Imaginava-se que ela estivesse ao lado. Se possível, em rua próxima. Mas sempre estabelecendo uma eqüidistância capaz de assegurar a rotina do dia-a-dia. Depois se observou que ela se incrustou nos usos e costumes das cidades. Como se não houvesse mais nenhum delimitação física a fornecer margem de manobra para qualquer possibilidade de fuga. Mas viu-se que ela compõe uma rede, ampla rede lançada sobre a sociedade. Para dourar a realidade, vêm as estatísticas mostrando que as coisas não são bem assim. As taxas de homicídios descem, enquanto os números de outros tipos de violência sobem. Os números têm o poder do encantamento provocado pela mistificação. Pelo menos proporcionam a sensação de que, na medida em que são manipulados ou estudados, revelam o empenho oficial em mudar o status quo. O dia-a-dia, no entanto, tem a capacidade de atuar como estraga prazeres. É que a notícia de um assalto aqui ou de um seqüestro-relâmpago mais adiante se propaga como labareda. E, dependendo das circunstâncias, quando uma dessas ocorrências vira latrocínio – ou adquire a dimensão da barbárie recentemente registrada nas ruas do Rio – o medo, seguido ainda de algum sentimento de indignação, coloca por terra o castelo de cartas da manipulação. O resultado, independentemente do desmantelamento de quadrilhas, é a insegurança. E, quando se tem a sensação de que sair de casa é perigoso, da mesma forma como é perigoso chegar em casa ou andar a pé ou de carro até a esquina, e que até o fato habitual de ficar no ambiente doméstico pode acarretar sérios riscos, pois os arrastões não perdoam nem sequer edifícios de luxo, a contatação é que a situação está mesmo fora de controle. De outro lado, o desaparelhamento do Estado ajuda a irrigar as sementes da violência. Por esses dias, num encontro na Federação do Comércio, no Fórum da Cidadania Contra a Violência, os secretários Luiz Antônio Guimarães Marrey, da Justiça e da Defesa da Cidadania, Ronaldo Augusto Bretas Marzagão, da Segurança Pública e Antônio Ferreira Pinto, da Administração Penitenciária, discorreram sobre ações que o governo paulista realiza nessas áreas. E Ferreira Pinto destacou: até aqui, não tem havido política pública eficiente na área penitenciária. Os presídios no Estado são concebidos e construídos, historicamente, sem planejamento e – frisou – até hoje não foi executado nenhum especificamente feminino. Para mulheres, os estabelecimentos penais existentes têm sido adaptados – e mal adaptados. Assim, se os erros constatados, nessa área, são de origem, é difícil imaginar os erros que vão se multiplicando a partir dessa matriz. Um dado é relevante. Como a violência é indiscriminada e atinge a todos, todos são responsáveis pelas medidas que devem ser adotadas para coibi-la. Por isso, no campo que cabe à Engenharia e à Construção, nenhum empresário pode fazer que não vê. E as entidades que absorvem e difundem o pensamento e as ações dos profissionais desses segmentos, não devem se omitir. A violência não está mais ao lado. Nem na rua próxima. Está refletida no medo que vai desconstruindo o dia-a-dia de todos nós.
Fonte: Estadão