Após duas décadas, TAV transporta 66% dos passageiros a 250 km/h

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Outro exemplo é a ponte aérea no trajetoParis-Bruxelas, que responde hoje por apenas 2%do movimento de passageiros

Osucesso do trem de alta velocidade na Alemanha traz diversas lições: um megaprojeto constituído por obras de porte como linhas dedicadas ao TAV de passageiros, somadas às linhas existentes que foram modernizadas e obras singelas e de baixo custo para eliminar gargalos nas linhas e estações; indispensável coordenação para uso comum de muitas linhas por trens locais e de carga, mais lentos; valorização das ligações urbanas por metrô ou trem metropolitano (S Bahn) para que o passageiro do TAV possa viajar de porta a porta, com rapidez, sem congestionamento de tráfego; e visão de longo prazo – o TAV conhecido como Intercity Express-ICE começou a operar comercialmente em 2 de junho de 1991 na Alemanha. Esses fatos mostram que o TAV não pode ser um projeto político com data marcada para inauguração, sem que a licitação do sistema nem sequer tenha sido realizada, como se pretende fazer no Brasil, com a linha Campinas-São Paulo-Rio.

Segundo o professor e engenheiro Eberhard Jaensch, consultor especializado em TAV e editor da revista RTR Rail Technology Review, sediada em Frankfurt, a estatal ferroviária alemã DB oficializou o projeto de trem de alta velocidade em maio de 1984, quando duas linhas novas dedicadas, chamadas pela sigla NBS, já estavam em obras havia dez anos – uma entre Hannover e Würzburg, e outra ligando Manheim e Stuttgart – somando 425 km. Àquela altura, um protótipo do trem rápido batizado de Intercity Experimental, capaz de viajar a 350 km/h, estava praticamente montado.

Seção transversal do trem ICE e da plataforma

A DB, após a crise do petróleo de 1974, tinha se resignado em ter as duas novas linhas operando como o restante da rede alemã, com trens de passageiros deslocando-se entre 160 km/h e 200 km/h e trens de carga a 80 km/h. O projeto do TAV trouxe uma mudança radical — a velocidade máxima inicial nas novas linhas seria de 250 km/h, com a meta de alcançar depois 280 km/h, com trens de carga a 120 km/h. O uso misto das linhas foi preservado. Uma série de pequenas obras para eliminar gargalos foi efetuada, a um custo relativamente baixo, como na sinalização.

No setor de cargas, foi introduzido o conceito “salto noturno”, que visou ao transporte de bens importados dos portos do Mar do Norte ao sul da Alemanha em apenas uma noite. Na direção inversa, os bens de exportação também chegariam ao norte numa única noite. A capacidade das linhas estava assegurada por onde os trens trafegariam a 120 km/h. Outro pré-requisito de segurança foi equipar as locomotivas, vagões e as linhas com o sistema de controle contínuo e automático LZB (em alemão). Funciona à base de dados transmitidos entre trens e o controle central por meio de um cabo transceptor instalado no trilho e um link sem fio curto. Nas novas linhas, o LZB reconhece sinais de perigo a distâncias de 10 km à frente do trem, permitindo longos percursos de frenagem necessários aos trens comuns. Para trens de carga viajarem a 120 km/h, foram adquiridas locomotivas da classe 120, equipadas com LZB e acionadas por motores assíncronos de três fases.

Túneis exigiram “selagem antipressão” dos trens

O problema da pressão aerodinâmica provocado por trens ingressando nos numerosos túneis das duas novas linhas era novo na Europa, embora 20 anos atrás os engenheiros japoneses já tivessem solucionado essa dificuldade no trem-bala Shinkansen. Os toaletes também passaram a ter sistemas selados, sem aberturas externas. A selagem contra pressão do espaço entre os vagões eliminou o ruído desagradável que os passageiros ouviam mesmo nos trens convencionais a 140 km/h. Os TAVs da DB formam unidades indivisíveis nas estações e as oficinas foram adaptadas para receber composições medindo até 410 m.

O professor Jaensch aponta as inovações feitas na época para melhorar o conforto dos passageiros nesses TAVs, a exemplo das escadas de acesso nos vagões, que se tornaram amplas. Antes dada como uma missão impossível pelos técnicos ferroviários da escola tradicional, uma longa série de estudos e cálculos foi feita sobre as tolerâncias da superestrutura existente, empregando o método computacional conhecido como UIC 505, que depois foi incorporado à regulamentação ferroviária oficial. Isso permitiu projetar um vagão ICE com largura generosa de até 3,02 m, na altura do descanso do braço do passageiro e usando paredes laterais convexas, para um comprimento total de 26,4 m.

Uma nova linha dedicada a passageiros

Na década de 70, segundo o professor Jaensch, houve muito debate sobre a eventual necessidade de se construir linhas de TAV dedicadas a passageiros na Alemanha, a exemplo do Japão e França. Prevaleceu o fator econômico, ao se manter o tráfego misto nas novas linhas. Na realidade, entretanto, o TAV de passageiros viaja de dia e os trens de carga à noite, de modo que de fato os dois tipos de tráfego foram segregados.

Prof. Eberhard Jaensch

Com o comissionamento do sistema ICE, entre 1991 e 1993, uma nova linha dedicada a passageiros começou a ser planejada entre Colônia e a região urbana Rhine/Main, com os parâmetros mais rigorosos aplicados até hoje — gradiente de 40%, raio mínimo dos trilhos de 3.350 m com cant de 170 mm, equivalente a uma deficiência em cant de 150 mm quando o TAV se desloca a 300 km/h. Quando a linha entrou em serviço em 2002, os passsageiros do ICE 3 puderam desfrutar de maior conforto em “rodagem” com o uso de laje de concreto como lastro da linha, que possui elevada estabilidade posicional, demanda pouca manutenção e elimina o problema do arraste do lastro tradicional.

Para tracionar um trem com unidade de 400 m e viajar a 300 km/h, a solução clássica seria usar quatro locomotivas, como no TGV francês. Para não sacrificar o espaço dos passageiros, porém, a DB optou por projetar o ICE 3 como uma unidade elétrica múltipla (EMU), inspirando-se no Shinkansen japonês. Possui metade dos eixos motorizados, cuja frenagem normal se vale de um freio elétrico, que gera energia e é devolvida à rede. Caso necessário, o EMU aciona o freio linear de corrente errática, de alta pot&
ecirc;ncia e isento de contato. Ao atingir velocidade normal, os freios de discos fazem a parada final, assim como em situações de emergência.

O ICE 3 cobre os 180 km entre Colônia e Frankfurt am Main no tempo de 63 minutos, com uma parada intermediária no aeroporto desta cidade. Uma outra versão usa o conceito EMU oscilante, que pode viajar em rotas mais curvas a 230 km/h, tendo registrado uma média de 190 km/h no trecho entre Hamburg e Berlim. O ICE 3 recebeu melhorias subsequentes ao participar da expansão das redes de alta velocidade da Espanha, Rússia e China.

O futuro imediato

Considerando a evolução da rede TAV na Alemanha, as linhas da Thalys que vão até Bruxelas e os TGVs da França, a rede europeia em conjunto (mostrada na figura ao lado) representava ainda um quadro heterogêneo em meados de 2011. Faltam medidas e obras para adequar os cruzamentos principais, envolvendo projetos de vulto que vão demorar décadas para se construir. Na Alemanha, a última linha que entrou em serviço foi em 2006, entre Nuremberg e Ingolstadt, projetada para tráfego misto, sendo percorrida por trens das mais variadas velocidades.

A partir de 2007, os trens ICE de alta velocidade chegaram à Bélgica e França, totalizando uma rede acima de 8 mil km, dos quais 1.400 km passíveis de se trafegar a 200 km/h, com potencial de se chegar a 2.000 km em mais alguns anos. A taxa de crescimento do volume de tráfego está em ascensão – no ano de 2010, a frota ICE transportou 23,9 milhões passageiros/km, 66% dos passageiros de longo percurso atendido pela DB. Nas distâncias médias, como Frankfurt-Munique, cujos 420 km são percorridos em 3h15; Frankfurt-Hamburg, 516 km, em 3h35; Frankfurt-Berlim, 577 km, em 4h40, os trens ICE participam com 50% entre todos os modais de transporte pessoal. “Uma bela performance em 20 anos, que vai continuar“, finaliza o professor Jaensch.

Fonte: Revista O Empreiteiro


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