Aquela ideia, que ganhou força depois da escolha do Brasil para sede da Copa de 2014 e do Rio para a Olimpíada de 2016, provocou polêmicas em seminários técnicos e difundiu-se pela sociedade, tentando justificar a prioridade do Trem de Alta Velocidade (TAV) para interligar, em menos de duas horas, a capital fluminense, São Paulo e Campinas, começa a esboroar-se diante dos fatos. Nem sequer é necessário aferir a opinião do povo nas ruas para se saber que a prioridade está em outras obras. <br />Na falta de outros motivos para embasar essa constatação, basta observar as decisões do governo, que tem sido obrigado a fazer sucessivos adiamentos, na expectativa de que grupos interessados elaborem e apresentem suas propostas. Com a nova prorrogação, para fins de julho próximo, naufragou de vez a possibilidade de se contar com o trem-bala para a Copa. Aventa-se a ilusão de que ele poderá ficar pronto para a Olimpíada. <br />Além da incerteza da data, vem aumentando a dúvida quanto aos custos da obra. Em seu otimismo para inglês ver, o governo calcula que a execução do projeto custará R$ 33,1 bilhões. É necessário explicar, porém, que esse valor havia sido calculado lá no começo de 2008, antes de começarem a ser apontadas, com o rigor matemático da engenharia, algumas das dificuldades expostas no projeto, ainda inconcluso, das condições geológicas do traçado. <br />É possível até que o projeto prospere. Desde, no entanto, que o governo atente para a realidade dos custos diante das exigências técnicas inerentes: a implementação dos estudos efetivos do traçado ao longo de 510 km; identificação correta das características e das dificuldades técnicas, considerando que é previsto um número notável de pontes e viadutos e a construção de mais de 100 km de túneis. Recentemente, empresários de obras públicas calcularam que obra desse porte, que vai requerer cuidadoso estudo socioambiental, desapropriações de áreas, medidas compensatórias e montagem e manutenção de canteiros descentralizados, não deverá custar menos de R$ 50 bilhões. <br />A realidade, assim exposta, leva ao questionamento da prioridade do TAV. Nesses dias, um leitor de jornal colocava a questão, simplificadamente, nesses termos: "... não seria melhor usar os R$ 33,1 bilhões na expansão, por exemplo, da Linha Amarela do metrô de SP até ao aeroporto de Guarulhos, e investir em transporte de massa no Rio e em Campinas?"<br />Hoje, consideramos que, mais do que pensar em projeto desse tipo, é preciso cuidar do que é essencial à operação das cidades brasileiras, onde vivem mais de 80% de nossa população. É para essa população, conforme salientamos em matéria publicada em nossa edição de fevereiro último, que devem se voltar as atenções com o legado da Copa do Mundo e da Olimpíada e com as demais obras de infraestrutura, incluindo aquelas previstas para resolver os gargalos nos portos e aeroportos brasileiros. Lembramos ainda da reconstrução das aéreas atingidas por desastres naturais no Rio de Janeiro, Santa Catarina e na região Nordeste. <br />Diante do cenário dessas necessidades, o TAV perde a vez e a sua prioridade é colocada em xeque. Afinal, o País tem obras mais importantes do que esta para construir, inclusive no segmento ferroviário convencional. <br />Estamos destacando, nesta edição, as questões suscitadas com os conflitos surgidos em vários canteiros de obras, em especial em Jirau e Santo Antônio, no rio Madeira, no Estado de Rondônia. É necessário recompor o equilíbrio no relacionamento governo-empresas-trabalhadores, para que obras dessa importância não sofram atrasos comprometedores. Sobretudo, porque os canteiros em questão podem inspirar aqueles que devem ser montados para outras obras, de importância similar, em outros sítios amazônicos. Os consórcios precisam criar mecanismos para se antecipar aos fatos, dentro de uma visão social dos problemas que são inerentes aos grandes contingentes de trabalhadores. É preciso olhar para o homem.<br /> Fonte: Estadão