Impossível enumerar os contrastes e confrontos brasileiros. Contudo, ousar uma tarefa desse tipo seria uma aventura fascinante. Significaria incursões pela política, economia e por todas as demais atividades, com direito ao desenho do perfil de mil e um personagens, cada um com suas vulnerabilidades humanas ou desumanas. E a tarefa não teria fim.
Uma simples observação nas informações dos jornais diários, ou naquelas que nos chegam via e-mail ou por outras fontes, nos mostram a dimensão de alguns homens públicos, da realidade brasileira e de seus paradoxos. Destes, vamos relacionar apenas alguns.
Aposentadoria vitalícia de governadores. Enquanto o governo sacava do coldre de maldades a arma do fator previdenciário, para justificar o achatamento das aposentarias de quem trabalha a vida toda nos limites de um salário de sobrevivência, ex-governadores recorriam a uma lei inconstitucional para participar do banquete da pensão vitalícia. Até o senador Pedro Simon havia aderido ao rega-bofe. Por sorte, na 25ª hora, quando estava prestes a sentar-se à mesa, recuou estrategicamente. E outros mais, também prevenidos, abstiveram-se do benefício. Por enquanto.
De uma hora para outra, o prefeito Gilberto Kassab – quem diria? – faz sua opção preferencial pelo socialismo. Pretende ingressar no PSB, via criação do PDB, para se garantir politicamente pós-prefeitura. Mas a socialista Luiza Erundina adverte: "Se isso acontecer, não vou mais respirar politicamente no PSB".
Continua o alerta por aí. A nova proposta do Código Florestal Brasileiro, elaborada pelo comunista Aldo Rebelo, é vista como um retrocesso até por ruralistas empedernidos. De quebra, é criticada por pesquisadores da Academia de Ciência e da Sociedade para o Progresso da Ciência (SBPC), que vêem, no texto, sérios riscos às Áreas de Proteção Permanente, como matas à margem de rios e topos de montanhas e às reservas legais. O maior paradoxo, nesse campo, ficou por conta da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), que teria inibido cientistas da própria entidade de participar do debate do referido código.
A Copa do Mundo de 2014, cujos interesses são majoritariamente da iniciativa privada, poderá ter 98,5% dos recursos destinados à montanha dos gastos previstos, bancados por dinheiro público. Pode?
E, por fim, mais um paradoxo: enquanto, por causa da obsolescência de equipamentos, aumento de demanda e carência de investimentos em obras, metrôs, como o de São Paulo, não avançam ou, se avançam, progridem a passo de tartaruga, o governo insiste na construção do trem-bala, estudando flexibilizar as exigências do edital para torná-lo viável. Somos mesmo o país dos contrastes e confrontos. Em especial dos contrastes.
Fonte: Estadão