Nildo Carlos Oliveira
Está aí, na boca de um governador, uma declaração que afronta: “Não sou o primeiro a fazer isso, e fazemos de acordo com o cargo que ocupo”. É o reconhecimento explícito de que a maior autoridade do Estado do Rio, o governador Sérgio Cabral, não estabelece linha alguma, por mais tênue que seja, entre o particular e o privado. É uma autoridade. Portanto, para ele, desaparecem as fronteiras. Os gastos, com dinheiro público, para o uso da coisa pública, em favor de seus interesses particulares e domésticos, estão justificados naquela frase: “… de acordo com o cargo que ocupo”.
A mesma desfaçatez foi enunciada no comportamento das autoridades da Câmara e do Senado – e de um ministro de Estado – que utilizaram aviões da FAB para uso considerado indevido, uma vez que os utilizaram para cumprimento de compromissos que longe estavam daqueles especificamente oficiais. O deputado Henrique Alves foi assistir a uma partida de futebol e o senador Renan Calheiros foi ao casamento da filha de outro senador. Sem falar no ministro Garibaldi Alves, que também resolveu ver futebol.
Tudo bem, que o governador haja se deslocado até Mangaratiba a fim de passar seus fins de semana. Mas utilizar o helicóptero, de uso oficial, para levar babás, a família e até o cachorro, gera uma confusão na qual fica difícil identificar aquela linha divisória que separa, eticamente, o particular do privado.
É essa apropriação do público pelo particular, em um país de contrastes, onde o cidadão comum não tem vez, tornando-se vítima permanente dos abusos das autoridades em todas as instâncias, seja na prefeitura, posto de saudade ou em qualquer outra repartição de governo, que alimenta a ira expressa nos protestos de rua. Na democracia os gestos autoritários parecem dizer que ela existe para alguns e jamais para todos. Há uma subversão de ideias e valores. O governador ainda insiste: “Não estou fazendo nenhuma novidade”. Se todos fazem, porque ele não faria?
Ele esposa a ideia de que os homens públicos podem tudo. Uma frota de helicópteros colocada a serviço do Estado fluminense gasta anualmente R$ 9,5 milhões em suas incursões. Tudo pago pela população abandonada e desassistida. Mas o governador avisa: “Não estou fazendo nenhuma estripulia…”
Fonte: Nildo Carlos Oliveira