O trem-bala deixa outras prioridades na plataforma

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Quem não gostaria de ter um trem-bala à mão para sair de São Paulo às 7 da manhã e chegar ao Rio uma hora e meia depois sem passar pelo suplício da ponte-aérea? Ocorre que esse projeto despreza outras prioridades, até projetos ferroviários, menos onerosos e mais úteis ao crescimento do País

Nildo Carlos Oliveira

OBrasil amarga as carências do saneamento básico, os investimentos insatisfatórios na educação, o caos no transporte urbano, o colapso nas estradas utilizadas na movimentação da economia, o apagão aéreo e portuário, a tragédia da saúde pública. Mas, e daí? Ele poderá ter Trem de Alta Velocidade.
Pelo menos, o edital está nas mãos dos interessados e, no dia 16 de dezembro próximo, rigorosamente a partir das 11 horas, deverão ser conhecidas na sede da BM&FBovespa, as empresas brasileiras ou estrangeiras que participarão do leilão para realizar as obras. Por enquanto, ele é apenas um projeto, mas já conta com uma estatal, criada com pompa e circunstância, para "planejar e promover o desenvolvimento do transporte ferroviário de alta velocidade no País", a Empresa de Transporte Ferroviário de Alta Velocidade S. A.
O exemplo europeu, japonês e até chinês, cuja estatal Shangai Maglev Transportation opera o trem de levitação magnética (Maglev), está na cabeça de muita gente que sonha com fenômeno ferroviário semelhante.
O transporte ferroviário jamais saiu do imaginário brasileiro, pela eficácia, pontualidade, utilidade e possibilidades de abertura econômica, em especial nas rotas de penetração, tais como a Araraquarense, a Mogiana, a Alta Paulista e os trens do Nordeste, que fizeram história, até nas novelas do poeta Jorge de Lima: "O trenzinho ia varando o Nordeste, vinha de Natal, atravessando zonas de praia, zonas de mata, cidadezinhas, canaviais, algodoais, queimando o carvão de Cardiff, ora a lenha das matas. (O descaso do governo permitia que as balduínas da companhia inglesa, a Great Western, comessem as nossas árvores)".
Mas o que está em causa não é um programa ferroviário, essencial à economia, como recentemente me detalhou o diretor-geral do DNIT, Luiz Antônio Pagot, em matéria publicada nesta revista (OE nº 483), nem o significado de uma obra desse tipo para a engenharia, em suas várias modalidades. O que chama a atenção é outra coisa: ela não é prioritária.
Do ponto de vista da engenharia, não deixa de ser atrativa. Arrasta-se por um traçado que corta formações geológicas onde há comportamentos geotécnicos extremamente complexos; instiga a engenharia voltada para a abertura de túneis, uma vez que serão necessários realizar escavações ao longo de 90,9 km e desenvolver outras obras importantes, como 107,8 km de pontes. Resumindo: em um trajeto de 530 km, apenas 312,1 km avançarão na superfície. Ele terá nove estações obrigatórias, incluindo duas em Campinas, uma em São Paulo (SP), outra em Guarulhos, uma em Aparecida do Norte, duas que ainda não foram definidas, possivelmente por questões políticas, e duas no Rio de Janeiro. No Vale do Paraíba há uma briga de foice entre municípios, cada um defendendo uma estação à sua porta.
Sob esse aspecto, o TAV é importante. Quando, no entanto, são formulados outros questionamentos, a coisa muda de figura. As operações de um trem de alta velocidade são invariavelmente caras. Na Europa, elas contam com subsídio oficial. E, aqui, ninguém fala disso mas é quase uma certeza
Um estudo que o Ibmec-RJ fez há algumas semanas a pedido do jornal O Estado de S. Paulo mostra o seguinte: para que o TAV SP-RJ não se torne deficitário e precise a todo momento de recorrer ao bolso sem fundo do Tesouro público, será necessário – "a partir das variáveis do edital, como investimento inicial, tarifa percurso e capacidade", que ele opere com lotação integral durante todo o percurso entre as duas cidades. Somente assim, poderá ser possível garantir-lhe a viabilidade econômica.
O TAV, em cuja obra serão despejados R$ 33,1 bilhões – e já se sabe que se tratam de valores cujo aumento jamais será colocado em dúvida – terá tarifas de R$ 149,85 nos horários normais e de R$ 199,73 nos horários de pico. As revisões tarifárias serão realizadas a cada cinco anos. Sonha-se que ele reduzirá, a seu favor, a ocupação atual da ponte aérea Rio-SP. É uma especulação, que não considera a capacidade concorrencial da ponte-aérea, dos carros particulares e do transporte por ônibus, pela Dutra.

Reportagem da revista Exame, duas páginas da qual vão aqui reproduzidas, retoma esse tema e pergunta: "Quem precisa do trem-bala?" – mostrando que, com o dinheiro a ser aplicado na construção e operação do TAV entre Campinas, São Paulo e Rio, podem ser realizadas várias obras, estas assim, da maior prioridade: 3.500 km de ferrovias regulares, distância suficiente para ligar por trilhos Florianópolis (SC) a São Luís (MA); 3.400 km de corredores de ônibus – extensão suficiente par desafogar o transporte coletivo em todas as regiões metropolitanas do País; 60 km de metrô subterrâneo – extensão capaz de praticamente dobrar a rede existente na capital paulista ou quase triplicar a do Rio de Janeiro; 35 terminais aeroportuários – o suficiente para duplicar a capacidade dos aeroportos de todas as capitais brasileiras e reformar e restaurar corredores rodoviários, dentro dos padrões americanos e europeus. As estradas federais são responsáveis por 60% do fluxo de passageiros do País.
Diante desses argumentos, vem a constatação: o trem-bala vai abandonar outras prioridades na plataforma.

Fonte: Estadão


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