Após Fukushima, só emergentes insistem em novas usinas

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Europa e Estados Unidos submetem suas usinas nucleares atuais a testes de resistência a catástrofes naturais, enquanto a opinião pública mostra crescente oposição (esta matéria foi cedida com exclusividade pela revista ENR-Engineering News Record)

Oacidente, que produziu vazamentos radioativos nas usinas japonesas de Fukushima, provocado pelo terremoto e tsunami subsequente, estancou o movimento que se esboçava para resgatar a energia nuclear como fonte limpa, substituindo o uso crescente do carvão — a maior fonte global de gases carbônicos gerados nas plantas termelétricas.

A China, dona do maior programa de energia nuclear que prevê produzir 80 GW por volta de 2020, iniciou uma revisão dos padrões de segurança. Isso pode afetar a construção em curso de quatro usinas do modelo AP 1000, contratada com a Shaw Group e Westinghouse, e duas outras em fase de projeto por estas empresas, além de duas pela Areva francesa.

A comissão européia, em Bruxelas, que administra a União Europeia, composta por 27 países, ordenou testes de estresse nas usinas nucleares do continente com foco em inundações e terremotos, suprimentos de energia para backup, tipo e idade do reator em operação.

Na Alemanha, sete usinas comissionadas antes de 1980 foram desligadas preventivamente, enquanto o programa de segurança é revisto. Espanha enfrenta protestos pelo fechamento de um antigo reator de 1.092 MW, localizado perto de Valencia.

Na Índia, a energia nuclear enfrenta também protestos de ativistas. O país hoje gera 4.560 MW de usinas nucleares, menos de 3% do total produzido, mas projeta elevar essa participação para 63 mil MW por volta de 2032, atraindo investimentos externos da ordem de US$ 100 bilhões. Os ativistas alegam que o governo vendeu a soberania em troca dos empreendimentos nucleares controlados pelo capital externo. Um dos alvos dos protestos é a usina de Maharashtra, que será a maior do mundo, posicionada numa zona sísmica e sujeita a tsunami, segundo seus opositores.

A Turquia alega que as duas novas usinas previstas são de terceira geração, enquanto que as de Fukushima eram da primeira, cujo projeto já prevê capacidade de resistir a sismos de grau 8 na escala Richter. A Grécia e o Chipre se opõem aos planos da Turquia, herança da rivalidade política regional. Egito, Jordânia e Emirados Árabes também pediram revisão dos projetos em curso.

Israel está repensando sua estratégia de energia nuclear, diante do desastre ocorrido no Japão e por causa de descoberta de depósitos de gás natural offshore, no Mediterrâneo, embora não tenha cancelado os planos de uma nova usina em Negev.

Na América Latina, onde a participação da energia nuclear é pequena, Brasil, Argentina e México possuem usinas em operação e mantêm os seus planos de expansão. Cresce no Brasil a oposição a novas usinas nucleares. Há preferência pelas fontes renováveis como as fazendas eólicas, já que os movimentos verdes também se opõem a novas hidrelétricas na Amazônia. Chile e Venezuela também têm programas para construir a primeira usina nuclear.

Nervosismo da
opinião pública nos EUA

Embora o governo americano tenha ordenado a revisão de segurança de todas as 104 usinas nucleares no país, e as empresas de energia tenham reiterado que as usinas existentes são seguras, a opinião pública continua reticente. Das usinas nucleares em questão 23 têm projeto similar às atingidas pelo tsunami em Fukushima, no Japão, e algumas têm a mesma idade dessas. A própria Califórnia tem em operação e sua zona costeira é atravessada por uma extensa falha geológica da crosta terrestre.

Os analistas acreditam que os projetos atualmente em curso vão continuar, mas a um ritmo lento por causa da opinião pública, tanto nos Estados Unidos como em outros países. Ao final de junho, a Nuclear Regulatory Comission (NRC) americana emitiu um relatório sobre os procedimentos mandatórios para revisar o nível de segurança das usinas do país.

Um grupo ativista chamado Union of Concerned Scientists dos EUA participou de uma audiência no congresso, em março passado, quando seu representante Edwin Lyman declarou que após o acidente na usina de Three Mile Island, em 1979, a NCR reformulou suas normas para fortalecer a fiscalização. Após o acidente de Chernobyl, na Ucrânia, sete anos depois, entretanto, a NCR não tomou nenhuma medida alegando que tal acidente era impossível nos EUA.

Um relatório da UCS, divulgado em março passado, revela 14 incidentes que poderiam ter provocado um acidente em usinas nucleares do país somente em 2010. Dois exemplos citados: a usina de Calvert Cliffs, em Maryland, teve que repor um dispositivo eletrônico obsoleto – com vida útil vencida – que desativou sistemas críticos de segurança; em Diablo Canyon, na Califórnia, em 2009, os operadores constataram durante um teste de rotina que válvulas de segurança estavam inoperantes–responsáveis por bombear água de resfriamento em emergências no núcleo do reator e no vaso de contenção.

Aliás, as usinas nucleares de Diablo Canyon e San Onofre estão próximas de falhas geológicas que podem provocar sismos na Califórnia e iniciaram processo de relicenciamento junto a NCR. A usina de Indian Point, cerca de 60 km de Nova York, está a 1,5 km de uma falha geológica chamada Ramapo. O governo estadual de Nova York é contra o relicenciamento de Indian Point, cujas unidades foram comissionadas em 1974 e 1976 e suas licenças expiram entre 2013 e 2015.

Outra usina, Vermont Yankee, também enfrenta oposição do governo local para continuar funcionando, embora tenha sido relicenciada pela NCR um dia antes do terremoto em Fukushima. Esta usina produz 467 mil MW do total de 627 mil MW gerados no estado de Nova Inglaterra, o que impossibilita sua paralisação.

Analistas da indústria de energia e do setor financeiro acreditam que os projetos em construção poderão sofrer atrasos, se houver alterações para atender a normas reforçadas de segurança. As usinas nucleares em gestação que ainda não foram iniciadas sofrerão extensas revisões em seus projetos, principalmente os empreendimentos comerciais independentes que não estão ligados a empresas estaduais ou regionais de energia, podendo inclusive inviabilizar algumas delas. Em maior ou menor grau, todos serão afetados pelo relatório do NRC.

O que aconteceu em Fukushima?

Greg Hardy, um dos diretores sênior da Simpson Gumpertz & Heger Inc., de Los Angeles (EUA), foi um dos especialistas que estiveram in loco na usina nuclear de Kashiwazaki-Kariwa, da Tecpco-Tokio Electric Power Co., após

o terremoto de 2007, quando a aceleração do solo alcançou 1 g – e sua estrutura ficou intacta e seus sistemas continuaram operando normalmente. A intensidade do sismo foi quase o dobro da verificada em Fukushima, onde medições preliminares apontam entre 0,5 e 0,6 g.

Daí, ele concluiu que o sismo não danificou a usina de Fukushima, mas os estragos foram causados pelo tsunami que se seguiu. A rede japonesa de noticias NHK informou em 21 de marco que a Tepco havia confirmado que o sismo e o tsunami superaram os parâmetros do projeto de engenharia da usina atingida. A Tepco estima que o tsunami que atingiu o sítio da usina chegou a 14 m de altura, contra um parâmetro de projeto de tsunami de 5,7 m. Os reatores nucleares e os sistemas de energia de reserva foram instalados de 10 m a 13 m acima do nível do mar. A engenharia japonesa subestimou as forças da natureza.

Hardy aponta que a análise dos destroços será complexa porque envolve três eventos dinâmicos – o sismo, tsunami e explosões, que geraram impactos diferentes na usina nuclear. Quando todos os elementos estiverem disponíveis, modelos de computador serão empregados para verificar se as vibrações provocaram as falhas elétricas, mecânicas e das tubulações. Esse trabalho levara alguns anos.

Ele sustenta, porém, que as usinas americanas possuem padrões superiores de resistência que as construídas no Japão. Segundo Hardy, é uma prática no país acrescentar uma margem de segurança nos projetos através de uma abordagem probabilística; no Japão, a abordagem é determinística e as margens de segurança são menores.

Mas outros estão preocupados com a idade dos reatores nucleares. Mahammed Ettouney, diretor da Weidlinger Associates, afirma que todas as estruturas degradam-se ao longo do tempo, a exemplo das usinas nucleares com mais de 40 anos no território americano. Ele enfatiza que enquanto as demandas sobre as usinas aumentaram, sua capacidade se degradou. “É a lei da natureza”.

Fonte: Estadão


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