O leilão das rodovias e outras contradições brasileiras

Compartilhe esse conteúdo

O leilão de sete rodovias federais, que pode garantir níveis civilizados de segurança para o tráfego ao longo de mais 2.600 km pedagiados, expõe mais uma das centenas de contradições brasileiras. Só depois de quase uma década de discussões, promessas e pressões da sociedade através da imprensa e de entidades setoriais, período em que estradas absolutamente prioritárias para a movimentação da economia do País se deterioraram, é que o governo decidiu aceitar a participação do investidor privado para melhorá-las, ampliá-las e, em amplos trechos, reconstruí-las. O programa de obras absorverá, ao longo de 25 anos, cerca de R$ 20 bilhões.

Desta vez, e diferente do que aconteceu no começo das concessões rodoviárias na década passada, aparentemente o usuário não tem razões para explodir em reclamações. Ele ganha com o preço oferecido, ganha com a garantia da execução das obras factíveis nos cronogramas estabelecidos, e ganha com a antecipação da realização dos serviços, antes que os pedágios passem a ser cobrados.
Resumindo: os concorrentes chegaram a fazer deságio de mais de 60% e o grupo vencedor atendeu ao objetivo previsto pela Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT). Conquanto o modelo escolhido exclua a chamada “outorga” onerosa, o fato é que, a partir do leilão, abre-se uma boa perspectiva para esse campo da infra-estrutura brasileira, esperando-se que o investidor privado, contando com mecanismos que lhe garantam o retorno do capital aplicado, também seja atraído para os segmentos de energia elétrica e saneamento. A curiosidade do recente leilão ficou por conta do vencedor: um grupo espanhol, o OHL, que está presente em concessões em seu país de origem e no Chile, Argentina e México.

Outro dado importante, recorrente nas gestões que confluíram para o resultado anunciado, é o reconhecimento de que as concessões rodoviárias vêm dando certo no País desde o advento da Dutra e da ponte Rio-Niterói, difundindo-se pelo Estado de São Paulo, cujas estradas têm sido apontadas, ano a ano, como de categoria internacional. Haja vista, os sistemas Anchieta-Imigrantes e Anhangüera-Bandeirantes e as rodovias Airton Senna, Castello Branco e outras mais.
Contudo, nada será fácil para o grupo vencedor. As estradas objeto do leilão se encontram degradadas e as obras que deverão ser executadas para colocá-las em parâmetros adequados de tráfego, se não forem complexas do ponto de vista da engenharia, serão complexas pela quantidade de intervenções que se avolumam em todos os trechos.

Cabe, agora, listar outras contradições que afetam a infra-estrutura do País. Caso o PIB brasileiro mantenha uma taxa de crescimento da ordem de 5%, em um cenário no qual o aumento da população continue a ser de 1,2% ao ano, o Brasil levará 18 anos para conseguir duplicar sua renda per capita, que, conforme estudos recentes, seria de US$ 3,330 mil ressalvando-se a heterogeneidade das regiões brasileiras. Apesar desse quadro, os investimentos em infra-estrutura prosseguem minguados, enquanto, na outra ponta do processo, o governo mostra não ter medida nos gastos públicos da máquina administrativa.

Enquanto não são feitos investimentos em obras prioritárias, a arrecadação federal apresenta elevação de 9,9%. Os brasileiros pagaram R$ 435 bilhões em tributos de janeiro a setembro deste ano. Somente com a CPMF foram arrecadados R$ 26,9 bilhões. Imagina-se que, caso o retorno desses impostos ocorresse com qualidade, e com a mesma velocidade com que ele é cobrado da população, muitas das graves contradições brasileiras já estariam resolvidas.

Fonte: Estadão


Compartilhe esse conteúdo

Deixe um comentário