A extraordinária popularidade do presidente Lula da Silva não se revelou suficiente para empurrar Dilma Rousseff à vitória no primeiro turno. Pelo meio do caminho ela encontrou obstáculos verdes e alguns tucanos ou pássaros diferentes que resolveram não considerar a vitória como favas contadas. O choque do contraditório talvez venha a se manifestar no embate que dará continuidade à reapresentação das plataformas políticas dos dois candidatos. Quem sabe, agora, eles passarão a confiar mais nos programas que definirão as linhas de governo de cada um e menos nas características políticas e pessoais que os distinguem. Um eleitor da FSP, em carta muito inteligente, diz que de hoje até o dia 31 próximo, José Serra terá que, em suas orações diárias, evocar e agradecer as duas grandes santas, Erenice Guerra e Marina Silva, pela nova chance que lhe é colocada nas mãos. Mas não só isso. Tanto ele quanto Dilma têm de reconhecer que, para vencer uma eleição, em um país de tantos desequilíbrios, precisam ir além do da linha demarcatória fixada pelos marqueteiros. E muito além.
Cola para votar?
Em passado recente, não seria necessário garimpar, entre candidatos, aqueles em que iríamos votar. Grande parte dos eleitores sabia de cor e salteado os nomes de seus candidatos a qualquer cargo eletivo. Hoje, não. Antes de sair de casa para votar, é necessário consultar a relação dos candidatos, avaliar seu passado político, colocá-los numa peneira, extrair o que resta, quando resta.
A mediocridade nivelou-os por baixo. E, quando eles se manifestam, pela televisão ou outro meio, vemos que a mensagem que conseguem passar ao público invariavelmente é a mesma. Não há mudanças substanciais a distingui-los. Vamos votar, sim, mas levando no bolso, cuidadosamente anotados, depois de um moroso trabalho de seleção, os nomes que talvez mereçam o voto popular. A isso chegamos.
Redescobrimento de bairros paulistanos
Leio que está em curso um estudo para identificação de imóveis antigos, sepultados pela evolução imobiliária, no Largo da Batata e em seu entorno, em Pinheiros. O trabalho, de responsabilidade do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), já teria descoberto uma vila no estilo das missões na Rua Bruno Simoni, com casas térreas da década de 1940. E chegara até ao prédio que abriga a Superintendência de Controle de Endemias, na Rua Cardeal Arcoverde, que preserva estilo variado.
Estou convencido de que estudo dessa natureza encontrará muito mais coisas, na medida em que mergulhe nos subterrâneos históricos da cidade. E, não somente em Pinheiros, mas em diversos outros bairros que já foram ou continuam a ser devorados pela especulação imobiliária. São Paulo, sendo uma cidade que se reconstrói a cada minuto, a cada piscar de olho, vai enterrando, no caminho de seu progresso, valores e enigmas de um passado que aos poucos pode se tornar objeto de futuras descobertas arqueológicas.
Às vezes, uma simples tarefa de limpeza da face urbana já muda o quadro de uma rua ou de uma praça. Quando começou a ser aplicada, aqui, a chamada Lei Cidade Limpa, que recompunha a eventual originalidade das fachadas, foi muito grande o número de edificações, de imediato, redescobertas. Não se imaginava que tantas relíquias históricas, resultantes de trabalhos arquitetônicos ao longo do tempo, pudessem estar sob toneladas de entulhos publicitários.
O Iphan bem que poderia, a partir do trabalho no Largo da Batata, dar continuidade à redescoberta da cidade que o progresso vai enterrando.
Fonte: Estadão