Histórias da infraestrutura brasileira

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Texto extraído do livro DOIS BRASIS: O QUE A INFRAESTRUTURA ESTÁ MUDANDO, editado com o apoio do Sindicato Nacional da Indústria da Construção Pesada (Sinicon), como parte do programa comemorativo de 50 anos de atividades

Nildo Carlos Oliveira

Foram várias e difíceis as etapas que levaram engenheiros brasileiros a dominar a técnica de projetar e construir obras de infraestrutura.
Uma das obras marcantes, com registro nos anos 1850, de uma das etapas de assimilação técnica foi aquela em que se deu a construção da Estrada de Ferro Mauá. Ela contou com a participação dos ingleses William Bragge, Roberto Milligan e William Ginty. Depois, veio a fase da estrada de rodagem União Indústria, de 144 quilômetros, ligando Petrópolis a Juiz de Fora. Iniciativa do Comendador
Mariano Procópio Ferreira Lage, a estrada tinha traçado arrojado, muitas obras de arte e leito revestido de pedra britada. Engenheiros franceses estiveram à frente desse empreendimento.
A Estrada da Graciosa, atual PR-410, que utiliza a antiga rota dos tropeiros ligando Curitiba a Antonina e Morretes, e progride pelo trecho mais bem conservado da Mata Atlântica, constitui outra experiência igualmente significativa. A exemplo desta estrada, a maior parte da malha rodoviária brasileira foi sendo construída e modernizada, a partir do traçado original das antigas trilhas de tropeiros.
A ampliação do incipiente mapa rodoviário – e ferroviário – de que se dispunha, refletia as condições de evolução urbana e industrial da época e foi se atualizando com o crescimento de algumas cidades, sobretudo o Rio de Janeiro, sede da Corte e, depois, Capital Federal.
A melhoria das condições rodoviárias resultava do interesse, maior ou menor, dos grandes proprietários rurais ou dos empresários do comércio e da indústria.
Contudo, a etapa decisiva viria a registrar-se na década de 1940, quando foi criada a Companhia Siderúrgica Nacional (CSN) em Volta Redonda (RJ). Nessa época, a engenharia brasileira, direcionada para a montagem da infraestrutura, passaria a ser exercida predominantemente por técnicos nacionais e com equipamentos, materiais e insumos, em sua maior parte, também nacionais.

Da tração animal à mecanização

O trabalho era duro, como alguns engenheiros antigos ainda se recordam. E as documentações fotográficas,em livros e jornais mostram a realidade da época. Carroças puxadas à tração animal eram utilizadas nas tarefas de construção das rodovias. Cortes e aterros revelam a precariedade da mão-de-obra, numa fase em que a mecanização apenas engatinhava. Além disso, não se contava com o suporte técnico de pesquisas geológicas e geotécnicas. E foi assim que o País começou a construir suas estradas. As máquinas, que dariam velocidade e aprimoramentos a esse trabalho, ainda eram – no início da década de 1940 – apenas uma grande novidade.
Quando se fala em rodovias, alguns nomes, dentre dezenas, centenas de outros, sobressaem. Mas não há mesmo como deixar de colocar em destaque o nome do engenheiro Maurício Joppert, que havia sido vice-presidente do Clube de Engenharia do Rio de Janeiro.
Nomeado ministro de Viação e Obras Públicas no curtíssimo período em que José Linhares assumiu o governo, com a deposição de Getúlio Vargas, em outubro de 1945, ele ajudaria a mudar o panorama rodoviário brasileiro.
De 29 de outubro de 1945 a 31 de janeiro de 1946, Joppert desenvolveu uma série de iniciativas reclamadas pelo crescimento do País: conseguiu dar autonomia administrativa e financeira ao Departamento Nacional de Estradas de Rodagem (DNER), hoje Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (DNIT); formar a comissão, presidida pelo engenheiro Francisco Saturnino Braga, que elaborou um programa quinquenal de construção de rodovias federais segundo o Plano Rodoviário Nacional (PRN) promulgado por Getúlio em 1944, e elaborar o decreto-lei 8.463 que, mesmo antes de ser aprovado, foi batizado com o nome de seu autor, tornando-se conhecido até hoje como Lei Joppert. Essa lei criou o Fundo Rodoviário Nacional (FRN).
O PRN, sancionado pelo decreto 15.093 de 20 de março de 1944, previa 27 linhas principais distribuídas em seis rodovias longitudinais, 15 transversais e seis ligações, totalizando 35.574 quilômetros e recebendo uma nomenclatura que consistia no símbolo BR.
O Fundo Rodoviário Nacional (FRN) dava retaguarda financeira ao PRN. Previa receita proveniente da arrecadação do Imposto Único Federal incidente sobre combustíveis e lubrificantes especificamente para obras rodoviárias, assim distribuída: 40% para o DNER e os 60% restantes para os Estados e municípios. Assegurava, com essa vinculação de recursos, um programa contínuo de implementação das obras de construção da malha rodoviária federal então disponível.
O programa de construção de estradas posto em prática pelo DNER permitiu abrir ligações e acessos interligando regiões e estimulando o crescimento urbano de núcleos dispersos no território nacional. Alguns exemplos: construção das rodovias Porto Alegre-São Leopoldo,
Curitiba-Lages e Feira de Santana-Salvador; a estrada Rio-Bahia, que existia a partir de 1927, mas tão-somente como um simulacro da estrada que seria feita na década de 1940; construção das ligações Anápolis-Corumbá; Itaipava-Teresópolis; a variante Rio de Janeiro-Petrópolis e a ligação Petrolina-Juazeiro.
A Rio-São Paulo, que mais tarde seria batizada com o nome do Presidente Dutra, configurou-se definitivamente a partir do esboço de um traçado existente desde 1724 e que evoluíra para um perfil de estrada em 1928, na presidência de Washington Luís. Mas, de seus 508 quilômetros, apenas oito eram pavimentados. Com os benefícios da Lei Joppert, ela ganharia duas pistas pavimentadas com lajes de concreto armado entre a avenida Brasil, no Rio, e a Garganta da Viúva Graça, onde aproveitava a subida da Serra das Araras.
Retificada em razão disso, foi encurtada em 101 quilômetros, passando a chamar-se via Dutra, depois que o presidente Eurico Gaspar Dutra a inaugurou em 1951.
Na época houve a pavimentação do trecho Rio-Belo Horizonte, cujo segmento inicial, entre o Rio de Janeiro e Juiz de Fora, constituíra a primeira rodovia do País. Tratava-se da União Indústria, cuja modernização seria iniciada em 1928 com a construção da variante Rio de Janeiro-Petrópolis.
A construção da rodovia que ligaria o Rio de Janeiro a Porto Alegre prosseguiu com as obras nos trechos São Paulo-Curitiba e Curitiba – Lages.
O trecho de Porto Alegre – Caxias fora concluído anteriormente. No projeto da São Paulo-Curitiba, batizada com o nome do engenheiro Régis Bittencourt, já teria sido possível o emprego da aerofotogrametria.
Outras mudanças no mapa rodoviário brasileiro ocorreriam no governo desenvolvimentista de Juscelino Kubitschek

(1956-1961), cujo Plano de Metas previa a construção, em cinco anos, de pelo menos 10 mil quilômetros de rodovias. Ele acabou construindo 8 mil quilômetros a mais do que o previsto. Entre as obras feitas no período se incluem os grandes eixos Belém-Brasília, com 2.200 quilômetros; Brasília-Fortaleza, com 1.800 quilômetros; Brasília-Belo Horizonte, com 2.200 quilômetros; e Brasília-Anápolis e Brasília-Acre, com 3.110 quilômetros.
Construir essas obras, em meio às condições geográficas, climáticas e logísticas as mais adversas, era um enorme desafio. O exemplo mais difundido dessas dificuldades é ilustrado com o feito de Bernardo Sayão, à frente da Rodobrás. A ele coube administrar a construção da Belém-Brasília. Com um perfil desabrido e pioneiro, ele aceitou o convite de Juscelino para tocar a obra. O trabalho, que mobilizou 11 construtoras e mais de 1.200 homens, foi dividido em duas frentes: uma que saiu da região de Anápolis e, outra, de Belém. As dificuldades com os poucos recursos técnicos, acrescidas do desconhecimento da região amazônica, levaram os dois grupos a se desviarem vários quilômetros do traçado. Eles acabaram se encontrando depois de levantamento aéreo com helicópteros e rádios de comunicação.
Na década de 1970, no ciclo do regime militar, outras rodovias cruzaram o País: a Transamazônica, com cerca 2.600 quilômetros, ligando João Pessoa, na Paraíba, a Lábrea, no Amazonas; a Manaus-Porto Velho, com 874 quilômetros de extensão; e a Cuiabá-Porto Velho, com 1.469 quilômetros.
Seriam experiências que, mais tarde, viriam a ser aproveitadas em outras obras, quando já podiam ser utilizadas técnicas modernas, agregando máquinas e equipamentos sofisticados; métodos de escavação e estabilização de túneis e de consolidação de maciços, que demandariam mapeamento geológico e geotécnico e outros recursos resultantes da evolução da engenharia.
São Paulo, com a Imigrantes, e Rio de Janeiro, com a ponte Rio-Niterói, se tornariam Estados detentores de obras ícones e de reconhecimento internacional em seu gênero.
Em São Paulo, dentre as rodovias existentes, tais como a Castello Branco, a Rodovia dos Trabalhadores, e as melhorias e construção do sistema Anhanguera-Bandeirantes, a obra que assumiria, de maneira mais ampla e pela acumulação de soluções técnicas avançadas, destaque maior, seria a Rodovia dos Imigrantes.
Fazer uma sucessão muito grande de túneis e viadutos no maciço instável da serra do Mar e atravessar a área de mangue na Baixada Santista, onde não havia capacidade de suporte para o pavimento, foram as principais dificuldades técnicas superadas na construção da pista ascendente, inaugurada em 1976. As experiências ali obtidas se espelhariam, mais adiante, com os aperfeiçoamentos e inovações inerentes, na construção da segunda pista (descendente), concluída em dezembro de 2002.

Fonte: Estadão


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