O que se colocou para a Klabin, quando o projeto de expansão da unidade Monte Alegre (Projeto MA-1100) foi aprovado em janeiro de 2006 pelo conselho de administração, superou, em muito, a visão que invariavelmente se tem quando um grupo empresarial, por mais consolidado e ousado que seja, tenta fazer mudanças profundas para aumentar a sua capacidade produtiva.
A proposta constituiu, na prática, um desafio: ampliar de 700 mil t/ano para 1,1 milhão de t/ano a produção da unidade, recorrendo-se, para esse fim, a investimentos superiores a R$ 2,2 bilhões. A mudança teria um significado internacional: a empresa passaria a integrar o grupo dos seis maiores fabricantes globais de cartões de fibras virgens. A unidade de Telêmaco Borba é a maior do grupo e a maior da América Latina nesse segmento.
Mas, como fazer a expansão? Quando se pensa em expandir uma planta industrial comumente se adota o pensamento simplista de que será suficiente ampliar fisicamente o espaço construído para a agregação de novos equipamentos. Como se esse movimento não implicasse – como ocorreu no caso da Klabin – operações às vezes inéditas e complexas de engenharia civil e montagens mecânicas.
A ampliação da unidade compreende um conjunto de obras que evoluíram a partir de estruturas antigas, exigiram capacitação de contingentes de trabalhadores e a busca de uma nova identidade visual, uma vez que a renovação tinha em perspectiva a marca da empresa no passado e a manutenção do que ela continuaria a ser no futuro, depois de 70 anos de funcionamento. Em especial, o plano para o aumento da produção requeria a aquisição e instalação de uma nova máquina de papel-cartão que deveria operar em novo edifício de 283 m de comprimento cuja nave principal que abriga a máquina, tem 26,70 m de largura e 26,20 m de altura.
As obras se desenvolveriam sob a atenção da cidade que nasceu e cresceu ao pé da fábrica e que atualmente possui 65 mil habitantes. Hoje, ela não lembra mais a cidadezinha que ali começou a vicejar há quatro décadas, no meio das florestas da indústria Klabin. Tem vida própria, comércio próspero, rede de ensino, hotéis novos e um ritmo econômico, no geral, influenciado pela empresa que no pico das obras chegou a contratar 7,5 mil trabalhadores. Os cuidados da empresa com o meio ambiente ajudam a manter a qualidade de vida local.
Uma questão de planejamento
Os trabalhos de engenharia civil e montagem mecânica não deveriam representar qualquer redução ou outro qualquer tipo de comprometimento para a capacidade produtiva já instalada. Em razão dessas coordenadas, como conciliar as múltiplas interfaces, em um empreendimento localizado num platô entre dois rios – portanto com limitações naturais – e que no fundo mexeria com toda a estrutura em funcionamento? Além disso, havia o fator prazo: a nova unidade deveria estar completamente concluída em 24 meses.
O diretor do Projeto MA 1100, Francisco Razzolini, diz que o empreendimento, apesar de sua amplitude, desenvolveu-se com tranqüilidade em todas fases, isso se deve basicamente a uma coisa: planejamento cuidadoso.
O projeto vinha sendo estudado há mais de dois anos antes de ser aprovado. Engenheiros da fábrica e pessoal com formação e capacitação em diversas áreas, trabalharam no detalhamento. E, quando o projeto recebeu o aval do conselho de administração, foi montada uma equipe de gerenciamento que deveria dedicar-se de corpo inteiro ao andamento aos trabalhos.
A equipe foi subdividida em grupos com tarefas voltadas para os serviços de engenharia civil, montagem mecânica, instalação de equipamentos, operação com celulose, papel e utilidades. Ela acercou-se de pessoal habilitado e com formação em engenharia elétrica, automação industrial e em outros segmentos e apoiou-se na área jurídica e na controladoria financeira.
“Eu, como diretor do projeto, junto com o diretor da planta e o gerente geral das obras, e mais cinco gerentes, e contando com pessoal capacitado em outros níveis, coordenamos as áreas. Ao todo, tínhamos 90 pessoas na equipe gerenciando esse projeto, cuidando da infra-estrutura, da convivência do nosso pessoal com a comunidade local e proporcionando soluções rápidas a cada complexidade que aparecesse, a fim de que nada interrompesse o fluxo das atividades”, informa Razzolini.
A Klabin construiu dois alojamentos com capacidade para 1.500 lugares cada um e fez com que todas as normas de segurança fossem rigorosamente obedecidas. No pico da obra havia em canteiro 7,5 mil trabalhadores. No geral, a média era de 4,5 mil trabalhadores, 25% dos quais contratados na própria cidade. Telêmaco Borba absorveu muito desse pessoal – engenheiros, outros técnicos e operários.
Mais de 100 ônibus transportavam esse contingente e quatro restaurantes foram mantidos em operação para atendê-lo. Ao todo, 22 mil trabalhadores passaram pela obra, produzindo um resultado financeiro muito importante para a vida da cidade.
Agora que aquela fase passou, Razzolini recorda: “Começamos a entrega a obra de expansão por etapas. A máquina, a grande máquina de papel-cartão começou a operar em outubro do ano passado. Agora em fevereiro entregamos o turbogerador instalado para aumentar a auto-suficiência energética da unidade e, em março, entregaremos a grande caldeira de biomassa, que fecha o circuito do projeto.”
Empresa assumiu as obras civis
Quando se decidiu pela execução do projeto, a equipe dividiu-o em 21 pacotes e iniciou as contratações segundo a modalidade da Engineering Procurement and Construction (EPC). A exceção a esse tipo de contrato ficou para as obras civis.
É que a Klabin resolveu assumir os trabalhos de engenharia civil e gerenciar, ela própria, a contratação das empreiteiras. Optou pela Serpal (prédio da máquina, compreendendo o maior volume de obras civis); pela Cesbe (terraplenagem – movimentou cerca de 800 mil m³ de terra para alocar o prédio principal e preparou as áreas de depósito de papel, encarregando-se também de reformas e da instalação da planta destinada à produção de fibra de eucalipto pelo processo Chemi-Thermo Mechanical Pulp (CTMP) e das obras civis das caldeiras de recuperação e de biomassa; e pela Camargo Corrêa, que se encarregou de dez áreas destinadas à expansão do pátio de madeira, forno de cal, reforma de gestor de celulose e branqueamento, planta de dióxido de cloro, calcificação, evaporação e tratamento de efluentes.
A área da fábrica, desde os seus primórdios, ocupa o platô situado na confluência dos rios Tibagi e Harmonia, a uma altura de 60 m da lâmina d´água. Por causa dessa limitação natural, houve dificuldades de espaço e de acesso ao canteiro. Para a construção do prédio principal e considerando-se também do cronograma, adotou-se a tecnologia dos pré-moldado
s produzidos in loco e dos pré-moldados em área adjacente.
Dentre as obras, a que mais se destaca é a do prédio da máquina de papel-cartão. Mas há outras que também avultam pelo porte e pela singularidade dos equipamentos que estão abrigando e que mereceram trabalho cuidadoso na fase de montagem mecânica. Um desses equipamentos é o tambor descascador das toras de madeira de 5,5 m diâmetro por 35 m de comprimento. Concebido como uma grande peça metálica, foi construído na Estônia e transportado, de navio, daquele país, até o porto de Paranaguá, de onde foi levado à unidade de Monte Alegre em carreta especial e obedecendo a um estudo de logística específico para não receber nenhum dano e não causar transtornos durante o transporte.
Outro equipamento dessa ordem é o turbogerador, que pesa 220 t. A turbina foi fabricada na Simens, em Jundiaí-SP e, o gerador, importado da Alemanha. As duas peças exigiram também um trabalho de logística apurado do transporte até sua instalação na fábrica.
Pré-moldados no prédio principal
É possível que a maior estrutura da Klabin – o prédio que abriga a máquina de papel que amplia a capacidade de produção da empresa – seja a primeira do gênero no País, com aquela finalidade e naquela dimensão – 283 m de comprimento – construída com peças pré-moldadas. Ela se apóia em fundação direta do tipo tubulões a céu aberto encamisados em 60% da área onde houve troca de solo e com sapatas diretas no restante da área anteriormente ocupada por estruturas antigas, algumas das quais executadas no local nos primórdios da fábrica.
O engenheiro José Roberto Ferraz Lopes, diretor da LPM Engenharia (contratada pela Klabin para o desenvolvimento do projeto da estrutura), ressalta que efetivamente a concepção que levou em conta uma construção totalmente pré-moldada contribuiu para que o cronograma fosse cumprido, de modo a se atender, em conseqüência, ao prazo da montagem mecânica.
Ele disse que, em razão do comprimento da obra, cuidou-se de dividi-la em sete trechos de 32 a 3 42 m de extensão cada um, para efeito construtivo. Enquanto pilares, vigas e lajes eram pré-moldados em área adjacente para transporte, içamento e posicionamento definitivo, a estrutura destinada ao suporte do peso da máquina era moldada in loco. “Os pilares tinham em média 0,5 m x 1,2 m com praticamente 30 m de altura, com vigas vencendo vãos de até 12 m. Eles eram içados com cerca de 70% da viga já concretada, procedendo-se posteriormente a uma concretagem de solidarização.”
A estrutura moldada no local destinada ao track da máquina tem dimensões expressivas: pilares de até 3,3 m de comprimento por 0,8 m de largura, incluindo vigas com 1,6 m de altura, em média. Lajes pré-fabricadas só foram utilizadas no piso e na cobertura das chamadas “salas elétricas”. A cobertura foi executada com estrutura metálica e telhas duplas de alumínio, zipadas, dobradas na obra.
O engenheiro Hideraldo Antônio Cordeiro de Souza, da Serpal, informa que o desenvolvimento do projeto estrutural com o uso da consolidação da estrutura após a montagem, mostrou o acerto da opção pela tecnologia dos pré-moldados. Especialmente considerando-se o prazo de aproximadamente 14 meses para a execução simultânea da estrutura pré-moldada, montagem mecânica e acabamentos. “Ali, a metodologia adotada” – diz ele – “permitiu a otimização de prazo, mão-de-obra e qualidade, possibilitando uma menor exposição ao risco, no quesito segurança”.
O avanço da construção desse edifício, segundo essa modalidade construtiva – montagem dos pilares pré-moldados, montagem das vigas de travamento, das vigas da ponte rolante e a cobertura – era considerado decisivo para a montagem mecânica. Tanto assim que essa obra específica, iniciada no dia 8 de julho de 2006, permitiu que a ponte rolante já fosse montada a partir do dia 15 de novembro seguinte, e que a montagem mecânica fosse iniciada em janeiro deste ano. Tudo, portanto, dentro das previsões do planejamento de que falou o diretor do projeto, Francisco Razzolini.
Segundo a Serpal, alguns quantitativos ajudam a mostrar a dimensão do edifício da maquina: 26.000 m² de área construída; 29.800 m³ de concreto; 5.500 m³ de pré-moldados e 3.500 t de aço. Nos trabalhos foram utilizados guindastes de 80 a 250 t e uma plataforma de 15 a 32 m de altura.
O papel da arquitetura
O papel da arquitetura está na visibilidade. Ela resgata a história da fábrica de Telêmaco Borba e confere-lhe identidade visual. O arquiteto Paulo Brazil (Paulo Brazil e Sant´Anna Arquitetos Associados) e equipe – Virgínia Valdetaro, Marco Antônio D´elia e Lucas Avenoso – estudaram os antecedentes da planta, concluindo que, diferentemente de outras indústrias do gênero, já na fase pioneira de seu funcionamento, ela demonstrava que, em sua concepção, buscou-se a preservação do meio ambiente.
Em especial nos últimos 20 anos, a indústria aumentou sua capacidade produtiva, agregando inovações e trabalhadores e estimulando o crescimento da cidade que lhe proporcionava suporte logístico. Atuando com responsabilidade no manejo do eucalipto e do pinheiro, ela deflagrou um processo para manter a qualidade da fauna e da flora locais.
Procurado na fase do projeto de expansão, a fim de desenhar uma identidade visual para a empresa, Paulo Brazil verificou que a indústria não poderia mais crescer como se fora uma grande colagem. Na estrutura anterior, os prédios diversos se vinculavam um ao outro tendo em conta o atendimento da produção, mas desconectados do ponto de vista de uma identidade de conjunto. Com autonomia para realizar o seu trabalho, o arquiteto buscou um desenho que simultaneamente a uma idéia de unificação, desse também uma idéia de história. O presente, não poderia significar a marginalização do passado.
Hoje, quem observe, de perto ou longe, o conjunto das edificações, vê que ela expressa uma conotação de homogeneidade, ressaltada pelas cores prata e verde – verde intenso das matas do entorno. É o resultado de um projeto que o arquiteto começou a fazer em 2005. O único corpo diferente nessa identidade visual é a sala de controle, um contraponto no conjunto. Os fechamentos laterais do prédio principal foram engenhosamente tratados com telhas e painéis, brises e aberturas para criar um interior humanizado.
O arquiteto ressalta, dentre as providências da empresa em respeito ao meio ambiente, o processo de integração da unidade com o entorno, sobretudo com a água. Grandes filtros e cuidados adicionais evitam propagação de odores. E atenção especial é dirigida para a manutenção e conservação das matas ciliares. Enfim, conforme diz Paulo Brazil, a empresa apostou na expansão, mas es
tá conservando e preservando o ambiente que lhe fornece a matéria-prima de sua prosperidade.
Fonte: Estadão