De novo, as enchentes…Socorro!

Compartilhe esse conteúdo

Uma rotina de omissão e descaso das autoridades expõe os paulistanos às tragédias previsíveis no calendário, ano após ano

Marisa Marega – SP

Desgraça anunciada: 30 pontos de alagamento se repetem ano após ano.Dos 100 locais que mais alagam em São Paulo no período de chuvas é possível ter uma visão clara da repetição dos enchentes em 30 pontos da cidade que parecem nunca ter solução, de acordo com levantamento do Centro de Gerenciamento de Emergências (CGE) da Prefeitura.

Na marginal Tietê, por exemplo, passar embaixo das pontes Cruzeiro do Sul, Bandeiras, Piqueri e Casa Verde em hora de chuva forte é arriscado. Ou a passagem está em pista única ou o local já alagou e ficou intransitável. Isso, porque nos quatro pontos, a pista fica abaixo do nível de cheia do rio. Assim, temos naquela região problemas crônicos. Por quê?

Júlio Cerqueira César Neto, especialista em recursos hídricos do Instituto de Engenharia explica: “ Pelo simples fato de que a calha do rio não tem capacidade para as vazões que normalmente ocorrem nessa época do ano. Mais uma vez São Pedro está fora”.

O engenheiro continua o raciocício: “Em 1998, o Governo do Estado ciente de que as vazões de projeto da calha já eram 25% superiores à sua capacidade, já executada na sua 1ª fase (Edgard de Souza-Cebolão), 40% do total, e em início de execução da 2ª fase (Cebolão-Barragem da Penha), 60% do total, decidiu:Manter as dimensões da calha projetada para a 2ª fase, mesmo 25% superadas e resolver o problema com a construção de 134 piscinões”.

Hoje, passados 12 anos foram construídas 44 daquelas obras, faltam 90. Seguindo o raciocínio da decisão de 1998, fica evidente porque a calha extravasou no dia 10, outras 4 vezes no verão passado, e vai continuar transbordando.De 1998 para cá, a incapacidade da calha se tornou evidentemente muito maior.

Além disso, Cerqueira Cesar conta: “ Após a inauguração da 2ª fase em 2005, a calha praticamente não foi desassoreada, situação que ainda se mantém. Hoje, se a calha estivesse limpa, a sua capacidade atenderia a precipitações com T=10 anos (risco de superação anual 10%). Assoreada como está, o tempo de retorno é da ordem de apenas 5 anos (risco de superação anual 20%).

Provavelmente a calha continuará extravasando porque a construção dos outros 90 piscinões é inviável por absoluta falta de espaço e não se conhece nenhuma alternativa proposta pelo governo do Estado”, explica.

Outra região com pontos críticos e que sistematicamente ficam inundados é a da bacia do Tamanduateí, que passa pelo centro de São Paulo, cidades do ABC e Mauá. O canal principal está todo na Avenida do Estado e do leito mais importante saem os principais afluentes do Ipiranga, Moóca, Oratório, Meninos, Couros e Taboão. A cidade de Mauá, por exemplo, foi a recordista de mortes por deslizamentos e afogamentos nas enchentes em janeiro último: seis óbitos.

A natureza da enchente nessa bacia tem características diferentes. Segundo Cerqueira Cesar : “O problema ali, em termos de capacidade de recepção das águas das chuvas, é o mais crítico da região metropolitana porque o canal do Tamanduateí vai até Mauá, e na foz do Tietê tem vazão de 478 m3 por segundo, quando a vazão do projeto é de 800 m3 por segundo. Isso significa que não há a mínima capacidade de atender às vazões”.

Uma terceira área que provoca enchentes – e completa os 30 pontos que mais alagam na cidade – é a que fica na bacia do Alto Tietê, a montante da barragem da Penha, na zona leste, onde existem seis comportas que quando fechadas protegem as marginais de inundação, mas cujas águas desembocam nos bairros pobres da região. Este é o terceiro foco de constantes cheias. O assessoreamento permitido pela ocupação irregular da área e falta de fiscalização do poder público levam às inundações no Jardim Romano, Jardim Pantanal, Jardim Helena, Vila Itaim e toda aquela parte da zona leste.

O geólogo Agostinho Ogura, pesquisador do Laboratório de Riscos Ambientais do Instituto de Pesquisas Tecnológicas(IPT), menciona que há ainda muito a ser feito para evitar o dilúvio anual que se abate sobre a cidade . “Sob o ponto de vista estrutural, trabalhar com as grandes obras de combate a enchentes e inundações na bacia do Alto Tietê . E, em relação a medidas não-estruturais associadas ao controle do crescimento da urbanização e a ocupação irregular das várzeas ou planícies de inundação,trabalhar de forma a coibir o aumento da impermeabilização dos terrenos e expansão de áreas de risco ribeirinhas. Precisamos também aprender a conviver de forma mais segura com as enchentes e inundações com melhores sistemas de alerta e prevenção.”

Na mesma linha de raciocínio, João Jorge da Costa, coordenador da divisão técnica de engenharia sanitária do Instituto de Engenharia, descreve o processo ocorrido e sugere uma saída: “ A cidade não deveria ter ocupado as várzeas dos rios. Mas aconteceu. Devido à distribuição de renda iníqua, sobra para a população ocupar espaços baratos e sujeitos aos riscos. Os segmentos mais frágeis são as grandes vítimas. Mas a solução , todos sabem, é desocupar as várzeas, porém, o poder público diz que não há dinheiro para isso. O plano diretor da cidade prevê construir o Parque Ecológico Tietê. Então, é preciso ir tirando as pessoas daquela região”.

Ações não podem mais ser postergadas

Todos os especialistas ouvidos para essa reportagem foram unânimes em considerar a remoção imediata das famílias de áreas de alto risco ou muito alto risco como um dos problemas a serem enfrentados no menor espaço de tempo. O geólogo e ex-diretor do IPT, Álvaro Rodrigues Santos, constata: “Além do paradoxo financeiro colocado pelo altíssimo custo de obras de contenção nas dadas condições geológicas e geomorfológicas , é preciso considerar que, frente à instabilidade já natural dos terrenos ocupados e frente às instabilidades induzidas pela própria ocupação (cortes, aterros, lixões, fossas, desorganização da drenagem, etc.), é muito difícil garantir-se um aceitável patamar de segurança via serviços e obras de consolidação geotécnica.

Adicionalmente, resta ainda a dificuldade de evitar-se a progressão das instabilidades induzidas por parte dos próprios moradores. Neste cenário de inseguranças reais fica aberta a possibilidade de ocorrência de acidentes geotécnicos em áreas teoricamente dadas como consolidadas. E nesse caso, pior que a insegurança real é trabalhar-se com a noção de uma falsa segurança. Não é justo submeter os moradores a essas condições”.

No caso da bacia do Alto Tietê, Cerqueira César acredita que é necessário intervir rapidamente no processo de desenvolvimento da bacia enquanto ainda é possível. “ Ainda há tempo, mas a urbanização já deixou a região toda assoreada. É preciso agir pois o controle da bacia tem que ser feito como um todo para garantir futuro à cidade. Para se ter uma ideia, ali há cinco reservatórios de abastecimento de água ( Ponte Nova, Paratitinga, Biritiba Mirim, Jundiaí e Taiaçupeba). Não está se fazendo nada. É hora de agir.”

E para agir, falta mesmo a vontade política, pois tecnologia testada e aprovada já existe. Desde 1980, há mais de 30 anos, portanto, o IPT desenvolve uma série de estudos como conta Agostinho Ogura: “ Nossa atuação envolve estudos sobre ameaças naturais e conhecimento aplicado à prevenção de desastres naturais, como metodologias para o mapeamento de áreas de risco, estudos de chuvas críticas para a deflagração de escorregamentos, planos preventivos de defesa civil, e cursos de treinamento para análise e tomadas de decisão em desastres naturais”. ( Leia matéria específica sobre estudo realizado pelo IPT para a Prefeitura de São Paulo).

Soluções são visíveis até para leigos

Álvaro Santos aponta as obras mais urgentes no curto prazo para minimizar as enchentes:

1. A desimpermeabilização dos espaços urbanos, instalação de pequenos e médios reservatórios domésticos e empresariais de reservação e infiltração, produção de calçadas, valetas, pátios e tubulações drenantes, execução de poços e trincheiras de infiltração, intenso plantio de médios e pequenos bosques florestados e implementação de várias outras medidas de mesmo gênero.

2. Desassoreamento permanente de toda a rede de drenagem natural e construída.

3. Redução máxima do assoreamento das drenagens naturais e construídas através do rigoroso e extensivo combate à erosão nas frentes de expansão urbana, assim como ao lançamento irregular do lixo urbano e do entulho de construção civil.

4. Concepção de um plano de combate às enchentes com articulação a nível metropolitano, que reúna todas as iniciativas e esforços sob diretrizes técnicas e gerenciais comuns.

Além de atacar os problemas acima apontados, ele propõe o slogan:” É preciso parar de errar. Ou seja: é exponencial a exposição de cidadãos brasileiros aos riscos decorrentes dessa absurda ausência do poder público no cumprimento de sua importantíssima função de regulação técnica do uso e ocupação do território.

Com essa definitiva e radical decisão tomada – de que os erros não mais serão cometidos, tem-se à frente a difícil, mas então administrável, tarefa de corrigir o enorme passivo geológico-geotécnico-urbanístico legado por muitas décadas de crescimento urbano espontâneo “.

O arquiteto e urbanista, Jaime Lerner, que por três vezes foi prefeito de Curitiba, diz que não é mais possível culpar as chuvas e as áreas de risco. É hora de agir. Ele complementa o raciocínio com outras observações: “As prioridades após os estragos das chuvas são encontrar um lugar decente para os desabrigados, lugar decente para levar os que ainda se encontram em área de risco e achar áreas dignas, regularizadas, para que essas pessoas possam construir em local seguro. A resistência de desocupar as casas em pontos inseguros se deve ao medo de saque dos pertences. Não existe um seguro de bens que restitua o que foi perdido”.

Para o futuro, ele prevê o sistema de alerta como uma necessidade urgente e a educação como fator determinante: ”As crianças precisam ser treinadas nas escolas para essas situações, assim como acontece em outros países. As pessoas precisam saber para onde se dirigir, ter um seguro de seus bens, para evitar tragédias e facilitar a reconstrução.”

30 pontos de inundações estão há décadas sem soluções da prefeitorua ou do estado

Local

Referencia

Sentido

Sub

Interlagos, Av.

Dagoberto Salles Filho, R. Eng.

C/B

1 AD

Aricanduva, Av.

Baquia, R.

Marg/Iq

2 AF

Aricanduva, Av.

Itaquera, Av.

Marg/Iq

2 AF

Marginal Pinheiros

Pte. Eng. Roberto Rossi Zuccolo

Cb/Int – Local

3 BT

Jorge de Lima, Pç.

Eusébio Matoso, Av.

C/B

3 BT

Alvarenga, R.

Afrânio Peixoto, Av.

Ambos


Compartilhe esse conteúdo

Deixe um comentário