Sim, há um problema em Belo Monte. Cada sítio selecionado para a construção de uma usina hidrelétrica apresenta problemas peculiares, alguns mais peculiares do que outros. Mas o que se observa ali, na volta grande do rio Xingu e adjacências, tem uma dimensão humana a distingui-lo dos demais.
Não me refiro aos problemas técnicos previsíveis. As construtoras brasileiras aprenderam a fazer hidrelétricas nos regimes hidrológicos mais adversos e na adversidade maior que a geologia apresente. Têm prática em arregimentar e qualificar mão de obra para as obras civis e montagens eletromecânicas, e pode-se dizer que não estão alheias às questões da selva. Convivem com ela desde os tempos de Rondon. Até sabem dos estragos que as intervenções, sem estudos prévios, podem ali provocar. E sabem mais: que muitos dos responsáveis por algumas dessas intervenções deveriam se ajoelhar para pedir perdão à floresta pelos males que lhes têm sido feitos.
O problema também não é dinheiro. Quando o governo quer fazer uma obra, seja ela qual for, e o período eleitoral dá o sinal favorável, ele será capaz de arrostar quaisquer dificuldades.
Recursos, nessa fase pós-leilão, não vão faltar. O BNDES está colocando a mão no bolso para liberar perto de R$ 14 bilhões em crédito subsidiado com prazo a perder de vista e com juros lá embaixo, na barra das calças: 4% ao ano. Além disso, os responsáveis pela obra poderão recorrer ao capital das empresas estatais e aos fundos de pensão.
Apesar de todas essas dificuldades, um problema continua. E diz respeito ao povo do Xingu. Se, de um lado, há os interessados na construção da obra, de outro, há os que a questionam mostrando opções diferentes. Mas há necessidade de se discutir o que fazer com o povo do Xingu.
Os índios ainda não foram convencidos de que devem ficar nas regiões ribeirinhas, como espectadores, vendo, de braços cruzados, as máquinas avançarem selva adentro para movimentar a terra, colocar árvores no chão e mexer no regime das águas. E, pior ainda: muita gente, além dos índios, também não está convencida. O governo teve mais de 20 anos para buscar esse convencimento. Hoje, está evidente que não teve capacidade para conquistar aquele povo para a sua causa. Há, portanto, um problema em Belo Monte.
Orlando Fassoni
Faleceu anteontem, em São Paulo (SP), um dos críticos de cinema mais criterioso que conheci: Orlando Lopes Fassoni, nascido em Marília, interior paulista. Foi crítico rigoroso durante a vida toda, jamais se inclinando para alguma concessão, fosse ela qual fosse. Um jornalista de texto primoroso e uma figura humana singular.
Fonte: Estadão