A maior “mentira” apresentada no seriado “13 Dias Longe do Sol” foi a conclusão da perícia (realizada para se detectar relação de causa e efeito entre a ruína da edificação e o cálculo estrutural) em menos de 13 dias, antes mesmo até da conclusão de resgate de vítimas.
Infelizmente, na vida real, a situação é bem distinta. Tragédias como a do Palace 2, ciclovia Tim Maia, viaduto Guararapes (obra realizada em Belo Horizonte por ocasião da Copa do Mundo de 2014) ocorrem e laudos técnicos conclusivos não nos são apresentados. O que é uma pena, pois versões apócrifas são disseminadas e acabam se tornando “verdades”, mesmo entre profissionais do setor. Uma das protagonistas da série, inclusive, imputou à qualidade da areia (famosa no caso do Palace) parte da “culpa” pelo acidente.
Tendo completado cinco anos no último dia 27 de janeiro, a tragédia da boate Kiss em Santa Maria (RS) é o maior exemplo desta inoperância.
Quinto maior incêndio em número de vítimas ocorrido no século 21, até hoje não podemos afirmar com exatidão qual o papel de cada uma das falhas técnicas elencadas na morte das 242 pessoas.
A imprensa elegeu, desde o primeiro momento, a saída de emergência como a principal responsável pela tragédia e, de fato, parece não restar dúvidas que estivesse subdimensionada. Mas, a mim, sempre causou espanto a rapidez com que o fogo se propagou e a quantidade de pessoas desmaiadas, vítimas da fumaça tóxica. Hoje em dia, vários sobreviventes ainda precisam comparecer semanalmente a hospitais para exercitarem os pulmões.
Em 30 de março de 2017 foi sancionada a Lei nº 13425 que estabelece diretrizes gerais sobre medidas de prevenção e combate a incêndio e a desastres em estabelecimentos, edificações e áreas de reunião de público, mas com 14 vetos, o que, ao meu entender, e sem entrar no mérito jurídico, a desfiguraram significativamente.
Dentre os vetos, destaque para os que retiraram do texto as menções feitas à necessidade de observância das normas técnicas da ABNT na elaboração de legislações locais sobre o tema.
A série deixa claro que o responsável técnico pelo empreendimento, embora tivesse qualificação técnica e experiência, movido pela ganância, levou a obra ao ocaso, o que certamente não deve ter sido o motivo da negligência dos donos da boate Kiss, até o momento acusados de homicídio culposo, quando não há intenção de matar. De toda a forma, vamos sempre lamentar que, se tivessem contratado profissionais especializados na confecção dos projetos da boate e executado a obra dentro das normas técnicas, a tragédia provavelmente não teria ocorrido.
Na série, o responsável pela obra opta por morrer enterrado pelos escombros, aguardando voluntariamente no local o colapso final da estrutura. Na vida real, em outubro de 2017, na cidade de Vicente Pires (DF), o responsável pela construção de um prédio morreu de forma parecida, quando correu para o local tentando acudir as consequências de uma falha, que infelizmente deveria ser, e poderia ter sido, evitada com antecedência.
*Artigo de Dionyzio A. M. Klavdianos, engenheiro civil formado pela UnB, diretor técnico da Construtora Itebra, presidente da Comat/Cbic, presidente da Coopercon Brasil, presidente da Coopercon-DF e vice-presidente Administrativo-Financeiro do Sinduscon-DF