Uma frase aqui, uma crítica mais adiante, e assim o governo parece inclinado a apertar o cerco ou, ao menos, a criar as condições reduzir o impacto da fiscalização do Tribunal de Contas da União (TCU) sobre as obras em andamento, especialmente aquelas desenvolvidas com investimentos do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). Recentemente o presidente Lula da Silva disse não ser justo "mandar parar uma obra, mesmo quando haja algo errado". E, no recente encontro dos construtores em Brasília, na comemoração dos 50 anos do Sindicato Nacional da Construção Pesada (Sinicon), admitiu: "...a máquina de fiscalização é infinitamente mais poderosa do que a máquina de execução".Mas o problema estaria no resultado da fiscalização? O questionamento é pertinente. Os números que o "máquina de fiscalização" tem exibido parecem não deixar margem a dubiedades. Tanto é, que no ano passado, de um total de 153 obras fiscalizadas, 48 foram reprovadas, várias das quais por conta de irregularidades consideradas graves.As obras do novo aeroporto de Vitória, por exemplo, tiveram até de ser paralisadas. E as da Ferrovia Norte-Sul, com 2.254 km de extensão, têm sido alvo fácil aos olhos do TCU. Elas foram iniciadas depois de uma concorrência julgada equivocada, por conta de uma combinação de preços entre empreiteiras, e continuou apresentando falhas, segundo uma auditoria apurou, até no alinhamento dos dormentes. Sem falar no absurdo principal apontado pelo tribunal: as empresas responsáveis pela construção teriam recebido R$ 308 milhões a mais do que o preço originalmente orçado. Mas as irregularidades não são identificadas apenas nas obras grandes ou médias. Quando o governo ativou a chamada Operação Tapa-buracos, as irregularidades se multiplicaram, comprovando-se que em apenas um dos contratos, o sobrepreço chegou a 117%. E a fiscalização lagrou fraudes até nas obras do Contorno Norte de Foz do Iguaçu, no Paraná.As razões da atuação do TCU são as mais diversas, concentrando-se, no entanto, dentre outros motivos, no sobrepreço, no superfaturamento, na carência de projeto básico, na falta de licenciamento prévio e na falta de previsão de obras suplementares que evitem a interrupção das obras de uma estrada ou de uma leito ferrovia. Compreendemos eventuais decisões do TCU podem ser entendidas como possíveis exageros. Por exemplo: uma obra realizada no Nordeste será inequivocamente diferente de outra obra similar em andamento na região Norte, onde o regime climático, de chuvas abundantes e as dificuldades de logística no transporte de homens, máquinas e equipamentos, constituem equações da maior complexidade. As condições geológicas diferentes do solo parecem ser sempre ignoradas. Mas, exageros à parte, "flexibilizar" a fiscalização seria incorrer em erro muito mais grave do que não se contar com ela, ou se contar com o sistema fiscalizador deficiente. O erro está no início do processo. Começa no edital, elaborado com brechas convenientes, avança no projeto ou na ausência do projeto básico, mas de qualquer modo tocado a golpe de prazo político, e continua no patamar do menor preço, que é a porta aberta para os aditivos posteriores. As maiores vítimas dessa história serão a engenharia, que arcará com a pecha da obra malfeita, e a sociedade, que não contará com uma obra de qualidade e estará lesada no bolso e em seus interesses. Lembremos ainda que existe a garantia prevista por lei, da qualidade da obra - que raramente foi cumprida.O problema do TCU não é o TCU, mas o que se pretende fazer com ele. Os exemplos dos graves prejuízos provocados à sociedade pelo aparelhamento político de órgãos técnicos estão à vista de todos, até mesmo agora, com o que ocorre na Receita Federal. Fonte: Estadão