Há algum tempo escrevi uma crônica lembrando a figura de um ferroviário ilustre: Francisco Paes Leme de Monlevade. Reproduzo-a aqui, porque alguns brasileiros precisam permanecer na memória da engenharia e da história do País.
"O escritor Marcos de Castro, ao prefaciar a obra de Anatole France, "O crime de Sylvestre Bonnard", reeditada há algum tempo pela Record, recoloca na memória o momento histórico do começo do século passado, quando Francisco Pais Leme de Monlevade, então considerado o Príncipe dos Engenheiros Brasileiros, recepcionou o romancista francês na estação da companhia Paulista de Estradas de Ferro, em Jundiaí (SP).
Em visita ao Brasil, em 1909, Anatole fora convidado a conhecer a ferrovia paulista, apontada como um modelo, até mesmo para os padrões europeus, tanto na operação quanto na forma sofisticada de tratamento conferido aos passageiros.
O engenheiro recebeu Anatole na plataforma e o saudou em francês antes de iniciarem viagem em um trem especial. Um dos lances da homenagem do engenheiro foi registrado, pelo romancista, em um trecho final da obra acima mencionada.
O episódio põe em relevo uma das figuras mais marcantes da engenharia ferroviária do País. Francisco Monlevade, carioca, foi pioneiro na eletrificação das linhas daquela companhia, inaugurada em 1868 e que ligava, numa primeira etapa, Jundiaí e Campinas. A força econômica dos barões do café impôs a expansão da ferrovia, cujos trilhos se estenderam a Rio Claro, São Carlos, Barretos e Colômbia, no rio Grande, alcançando, em seguida, Jaú, Bauru e Panorama, nas barrancas do rio Paraná.
Ao mesmo tempo em que ampliava o atendimento ao interior do Estado, transportando riquezas e espalhando o progresso por onde passava, a ferrovia, renomada pelo monograma CP, agregava outros braços ferroviários, dentre eles a E. F. Douradense e E. F. São Paulo-Goyaz.
Mas, antes dessa fase, ela já se tornara conhecida pela excelência dos serviços prestados. Famílias da elite paulista viajavam em seus trens de luxo azuis, equipados com carros Pullman Standard, puxados por locomotivas elétricas, entre as quais a V8, que, segundo os historiadores ferroviários, tinha um formato aerodinâmico e chamava a atenção de usuários e das pessoas que transformavam as estações em locais de passeio e de ponto de encontro.
Francisco Monlevade encarava a ferrovia como um sistema logístico em permanente evolução. Seus estudos para a eletrificação da linha, desenvolvidos a partir de 1916, revelam o esforço do pioneiro, em especial quando se avalia a condição do País na época. A tecnologia da engenharia ferroviária, basicamente ainda nas mãos dos ingleses, estava sendo absorvida pela engenharia ferroviária brasileira, num cenário de país rural. O processo de industrialização só ganharia impulso muito mais tarde, na era Vargas, com a 2ª Guerra Mundial.
Enfrentando todas as limitações, compreensíveis naquelas circunstâncias de acanhado desenvolvimento técnico, o engenheiro conseguiu implantar um sistema de eletrificação até sofisticado, que implicava a compra e instalação de equipamentos buscados no exterior e cuja operação teria de ser feita por maquinistas e empregados dos quadros da própria companhia, treinados aqui. A eletrificação, adotada inicialmente no trecho entre Campinas e Jundiaí, foi aos poucos estendida às linhas de bitola larga da CP. O nome de Francisco Paes Leme de Monlevade ficou gravado, em sua homenagem, na locomotiva tipo box fabricada em 1926 pela Metropolitan-Vickers."
Fonte: Estadão