Enchentes ainda não tem uma solução à vista

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Deslizamento em encostas; casas ruindo; pontes levadas pelas águas; rodovias interrompidas por quedas de barreiras ou rompimento do leito carroçável. Em meio a tudo isso, mais de uma centena de mortos, milhares de desabrigados e a economia comprometida.

Os prejuízos provocados pelas enchentes de novembro/dezembro do ano passado em Santa Catarina, conforme os dados liberados, na época, pela Defesa Civil do Estado, Sindicato da Indústria da Pesca de Itajaí e Federação da Indústria local, levaram inquietação tanto às autoridades e empresários locais e estaduais, quanto às autoridades federais. E não era para menos.

O Porto de Itajaí, apontado como o maior porto pesqueiro do País e o segundo em movimentação de contêineres, ficou com três de suas quatro docas arruinadas e a previsão era de que somente com o investimento da ordem de R$ 300 milhões, seria possível reconstruí-lo. Por conta da paralisação do porto, deixavam de ser exportados mais de R$ 70 milhões/dia em mercadorias, dentre as quais, carne congelada e produtos têxteis.

A indústria têxtil do Vale do Itajaí informou que os empresários desse segmento poderiam estar sofrendo uma perda de faturamento de R$ 136 milhões, em razão da situação de caos. Na indústria pesqueira, deixavam de ser movimentados R$ 7,4 milhões diários. Além disso, o fornecimento de gás no Estado ficou reduzido em dois terços, por causa do rompimento de um duto, do Gasoduto Bolívia-Brasil, em um trecho do vale. Os reparos só puderam ser feitos mais de 20 dias depois.

No que diz respeito à infraestrutura, foi necessária a mobilização de máquinas e de extenso contingente de homens, em frentes simultâneas de trabalho em diversas regiões do Estado, para a recuperação de estradas, pontes e viadutos. Para esse fim, seriam necessários R$ 280 milhões. Enquanto isso, a população procurava se refazer da tragédia em dezenas de municípios, onde suas casas foram destruídas.

Mobilização pela reconstrução
O governador Luiz Henrique da Silveira, procurando interpretar as reivindicações de prefeitos e de moradores da região afetada, destacou que o Estado, mais uma vez, venceria a crise. Ele fez gestões junto ao governo federal para a obtenção dos recursos necessários à reconstrução da infraestrutura danificada. Salientou que, como o orçamento estadual fora elaborado antes da tragédia, ele teria de ser revisto para a inserção dos planos de reconstrução prioritários.

Ele desenhou, como alternativas, algumas propostas: cobrança da dívida ativa, de aproximadamente R$ 5 bilhões, repassando o serviço a bancos; antecipação dos recursos federais do programa de desenvolvimento das empresas catarinenses, o Prodec; o alongamento da dívida do Estado para com o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES); e medidas para evitar cortes de investimentos em segmentos considerados básicos, tais como educação e saúde.

Por sua vez, os prefeitos, em especial dos municípios diretamente afetados pelas cheias, acorreram a Brasília e reivindicaram do governo federal todo o empenho para que obras de reconstrução, incluindo aquelas de redes de drenagem, de abastecimento de água e esgotamento sanitário e construção de viadutos, pontes e restauração de malhas de rodovias estaduais, vicinais e federais, passassem de imediato a condição de prioritárias no Programa de Aceleração do Crescimento (PAC).

Os recursos para a reconstrução

Diante da tragédia e da movimentação do governo do Estado e dos prefeitos, o secretário nacional da Defesa Civil, Roberto Guimarães, já havia garantido a liberação de R$ 360 milhões do Ministério de Integração Nacional para aplicação em obras de infraestrutura e reconstrução das cidades atingidas pelas chuvas.

Na época, o secretário executivo de Justiça e Cidadania do Estado, Justiniano Pedroso, disse à imprensa que do valor de R$ 360 milhões anunciados pelo governo federal, R$ 120 milhões se destinariam a obras de prevenção; R$ 105 milhões para custeio e socorro e R$ 135 milhões para investimento e restabelecimento da normalidade nos municípios.

Anteriormente à tragédia, as obras de infraestrutura que integram o PAC em Santa Catarina estavam para receber R$ 12,1 bilhões até o fim do governo Lula da Silva. Seriam R$ 7,9 bilhões para empreendimentos destinados a beneficiar o Estado, e mais R$ 4,2 bilhões para obras de caráter regional. Dentre as obras então em andamento se incluíam o terminal de passageiros no aeroporto de Florianópolis; a duplicação da BR-101 e a usina hidrelétrica Foz do Chapecó, que teve algumas dificuldades em razão das enchentes, mas que conseguiu superá-las e manter o cronograma dos serviços. Além dessas obras, outros 100 projetos fazem parte do PAC em Santa Catarina nos segmentos de infra-estrutura logística e de energia.

Após a tragédia, alguns planos inseridos no PAC catarinense, em especial no que diz respeito a saneamento e habitação, passaram a ser revistos. Várias das obras de reconstrução começaram a ser analisadas sob a ótica da prioridade.

O Orçamento do Estado de Santa Catarina também ficou de ser revisto a fim de conferir prioridade às obras de reconstrução e normalizar as atividades do Estado. O Orçamento então aprovado previa receita total de todas as fontes dos orçamentos fiscal e da seguridade social da ordem de R$ 12 bilhões: R$ 10,6 bilhões do orçamento fiscal e R$ 1,6 bilhão do orçamento da seguridade social.

No conjunto, o Estado procurou aparelhar-se, do ponto de vista de recursos e de estratégia de planejamento, para se recompor. Para esse fim, a volta à normalidade no Porto de Itajaí (ver matéria nesta edição) será prioritária.

A bacia do Itajaí

A idéia que se tem, analisando-se a recorrência das cheias na bacia do Vale do Itajaí, é de que, enquanto significativas e definitivas obras de engenharia não forem construídas na região, recursos aplicados em obras de reconstrução jamais resultarão em solução permanente. A bacia do Itajaí é a maior da vertente Atlântica do Estado. O maior

rio da região é o Itajaí-Açu, cujos principais tributários são os seguintes: Itajaí do Norte, rio Benedito, Luiz Alves em Ilhota e o rio Itajaí-Mirim.

O vale tem 15.500 km², o equivalente a 16,5% do território catarinense. A bacia do Vale do Itajaí possui 53 municípios, que na época das cheias podem ficar em situação de risco.

Ao longo dos anos, vários têm sido os planos para reduzir o impacto das cheias. Pode-se dizer que várias soluções de engenharia têm sendo examinadas para a região, desde a enchentes de 1880, quando o pico alcançado pelas águas chegou a 17,10 m. Em 1911, as cheias alcançaram o patamar de 16,90 m. Depois disso, cidades que bordejavam o vale foram transferidas para áreas mais altas.

Vieram as cheias de 1957, que alcançaram a marca de 13 m. Novamente houve graves prejuízos para as cidades e lavoura da região e, de novo, se passou a discutir uma solução para o problema. Contudo, passada a tragédia, tudo volta a ser esquecido, até que novo trauma surpreenda a população. Foi o que aconteceu com as inundações de 1983, que causaram danos da ordem de US$ 1,1 bilhão, e com as cheias as de 1984 (pico de 15,46 m).

Os diversos estudos para barrar os efeitos das enchentes no vale não prosperaram. É possível que o projeto mais consistente com essa finalidade tenha sido o que foi realizado entre 1986 e 1990 pela Agência de Cooperação Internacional do Japão (Jica), em parceria com o extinto Departamento Nacional de Obras e Saneamento (DNOS), que previa a retificação e o alargamento da calha do Itajaí-Açu, de modo a facilitar o escoamento das águas mediante a construção de canal artificial de 10 quilômetros ligando a cidade de Itajaí à praia de Navegantes.

Esse projeto seria viável, segundo afirmação do ex-diretor regional do DNOS em Santa Catarina, Afonso Veiga, em depoimento difundido via internet. "Caso o governo do Estado tivesse dado sequência àquele estudo, intitulado Plano Diretor sobre Controle de Enchentes no Vale do Itajaí, a situação não teria chegado ao ponto em que chegou", disse Afonso Veiga. Segundo ele, o projeto propunha também soluções pontuais, como a proteção dos trechos das cidades situadas ao longo do traçado do rio.

Extinto em 1990, o DNOS havia desenvolvido o estudo considerando os diversos eventos históricos do gênero ocorridos desde o começo da ocupação do vale. A parceria com aquela agência justificou-se, na ocasião, porque os japoneses são considerados especialistas em combater esse tipo de ocorrência natural.

Em razão da tragédia recente, um grupo de especialistas, incluindo engenheiros e pesquisadores universitários, dentre os quais professores e técnicos ligados a entidades de preservação do meio ambiente, se posicionaram em favor de medidas para racionalizar a ocupação do solo do Vale do Itajaí.

Eles criticam o desrespeito ao código florestal vigente, dizem que as encostas têm sido ocupadas anarquicamente e à revelia das leis e da natureza e criticam o Código Ambiental, que dias antes da ocorrência fora objeto de audiências públicas na Assembléia Legislativa do Estado. Segundo eles, trata-se de legislação imposta por grupos econômicos interessados e que poderá tornar o território catarinense "ainda mais vulnerável a catástrofes naturais".


Fonte: Estadão


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