Sob o domínio da violência urbana

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E chegou-se, nessa questão da violência urbana, àquele ponto em que todas as desculpas oficiais são sofismas e todas as políticas públicas para coibi-la deixam de prosperar porque são vulneráveis. Da mesma forma, ela não é um problema apenas da segurança pública, mas da sociedade e de todas as suas entidades representativas, incluindo aquelas da Engenharia, Arquitetura e Construção. Entendemos a posição de várias entidades setoriais. Assoberbadas pelas preocupações de origem, voltadas a interesses específicos das categorias que representam, acham que já possuem problemas demais para se concentrarem naqueles que, em princípio, não lhes dizem respeito diretamente. Acontece que hoje, os interesses, mesmo os corporativos, diluem-se na angústia de todos, em razão da ruptura que a criminalidade provoca no tecido social. Há alguns anos, notável arquiteto, Sérgio Magalhães, responsável pelo programa de renovação urbana nas favelas do Rio de Janeiro, o Favela-Bairro, disse ao editor desta revista: “A cidade informal domina, puxa o crescimento urbano. Um dia, se não forem adotados cuidados, a cidade informal, cerca e toma conta da cidade formal”. E, no outro lado da linha, outro arquiteto, Paulo Mendes da Rocha, defendia o sonho de uma cidade para todos. – A cidade, genericamente, que poderia ser São Paulo, Rio, Belo Horizonte, Curitiba. Enfim, todas, de todos. No fundo, o que Sérgio Magalhães prognosticava – e temia – era a ruptura acima mencionada. Quando ela acontece, todas as soluções possíveis, quando chegam, chegam tarde demais. É resultado do que teria ocorrido lá atrás, na infra-estrutura dos mecanismos de sobrevivência e evolução social: o descalabro na saúde, na educação, na habitação, nos transportes, no saneamento, ao lado da evidente perda de noção de valores, o que ocorre não apenas em alguns segmentos da sociedade, mas em todos. Então, delinqüentes vindos de camadas mais pobres assaltam e seqüestram vítimas de todas as camadas, da mesma forma que delinqüentes oriundos de famílias de classe média atacam pessoas pobres ou ricas. A criminalidade, nesse ponto de ruptura do tecido social, deixa de ser demarcada. Entendemos o empenho de algumas entidades, de que é exemplo o Instituto São Paulo Contra a Violência, fundado em 1997 com objetivos específicos: melhorar os serviços de segurança pública, dos serviços de justiça comum, sistema penitenciário e desenvolvimento de políticas sociais e urbanas. E até conseguiu conquistas significativas com o funcionamento do Disque-Denúncia e outras medidas no âmbito e nas instâncias dos governos municipal, estadual e federal. Ocorre que a criminalidade cresceu e sofisticou-se até do ponto de vista da tecnologia. Paredes hermeticamente fechadas deixaram de ser barreiras intransponíveis. E as respostas do governo, no campo econômico, para dotar o organismo urbano de meios capazes de ajustar as condições sociais, invariavelmente são nulas. A carga tributária excessiva incide sobre os mais pobres; a justiça jamais é para todos; os pequenos poupadores são prejudicados em detrimentos de um sistema financeiro que só sabe cuidar do próprio umbigo e até parlamentares defendem privilégios legais que os tornem imunes a acusações ou a responsabilidades que só atingem os comuns dos mortais. Enquanto orçamentos para segurança, educação e outros itens fundamentais encurtam, o medo toma conta das metrópoles e avança pelas cidades pequenas e médias. O Estado de São Paulo, que lidera o ranking de prisões efetuadas, precisa de mais de 49 mil vagas nas penitenciárias. Contudo a construção de novos presídios é apenas um dos elos da cadeia. Por isso, o problema não é apenas das lideranças, públicas ou privadas, que ainda existem no País, mas de todos e, em nosso caso, das entidades da Engenharia e da Construção, que não devem se omitir.
Fonte: Estadão


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