Infraestrutura lembra Brasil de 30 anos atrás

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Augusto Diniz*

Falta de telefone público, cidades com transporte precário, centro urbano ocupado por camelôs, estradas sinuosas e mal conservadas, rodoviárias modestíssimas, insegurança constante. Esse é o ambiente na África do Sul para um viajante comum que percorre aquele país — esqueça os que vão à África em pacotes turísticos caríssimos com transporte em trens de luxo, safaris cercados de guias e passeios em monumentos, museus e praias com todo o conforto.

O cenário lembra o Brasil de 30 anos atrás — apesar do muito que ainda precisa ser feito por aqui, progredimos em vários aspectos e serve de alento quando olhamos de perto a África do Sul. Nada disso, porém, significa apontar o país africano como o fim do mundo. Mas explica várias questões colocadas na realização do megaevento, como o número de turistas aquém do esperado, a subutilização dos estádios pós-Copa e o pouco investimento feito em infraestrutura para o Mundial em um país com graves problemas sociais para resolver. São lições, inclusive, que devemos aproveitar, a despeito de termos avançado mais do que os sul-africanos nos últimos tempos.

O aeroporto de Johanesburgo destoa de tudo que se vê no País. Moderno e bem equipado, cresceu apoiado não somente no desenvolvimento da África do Sul, mas também pelo fato de ter se tornado hub de voos para todo o continente. Fora dos limites do terminal as dificuldades começam.

Taxis não circulam pelas ruas da principal cidade sul-africana. É preciso chamá-los para ser atendido. Inúmeras vans ocupam as ruas levando passageiros do jeito que conhecemos por aqui: motoristas e “cobradores” gritam para as pessoas na rua os destinos da rota em veículos caquéticos e pouco confiáveis.

O metrô de Johanesburgo não é recomendável devido à falta de segurança. O centro da cidade é bastante movimentado, mas a noite é entregue a todo tipo de risco, como ser assaltado – nada muito diferente do centro de São Paulo, aliás.

Em todos os hotéis que fiquei na África do Sul, era sempre avisado de não voltar ou sair a pé depois que o sol baixasse. Em Johanesburgo, me hospedei em um albergue que a maior atração à noite era ficar conversando com outros turistas no próprio local. O dono do estabelecimento perguntava em alto e bom som toda a vez que alguém indagava no fim do dia por algum lugar para ir: “Você tem certeza que irá sair?”

Não à toa, quando assistia pela televisão daqui do Brasil jogadores em dias de folga antes e durante a Copa da África do Sul visitando shopping centers, havia uma explicação simples para isso: por falta de opção por conta da insegurança, a escolha que restava era ir aos centros de comércio cercados de seguranças privados (de novo, mais uma cena parecida com a nossa). As grades em portas no comércio de rua também denunciam o clima de violência – como em alguns lugares no Brasil, que para comprar um remédio, por exemplo, faz-se o pedido da calçada e paga-se enfiando a mão em vãos de grades de ferro.

No entanto, vale ressaltar que essa paranóia era bem mais amena em cidades como Rustenburg, Port Elizabeth, Cidade do Cabo e Bloemfontain.

As estradas da África do Sul, principalmente no entorno de Johanesburgo, estavam em obras se preparando para o Mundial de futebol. O trânsito que já era caótico na maior cidade sul-africana, ficava ainda pior. Mas eu não tinha motivos para reclamar. Afinal, quem já não correu o risco de perder um voo em Guarulhos depois de encarar congestionamentos gigantescos na Marginal Tietê e também no início da Dutra ou da Carvalho Pinto, ambas rodovias de acesso ao principal aeroporto brasileiro? Provavelmente as obras sul-africanas eram para amenizar gargalos de anos.

Os ônibus interestaduais na África do Sul são tão bons quantos os nossos daqui. Em um país onde o transporte rodoviário predomina absoluto, isso também não nos espanta – você já viu como melhorou os ônibus que fazem a ponte rodoviária Rio-São Paulo? Com tanto conforto na poltrona e mais um lanchinho para comer na viagem, tem muita gente que já deixou de lado o caro e ruim serviço da ponte-aérea mais importante do Brasil.

Mais é só sair das cidades mais famosas da África do Sul que a infraestrutura vai ao chão em um piscar de olhos. Em Polokwane, a poucos quilômetros da complicada fronteira sul-africana com o Zimbabwe – onde a todo tempo centenas de pessoas tentam atravessar a pé a fronteira em busca de trabalho no eldorado africano, gerando inevitáveis conflitos -, o ônibus encerra a longa viagem em uma baia qualquer na calçada em meio a dezenas de camelôs. Enfim, esqueça conhecer um terminal rodoviário em uma cidade que recebeu jogos do Mundial.

Em mais uma cidade sul-africana conheci a fundo a simplicidade daquela gente, em meio aos problemas. Em um velho taxi, eu, o motorista e seu primo percorremos uns 200 km rumo a capital do safári, a cidade de Nelspruit. A preocupação dos novos companheiros era me deixar sã e salvo em um hotel no local. Em meio a brincadeiras, vi nos olhos deles aquilo que Sérgio Buarque de Holanda tão bem definiu o povo brasileiro: somos cordiais.

A viagem segue agora pelo belíssimo litoral sul-africano, como Durban e a enigmática Jeffrey’s Bay. Chegamos a Cidade do Cabo, a Barra da Tijuca da África do Sul. Exemplo da disparidade social que assola aquele país (e a nós aqui também), vê-se carrões nas ruas, restaurantes de primeira linha, casas monumentais devidamente erguidas sobre pedras a beira-mar, edifícios luxuosos, gente bonita, sorridentes pessoas como se próximo dali não tivesse uma mísera pessoa passando necessidade. Foi para lá que o pessoal correu para se hospedar na Copa do Mundo, indo às outras cidades somente para assistir as partidas de interesse. Ah, sim, será na Barra da Tijuca que a maioria dos equipamentos olímpicos serão montados para receber os Jogos do Rio em 2016.

Sobre os nove estádios do País que teve partidas do Mundial, no geral, um fato me chamou a atenção quando os visitei: a falta de transporte público eficiente próximo, já que mobilidade é essencial para o sucesso de um empreendimento desse porte.

O Brasil ainda tem muitas semelhanças com a África do Sul, apesar de nosso crescimento. Os megaeventos que vem por aí provarão isso.

*Augusto Diniz, redator da revista O Empreiteiro, percorreu de ônibus, em janeiro de 2010, cerca de 5 mil km, durante 18 dias, para conhecer as nove cidades-sede da Copa do Mundo da África do Sul.

Fonte: Estadão


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