A intrigante disparidade entre o que a arquitetura e a engenharia brasileira já realizaram – é o que vemos nos terminais aeroportuários do Pais, com raras exceções
Joseph Young
Na medida em que o transporte aéreo adquiriu o glamour e a proeminência econômica e social – foi nos tempos da Pan Am e da Varig —, os aeroportos seguiram a mesma tendência. Eles ganharam o status de símbolo daquelas cidades que os sediavam e até do País.
Nova York, Paris e Londres talvez tenham sido os pioneiros mais conhecidos desse fenômeno. O famoso terminal da TWA, do arquiteto Eero Saarinen, no aeroporto John F. Kennedy-JFK, de Nova York, comissionado em 1962, é reverenciado até hoje. Desativado, está em processo de restauração e pode se transformar em um hotel boutique. Atrás desse ícone da arquitetura americana, a JetBlue construiu o novo terminal 5, que foi inaugurado em 2008. Mais de 46 milhões de passageiros passam pelos sete terminais do JFK todo ano, que contam com monotrilho conectado a linhas de trens, metrô e ônibus. Seu primeiro voo comercial ocorreu em 1948.
Charles de Gaulle-CDG, em Paris, não ficou atrás com seu novo terminal 2F cujos espaços parecem “naves espaciais”, com vãos enormes erguidos em concreto protendido. O aeroporto se estende por 32 km² e foi reaberto em março de 1974, apos 8 anos de obras de expansão. Em setembro passado, 60 milhões de viajantes utilizaram suas dependências.
O arquiteto principal do complexo foi Paul Andreu, cujo Terminal 1 surpreendeu com um projeto modernista — o edifício central, circular, de 10 andares, tem no seu entorno sete terminais satélites, operando quatro portões cada. CDG é conhecido também por seu layout algo confuso, onde os três terminais oficiais se multiplicaram em nove — o terminal 2, inicialmente projetado para Air France, acabou se desdobrando em sete terminais alojados em edifícios independentes, onde operam numerosas linhas aéreas. O acesso por terra a CDG é rápido pelo metro normal, RER (trem), e duas linhas de ônibus privadas concorrentes, além do trem rápido TGV.
Heathrow, a 25 km de Londres, é o segundo aeroporto mais movimentado do mundo, com 67 milhões de passageiros ao ano e 90 linhas aéreas baseadas nele. Foi herdado da força aérea britânica ao fim da II Guerra Mundial e começou a operar em janeiro de 1946, com terminais mobiliados com poltronas de estampa florida e mesinhas decoradas com flores naturais. Para embarcar nos aviões, os passageiros chegavam pelos passadiços de madeira apoiados sobre chão de terra.
Hoje, Heathrow opera quatro terminais, interligados por trens no subsolo e ônibus para os passageiros em conexão. O terminal 2, após 60 anos de uso, está sendo demolido e o novo edifício, cujo projeto inicial foi concebido pelo escritório de arquitetura Foster+Partners, lembra, em algo, o estilo espetacular das arenas esportivas do parque olímpico 2012, em Londres, com janelas de 10 m de altura e luz natural abundante. O terminal 5, inaugurado em 2008, conclui este ano um edifício satélite com doze posições para aeronaves. Está em curso um programa de modernização ao custo de 4,8 bilhões de libras, cuja etapa principal são os sistemas de manuseio de bagagem. O aeroporto já recebe a nova geração de jumbos A380 e sua operação foi confiada a um concessionário privado.
Dois aeroportos concluídos recentemente também se sobressaem pelo projeto arquitetônico. Em Beijing, o novo terminal 3 do aeroporto internacional projetado também pelo escritório Foster+Partners foi inaugurado antes da abertura da Olimpíada na capital chinesa e recebeu 73 milhões de passageiros em 2010. Seu projeto se inspira nas tradições chinesas — a forma de dragão alado do terminal 3, com sua cobertura aerodinâmica e o predomínio da cor vermelha nos elementos do edifício.
Em Nova Delhi, na Índia, o aeroporto Indira Gandhi, ao atingir 16 milhões de passageiros/ano, decidiu construir o novo terminal T3, elevando a capacidade para 34 milhões de passageiros. De projeto futurista, decorado com motivos indianos, foi construído num prazo recorde de 37 meses — contra 60 meses dos terminais T5 de Heathrow e T3 de Beijing. O edifício tem nove níveis e dois píeres de 1,2 km cada e 78 pontes para embarque — incluindo três para aeronaves tipo A380. O empreendimento foi executado através de uma parceria público-privada entre agência aeroportuária da Índia, o grupo indiano de infraestrutura GMR e a empresa de aeroportos MAHB da Malásia, com prazo de 30 anos, prorrogável por igual período.
Agora que a Infraero deverá colocar em licitação, em janeiro de 2012, as ampliações dos aeroportos de Guarulhos, Viracopos e Brasília em regime de concessão, surge uma rara oportunidade de renovação arquitetônica. Bastaria incluir no edital que o futuro concessionário se obrigaria a realizar um concurso nacional de arquitetura, em conjunto com o IAB, para a escolha do projeto arquitetônico dos novos terminais. Mas aí vai se alegar que o prazo para a Copa do Mundo 2014 não permite mais delongas. De qualquer modo, vale lembrar que eventos esportivos passam e as obras ficam.
Temos certeza de que os arquitetos brasileiros surpreenderão o mundo. Entretanto, fica aqui a alerta de que além do número compatível de posições de check-in, esteiras de bagagem, pontes, finger, estacionamento para aeronaves, postos da Policia Federal para inspeção de passaportes, alfândega, estacionamento para carros etc. — funções prioritárias que precisam ser consideradas antes de se pensar nas lojas tipo shopping — não devem ser esquecido os prosaicos sanitários.
Estes precisam ser suficientemente espaçosos e comportar um número de posições para evitar filas de usuários — é constrangedor ter que esperar para fazer uma necessidade física – e climatização reforçada para eliminar os vapores orgânicos.
Paranóia de viajante frequente? Pode ser. Mas sanitários espaçosos e limpos não existem na prática do universo aeroportuário brasileir
o, bem como ligação por trem ou metrô o aeroporto ao centro da cidade, serviço de vans para concorrer com taxi — como em Nova York — e mais concessionários na operação de restaurantes, para melhorar a qualidade e os preços. Aqui também aparece o problema de gestão — não basta ter instalações modernas, se os serviços terceirizados não funcionam, como o da limpeza (sistemática) dos sanitários e o recolhimento dos carrinhos de malas abandonados nas calçadas e no estacionamento.
Fonte: Estadão