Até que não seria difícil pagar a conta, caso ela se limitasse aos valores avaliados com base nos prejuízos ocasionados pelos estragos nos objetos táteis. Mas o valor da conta está lá em cima e não dá para ser contabilizado apenas no item "despesas com os danos na geladeira, ferro-elétrico, microondas e por aí adiante".
O apagão de ontem convulsionou bairros densos da cidade. Cidadãos perderam a hora. Outros, os compromissos ajustados. E os dramas familiares se somaram aos dramas ocasionados nos escritórios, nas indústrias, nos hospitais. Uma escola de inglês funcionou à luz de velas. E, em meio ao pânico generalizado, ninguém nega que haja recrudescido a ação de delinqüentes em algumas áreas.
Alguns jornalistas e escritores davam tratos à bola, para concluir trabalhos e entregá-los na redação. Apanhados no meio do serviço, debruçados nos computadores, até que poderiam apelar, eventualmente, à alguma velha Remington acaso abandonada, empoeirada, no sótão. Mas sequer havia luz para chegar até lá. Lembremo-nos de que a tecnologia moderna repousa fatalmente nas grandes possibilidades da oferta de energia. Sem ela, adeus computador, adeus internet. Por que cargas d´água acabamos nos acostumando com essa modernidade?
Poderíamos dizer que as concessionárias, responsáveis pela geração e distribuição de energia, não estão nem aí para os dramas solitários ou coletivos. Habituaram-se à lógica perversa: tudo para a empresa, nada para o usuário. E, considerando as agências reguladoras que temos, será difícil convencê-las de que apagão é ocorrência previsível. Elas têm que realizar manutenção preventiva, sobretudo considerando que funcionam com equipamentos obsoletos, senão na geração, ao menos na distribuição e nos pontos de chegada. A cidade toda está com sua rede de transformadores envelhecida. Temos uma tecnologia nova, num cenário de obsolescência.
Fonte: Estadão