essencial a tal desenvolvimento. Felizmente, estamos vendo uma série de indicadores que apontam para uma rápida evolução nesse sentido.

*O professor Francisco Ferreira Cardoso é titular do Departamento de Engenharia de Construção Civil e vice-presidente da Comissão de Graduação da Escola Politécnica da USP.

Fonte: Estadão


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