O modelo que o País vinha seguindo, no período áureo da primeira fase da Eletrobrás, acabou se esgotando. A crise fiscal do Estado, iniciada em meados dos anos 1980, impediu que o governo desse prosseguimento aos projetos de geração previstos no plano de expansão da empresa. O jeito, caso ele quisesse garantir investimentos tanto para o segmento de energia elétrica, quanto para outros, da área da infraestrutura, era estabelecer parcerias com a iniciativa privada. Veio, então, a etapa das concessões e privatizações. Como resultado dessa iniciativa, houve uma disseminação das chamadas PCHs – as pequenas centrais hidrelétricas – simultaneamente aos estudos para o incremento de outras obras.
Foi ainda nesse contexto que em 2004 o governo criou a Empresa de Pesquisa Energética (EPE), vinculada ao Ministério de Minas e Energia, destinada a realizar estudos e projeções da matriz energética brasileira; identificar e quantificar os potenciais de recursos energéticos; dar suporte e participar das articulações para o aproveitamento energético de rios compartilhados com países limítrofes; obter a licença prévia ambiental e a declaração de disponibilidade hídrica necessárias às licenças; e elaborar planos de expansão de geração e transmissão de energia elétrica.
O fato é que, apesar da limitação da capacidade de investimentos do Estado, o crescimento brasileiro não poderia ficar atrofiado. Em razão disso, um novo ciclo de obras hidrelétricas está começando. E o exemplo maior, nesse caso, são os aproveitamentos hidrelétricos de Santo Antônio e Jirau, no rio Madeira. As duas usinas, que exigirão investimentos da ordem de 20 bilhões de reais e 28 bilhões de reais, vão acrescentar 6.450 MW à capacidade instalada no País.
Além desses aproveitamentos, há gestões para a construção da usina de Belo Monte, no rio Xingu, e para tirar do papel os projetos das usinas do Complexo Tapajós, cujo inventário prevê inicialmente a construção de cinco usinas, com capacidade instalada total de 10.682 MW.
Um ícone em cada região
O caminho da infraestrutura brasileira passaria ainda por outras expressivas obras de engenharia nos segmentos de saneamento, metrôs, obras de arte especiais, ferrovias e plantas industriais, em especial nas áreas de petróleo, gás e siderurgia.
No segmento do saneamento duas obras, em especial, se tornaram clássicas: o Sistema Cantareira, o maior construído em São Paulo para captação, adução, tratamento e distribuição de água potável, e cuja maior dificuldade técnica foi a transposição da Serra da Cantareira (a casa de máquinas está instalada a 60 metros abaixo da superfície do terreno, sendo acessível por um túnel em rampa); e a Estação de Tratamento do rio Guandu, no Rio de Janeiro.
Os estudos e anteprojetos da Estação de Tratamento de Água (ETA) do Guandu começaram a ser elaborados em 1950. Na primeira etapa, em 1955, a linha de abastecimento da adutora estendeu-se até Engenho Novo. Para levar a água até a zona sul, através da adutora Guandu-Leblon, foi necessário escavar um túnel com 6,5 m² de seção e 7,3 quilômetros de extensão. Contudo, houve necessidade de uma segunda adutora para implementar o suprimento da cidade com mais 28 mil l/s. Isso exigiu a construção da estação elevatória de Lameirão, em caverna de 15 metros de largura e 84 metros de comprimento.
Quanto aos metrôs, foi notável a experiência das obras na cidade de São Paulo, notadamente na fase pioneira da Linha Norte-Sul. A escavação no subsolo, em áreas densamente urbanizadas, trouxe uma inovação até então inédita no País: o uso do shield, o simulacro de uma broca gigante que operava rasgando a terra e deixando o túnel praticamente concluído. Essa experiência foi utilizada nas demais linhas e, hoje, aperfeiçoada, do ponto de vista de equipamento mais sofisticado, avança na Linha 4 (Amarela).
No Rio, a construção do metrô requereu cuidados do ponto de vista de contenção de paredes de galeria, mediante a construção de paredes-diafragma. Os cuidados tinham duas razões prioritárias: preservar edifícios históricos da época da Colônia e outros bens culturais e permitir a manutenção das atividades de rotina ao longo do traçado.
No caso das obras de arte especiais vão aqui alguns exemplos:
A ponte Rio-Niterói, com 14,32 quilômetros de extensão, tem altura mínima de 60 metros para permitir a passagem de navios de grande porte, e altura máxima de 72 metros acima do nível do mar para garantir a segurança das operações de pouso e decolagem dos aviões no Aeroporto Santos Dumont. É dividida em 11 trechos e combina várias técnicas construtivas, incluindo o emprego de concreto protendido, grandes peças pré-moldadas e viga-caixão metálica sobre o canal principal de navegação.
A ponte Colombo Salles, correspondente à segunda ligação de Florianópolis (SC) ao continente. A primeira ligação é a ponte Hercílio Luz, construída em 1926 e que tem marcado a feição histórica daquela capital.
E não há como deixar de fazer referência à ponte da Amizade, entre o Brasil e o Paraguai, sobre o rio Paraná, com 298 metros de vão livre. O arco de concreto armado que a caracteriza foi considerado o maior do mundo, nesse gênero.
Sobressaem também a ponte Ulysses Guimarães, que dá acesso à Rodovia dos Bandeirantes, permitindo o tráfego a toda a região das avenidas marginais do Tietê, em São Paulo; a ponte de Guaíra, com 3.598,60 metros, ligando Guaíra a Novo Mundo, no Mato Grosso do Sul; a ponte Juscelino Kubitschek, sobre o lago Paranoá, em Brasília; a ponte sobre o rio Guamá, com 1.976,8 metros de extensão, integrando o anel viário de Belém (PA), e a ponte estaiada "Octávio Frias de Oliveira", que se transformou em nova referência na capital paulista. Além dessas, registraram-se no período obras urbanas de grande importância para o sistema viário de várias capital, com destaque para o Rio de Janeiro: o Elevado do Joá, o Túnel Rebouças, a Linha Vermelha e, em seguida, a Linha Amarela.
A Ferrovia Carajás, que marcou profundamente a engenharia ferroviária na década de 1980, favoreceu a região em sua área de influência; as plantas siderúrgicas no Maranhão, Pará e, sobretudo, no pólo de Minas Gerais, e o Gasoduto Bolívia-Brasil, são outros ícones que mostram o estágio a que chegou a infraestrutura brasileira.
A esperança da continuidade
Há a esperança da continuidade. A realidade econômica a exige. As circunstâncias que explicam as obras do passado e aquelas que se fazem necessári
as, hoje, são diferentes. Naquela etapa que veio do Tenentismo, passando pelo Estado Novo, a 2ª Guerra Mundial, a industrialização na era Vargas, o desenvolvimentismo de JK e o ciclo dos governos militares, o País caminhava para a construção de sua infraestrutura e a modernização do que já existia. Ele abria caminhos, buscava concentrar forças a partir de seu interior – o chamado Brasil profundo – para dar suporte à industrialização e ao processo rápido, acelerado, da urbanização. Com isso, a engenharia voltada para as obras pesadas cresceu e a indústria da construção civil expandiu as cidades.
Atualmente estão em andamento os projetos – e, em alguns casos, as obras – em várias vertentes. O governo colocou em prática a ampliação da BR-101, em especial o trecho de Natal a Recife, que avançará até Alagoas e prevê as obras, em seguida, no trecho Bahia-Espírito Santo. Embora, ainda timidamente, há um avanço nas ferrovias Transnordestina e na Norte-Sul; em São Paulo prosseguem as obras do Rodoanel e aquelas do conjunto viário Complexo Anhanguera; prosseguem obras de metrôs em São Paulo, Rio e em outras capitais; e estão sendo construídas diversas obras de arte, dentre elas, a ponte estaiada de 3.600 metros sobre o rio Negro, uma antiga reivindicação do povo amazonense nas duas margens do rio. O governo procura avançar com o Programa Nacional de Dragagem, para atualizar a capacidade operacional dos portos brasileiros e quer melhorar os aeroportos, muitos dos quais já não atendem à demanda.
A Copa de 2014 pode ser um teste fatal, se não forem adotadas providências urgentes.
O conceito de infraestrutura, antes estreitamente amarrado à ideia de obras públicas, evoluiu muito: a infraestrutura consolida a economia; é essencial para a movimentação das pessoas e veiculação da cultura; é ponto-chave para a saúde e para a aquisição e circulação da riqueza. Se antes se dizia, conforme o verso de Dante – "É o amor que move o sol e os outros astros" – o mesmo se pode dizer, atualmente, do papel da infraestrutura na condição da vida urbana, rural e nos valores dos povos.
*O livro Dois Brasis, O que a infraestrutura está mudando foi publicado pela Eolis Produções Culturais
Os dias melhores chegaram
Lenice Rodrigues, 51 anos, viúva e mãe de três filhos, precisou esperar para realizar o sonho de viver em um lugar digno, longe do medo das chuvas e constantes alagamentos. Na nova casa, no Conjunto Habitacional Cidadão VI, na zona norte de Manaus, moram Lenice, a neta Emmily Vitória, de cinco anos, e o filho Mário Jefferson, 24, pai de Emmily.
Encurtando distâncias
O técnico em mecânica Evaldo Oliveira de Castro, de 35 anos, sabe definir com muita segurança os ganhos de qualidade de vida que teve com a construção da Alça Viária e a ponte de Guamá em Belém, PA. Funcionário da Albrás há mais de 12 anos, sua viagem antes da Alça era cheia de paradas de transporte, incluindo um barco. Atualmente, ele pega apenas um modal: o ônibus.
Tatuoca nunca mais será a mesma
Pernambuco aplaudiu a conclusão de uma das obras mais esperadas de toda sua história: a do Estaleiro Atlântico Sul. Muitas mulheres fazem parte da força de trabalho, dentre uma delas está Josefa Patrícia Ferreira, 32 anos, solteira, mãe de três filhos, moradora da Ilha de Tatuoca. A vida dessa pernambucana mudou radicalmente com a chegada do empreendimento. Atualmente, ela tem carteira assinada e trabalha como aprendiz na construção do casco da plataforma P-55 da Petrobras.
Expresso às margens do rio Pinheiros
Quando a jornalista Carolina Pires, 24 anos, moradora do bairro do Grajaú, zona sul de São Paulo, resolveu aceitar o emprego numa empresa localizada na outra extremidade da cidade, próximo ao Parque Villa-Lobos, zona oeste, ela sabia que as quatro horas diárias para ir e voltar de ônibus teriam dias contados. Em janeiro de 2008, a Linha 9-Esmeralda do Metrô de superfície da Companhia Paulista de Trens Metropolitanos (CPTM), que margeia o rio Pinheiros, reduziu o trajeto para menos de uma hora.
A duplicação demorou, mas valeu!
Motorista de ônibus rodoviário há mais de 30 anos, Getúlio de Oliveira tem muitas histórias para contar quando o assunto é a rodovias BR-381, a Fernão Dias. Segundo o motorista, é impossível passar hoje pela rodovia – que conta com pedágios, asfalto em bom estado, acostamento – e não reconhecer como melhorou com a duplicação e a concessão.
Foto:Daniel de Cerqueira Pinto/extraído do livro "Dois Brasis"
Fonte: Estadão