Estação Antártida Halley resiste a ventos de 160 km/h e a temperatura de -55ºC

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Instalações ainda oferecem condições de habitabilidade aos pesquisadores durante os três meses de total escuridão no Polo Sul

Este projeto foi vencedor do certame “Projeto Global do Ano”, da revista ENR – Engineering News-Record, dos Estados Unidos, parceira editorial da revista O Enpreiteiro. A instalação é a sexta construída pela entidade BAS – British Antartic Survey desde que começaram as pesquisas no Polo Sul em 1956, ao custo de US$ 42 milhões. Para resistir ao ambiente mais inóspito na superfície da Terra, a estação Halley VI usou componentes construtivos empregados em outros setores industriais, ampla pré-fabricação no processo, e teve uma programação meticulosamente planejada. Ainda assim sua implantação levou quase uma década, devido ao período extremamente curto de construção na Antártida e as dificuldades de acesso.
 

Um adágio antigo de muita sabedoria diz: “Um mês gasto no planejamento adequado de um projeto vai economizar um ano de prazo no final dele”. No Polo Sul, isso é absolutamente verdadeiro, diz John Hammerton, diretor da Galliford Try, a empreiteira britânica contratada para construir a estação, que mede 1510 m2. “Concentramos todos os esforços na etapa prévia de planejamento e projeto, a fim de que no final a montagem ocorresse sem problemas”.

A BAS lançou o projeto da estação em 2004 por meio de um concurso internacional, visando abordagens inovadoras no projeto e na tecnologia construtiva, que teve 86 participantes de todo o mundo. A diretora de comunicação da BAS, Linda Capper, afirma que a qualidade das propostas apresentadas mostrava que o desafio havia incendiado a imaginação dos projetistas e arquitetos interessados.

Após um ano de avaliação das propostas, que incluiu a viagem de três finalistas até o local na Antártida para finalizar seus projetos, a BAS escolheu a proposta da AECOM de Londres em parceria com Hugh Broughton Architects. Localizada sobre a região chamada Brunt Ice Shelf, que tem 150 m de espessura de gelo, onde cai 1,5 m de neve todo ano, a estação fica posicionada a 4 m de altura sobre pernas de 580 mm de diâmetro. São sete módulos revestidos de azul, com 152 m2 cada, que abriga os dormitórios, plantas de energia e climatização e os laboratórios científicos, e um módulo vermelho, de 479 m2, destinado a refeições e atividades de lazer. 

Os módulos estão alinhados como um trem e são interligados um ao outro com conexões flexíveis, inspiradas nas usadas entre vagões ferroviários. Ao posicionar no sentido perpendicular o “trem” de 188 m de comprimento, em relação aos ventos predominantes, a neve deixa de se acumular em baixo da estrutura, que tem um perfil aerodinâmico. Caso contrário, a estação ficaria soterrada ao final do inverno.

O conforto no interior dos módulos é uma condição essencial para a longa permanência

A Halley VI tem um mecanismo para ganhar altura. Um técnico pode elevar hidraulicamente cada uma das quatro pernas telescópicas de cada módulo. A seguir, um trator de esteiras no solo empurra e compacta a neve, criando uma base mais alta de apoio para a perna quando baixada. Após elevar os apoios de todos os módulos, a estação toda é elevada por macacos hidráulicos, até à sua altura final, de 4 m. O processo todo pode ser feito em seis dias.

A estação V anterior teve de ser desativada por causa de suas fundações fixas. Como um glacial, esta formação de gelo pode se deslocar mais de 400 m todo ano em direção ao mar, o que deixou finalmente a estação perto de um barranco. Para que esta situação não se repita, as pernas do Harley VI são equipadas com esquis. Se necessário, os módulos são desconectados um do outro e são rebocados por tratores para local seguro, onde podem ser reconectados.

Os esquis medem 3,9 m de comprimento e 1,1 m de largura e funcionam como fundações. Foram fabricados na Alemanha com um perfil preciso em “V” achatado e borda arredondada frontal, para reduzir a resistência ao atrito se o módulo for rebocado. Este pesa de 60 t a 200 t. A aderência entre a superfície do gelo e o esqui é tão alta, que os módulos nunca se deslocaram com a carga dos ventos.

A mobilidade dos módulos já foi testada. A montagem final foi feita perto da estação antiga Halley V, que foi aproveitada como alojamento dos trabalhadores envolvidos. Depois de prontos, os módulos foram rebocados por cerca de 16 km até sua posição definitiva. A vida projetada da nova estação é de 20 anos, mas sua mobilidade e concepção modular podem estender sua vida útil para o dobro disso ou mais. 

As estruturas metálicas espaciais dos módulos foram fabricadas com aço de alta dutilidade, para prevenir fraturas com temperaturas abaixo de zero. Os azuis, de alojamento, medem 19 m de comprimento e 9,5 m de largura, e o vermelho tem 28 m de comprimento e 11,5 m de largura. As equipes de obras tiveram de trabalhar numa “janela” de 10 a 12 semanas cada ano no local, por causa de condições climáticas perigosas e dificuldades de acesso, além do alto custo de manutenção do pessoal na Antártida.

Trazer os módulos inteiros já prontos seria a solução ideal, mas as placas de gelo que se formam no mar têm somente 1 m de espessura em média e pouca resistência a pesos pontuais — o limite é de 6 t mais 3,5 t para o esqui. Os conjuntos, como banheiros, dormitórios, geradores e painéis de controle, foram pré-montados ao máximo na Cidade do Cabo, na África do Sul, para acelerar a montagem final sobre o gelo. Dois módulos foram montados por completo ali e algumas inconsistências puderam ser corrigidas antes do embarque ao Polo Sul.

Até a conclusão, em fevereiro de 2013, a empreiteira trabalhou por 250 mil homens/hora sem acidentes sérios, graças a um planejamento meticuloso das etapas e ao treinamento do pessoal sobre riscos extraordinários, como a prevenção da cegueira provocada pelo reflexo da luz na neve. Um acidente grave obrigaria a uma complexa evacuação do trabalhador para a África do Sul.

Esquemas dos módulos vermelho (para lazer e refeições) e azul (com dormitórios e laboratórios para pesquisa)

Todas as estruturas na Antártida, incluindo a Harley VI, obedecem a rigorosas restrições ambientais. Descarga de sanitário a vácuo e sistemas de drenagem semelhantes aos utilizados em aviões e navios ajudam a reduzir o consumo de água em 50%, na comparação com a estação anterior. Isso economiza energia, porque a água é produzida derretendo-se o gelo. Uma ETE também semelhante às de navios gera água limpa por meio de biorreator de membrana e desinfecção por raios UV. A lama seca é incinerada e o calor, recuperado. Esses processos reduziram a equipe de manutenção em dez funcionários e proporcionou 26% de economia no consumo de energia.

O revestimento externo dos módulos, chamado R65, é formado por 23 cm de uma espuma isolante de poli-isocianurato, como recheio de painéis de plástico reforçado por fibra de vidro . A equipe residente na Harley VI pediu janelas amplas, que foram inspiradas pela indústria aeroespacial. No módulo vermelho de uso social, com dois andares, há uma janela ampla com vidro duplo preenchido por aerogel, que minimiza a transferência de calor e maximiza a luz no verão. Outros espaços possuem janelas com vidros triplos com espaçadores.

Houve preocupação em criar um ambiente que lembre um hotel, diz o arquiteto Broughton, com efeitos de luzes e cores para contrabalançar os efeitos desagradáveis durante os meses de escuridão total, 24 horas por dia, quando os pesquisadores permanecem dentro da estação o tempo todo. Há toques sofisticados, como o acabamento de madeira no interior, feito com cedro do Líbano, porque exala um perfume familiar.

De alguma maneira, o projeto lembra mais uma máquina do que uma edificação. “Seu custo é incomum, mas é como se fosse um monoposto de corrida de Fórmula 1, em que as inovações acabam por chegar ao grande público, ao longo do tempo e com a produção em massa”, diz o arquiteto Broughton, cujo escritório foi responsável pelo projeto arquitetônico inclusive dos interiores.

Fonte: Revista O Empreiteiro


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