A matéria de Joseph Young, alicerçada em dados da revista The Economist, mostrando que nem sempre os grandes projetos de irrigação proporcionam o retorno desejado, confirma, de certo modo, alguns estudos brasileiros no mesmo sentido. Grandes projetos podem até ser rentáveis, mas não resolvem o problema de exclusão social de populações onde eles são implementados. O Brasil dispõe, em seu território, de 8% de toda a reserva de água doce do mundo. Cerca de 80% desse volume estão na região amazônica. Já os 20% restantes destinam-se ao abastecimento das áreas onde vivem 95% da população e 60% das águas fluviais (grandes rios e pequenos cursos) são captadas para irrigação. Os métodos de irrigação e as culturas regionais revelam práticas diferentes quanto ao uso da água. Historicamente vem sendo defendido o uso racional da água tanto para irrigação quanto para a produção de energia elétrica e abastecimento e saneamento. O crescimento populacional no mundo se dá de maneira extremamente acelerada, o que impõe a contrapartida da produção, maior, de alimentos. Como a irrigação é responsável por isso, o uso da água tende a crescer, determinando o estabelecimento de critérios em sua gestão a fim de que os projetos de irrigação ou para outras finalidades sejam considerados do ponto de vista do uso múltiplo, levando-se em conta as condições sociais, econômicas e ambientais em que eles sejam implantados. O território brasileiro, segundo estimativa recente, possui cerca de 16.100.000 hectares com potencial para o uso de irrigação em terras altas. Nos últimos anos são explorados aproximadamente 2.870.000 hectares. Considerando esses números, o cálculo é de que a irrigação tem consumido cerca de 33.777.297.000 m³/ano, de água. No Nordeste, em razão da seca, chamam a atenção, com freqüência, os programas de irrigação ali praticados. Invariavelmente esses programas são vistos como opções concretas de desenvolvimento regional, o que nem sempre acontece. O que caracteriza a seca na região, segundo estudos do pesquisador João Suassuna, da Fundação Joaquim Nabuco, não é o volume de chuvas que caem, mas sua distribuição irregular sobre as áreas de incidência. Além desse aspecto relativo à irregularidade, há outros dois que dizem respeito à geologia local: as bacias sedimentares e o escudo cristalino. Nas bacias sedimentares, o solo apresenta alta capacidade de infiltração, baixo escorrimento superficial e boa drenagem natural, possibilitando bom suprimento de água de boa qualidade no lençol freático. Já no chamado escudo cristalino, o solo é raso, tem baixa capacidade de infiltração e reduzida margem de drenagem natural. Nesse caso, a pouca quantidade de água permanece armazenada no fundo. Além desses aspectos, a região do semi-árido nordestino tem características diferenciadas: nos locais onde a água é de boa qualidade, o acesso é difícil. O pequeno agricultor raramente conta com algum recurso para obter equipamentos que aliviem o custo de horas trabalhadas em programa de irrigação. Já para obter a água nos sítios onde ocorre o chamado “escudo cristalino”, o produto, embora de mais fácil acesso, é de má qualidade (salobra). A água disponível é muito afetada pela salinização. Essas limitações são importantes na elaboração de programas que tenham em vista o zoneamento conforme o tipo de cultivo a ser realizado Está presente, ainda, na exposição contra ou a favor dos grandes projetos de irrigação, as advertências inseridas em estudos de Celso Furtado, de que a agricultura brasileira tem um viés de destruição. “Na verdade”, disse ele, “este país não foi construído. Foi montado a partir de destruições”. E sobre a irrigação propriamente dita, sobretudo aquela praticada no semi-árido do Nordeste, considera: “Ela tem de ser feita dentro de um contexto maior, porque sabemos que, se for feita para concentrar renda, o problema social fica de pé”. É que, segundo o pensamento do mestre da economia brasileira, se a irrigação for orientada para a fruticultura de exportação e a produção de vinho, não ajudará a resolver o problema da produção de alimentos, uma exigência cada vez maior das populações daqui e do mundo.
O relatório da ONU
O relatório de Desenvolvimento Humano do (IDH), do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud), de 2006, que acaba de ser divulgado, destaca a urgência da racionalização do uso da água para vários fins. Isso esbarra, no entanto, em um obstáculo quase instransponível: a falta de vontade política dos poderosos do mundo. O estudo adianta que entramos no século 21 com um déficit muito grande do consumo de água por habitante. Para cada cinco habitantes de países em desenvolvimento, um não tem qualquer possibilidade de acesso à água potável. Há 1,1 bilhão de pessoas nessa situação humilhante. Uma crise que aumenta quando se revela que 2,6 bilhões de pessoas, nesses países, não contam com saneamento básico. Como mais de 660 milhões de pessoas, sem saneamento, vivem com apenas 2 ou até 4 dólares ao dia – e, portanto, são os mais pobres – a vontade política para resolver o problema não prospera. O documento da ONU defende a necessidade do emprego de US$ 10 bilhões/ano para que os países cumpram até 2015 os chamados Objetivos do Milênio. Trata-se do programa que incorpora o Plano de Ação Global a ser executado pelo G8 (grupo dos sete países mais ricos do mundo, ao qual se junta a Rússia). Os técnicos que ajudaram a elaborar o relatório enfatizam o que todos sabem: o mundo conta com alta tecnologia nos campos da ciência e da engenharia, em todos os segmentos. No entanto, sem vontade política para resolver problemas cruciais na captação, tratamento e disponibilidade da água para a melhoria da saúde, no mundo, a capacidade da engenharia e de outros campos científicos, com esse fim, fica imobilizada ou simplesmente passa a não existir.
Fonte: Estadão