O trabalho enfrenta adversidades próprias do sertão. Escavada a vala, a concretagem se dá, a rigor, entre as 18 e as 6 horas da manhã, para que o concreto não seja lançado a altas temperaturas. A falta secular de água, em Alagoas, parece prestes a ser solucionada
Nildo Carlos Oliveira
As obras em curso, para a construção do chamado Canal Adutor do Sertão, de responsabilidade da Seinfra do governo do estado de Alagoas, têm em vista eliminar a crônica carência de água para consumo em seis microrregiões consideradas homogêneas pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), no estado de Alagoas: as microrregiões Serrana do Sertão, Sertão do São Francisco, Santana do Ipanema, Batalha, Palmeira dos Índios e Arapiraca.
Ao longo dessas áreas estão distribuídos 42 municípios, cujas populações vinham reivindicando, há décadas – ou há séculos, segundo alguns de seus prefeitos – solução que a engenharia hidráulica poderia colocar em prática para resolver o problema da falta d´água. “Afinal”, assinalavam alguns desses prefeitos, “água existe. Está aqui no velho e generoso Chico. É só trazê-la da região de Delmiro Gouveia, passando por toda essa região sertaneja, até Arapiraca.”
Mas as coisas não eram tão fáceis assim. Os estudos que orientaram o projeto demoraram bastante e as obras, iniciadas em 1992, só foram retomadas para valer depois que passaram a fazer parte do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), do governo federal. Hoje, três construtoras de grande porte – Queiroz Galvão, OAS e Odebrecht – cuidam de construir os cinco trechos em que o canal está dividido e nos quais estão sendo investidos perto de R$ 840 milhões.
O canal terá 250 km de extensão e deverá estar concluído até 2014. O consórcio formado pela Concremat Engenharia e pela Hidroconsult responde pelo gerenciamento e supervisão das obras nos trechos II, III, IV e V.
O projeto
Os objetivos do projeto, elaborado pela Cohidro, estão claros, segundo os estudos de viabilidade: permitir que a pequena propriedade não continue castigada pela seca, nos períodos cíclicos de estiagem; evitar o êxodo de famílias para outras localidades, repetindo o drama que o mestre Graciliano Ramos retratou no clássico Vidas Secas; gerar alimento e renda; fortalecer o sentido comunitário; treinar o homem do campo segundo técnicas de irrigação moderna e levá-lo ao uso racional do solo rural, de modo a inibir conflitos fundiários.
Para atender àqueles objetivos, o projeto propôs a construção de um canal por onde a água fluísse com uma velocidade entre 0,5 m/s e 1,5 m/s. Conquanto o canal seja revestido com concreto, maior velocidade do que esta não seria conveniente, pois resultaria em perdas de carga mais elevadas, levando a um aprofundamento “não desejável da estrutura”.
O Canal do Sertão, projetado no começo dos anos 1990, está começando a chegar aos municípios alagoanos secularmente afetados pela seca
Para resolver e prevenir problemas de perdas d´água, toda a extensão do canal deveria ser revestida com uma geomembrana texturizada de polietileno de alta densidade (PEAD). E, acima dessa geomembrana, seria aplicada uma camada de concreto de 0,05 m para protegê-la.
O controle do nível do canal seria realizado por comportas instaladas ao longo da obra, em média a cada 8 km de distância, mantendo-se a vazão e a lâmina d´água nos níveis adequados.
A obra
O sistema adutor previsto inclui tomada d´água, estação elevatória de água bruta, adutora de recalque, estrutura de transição de recalque com sifão invertido, canal trapezoidal e outras obras complementares: bueiros, túneis, transposições, comportas etc.
A tomada d´água se localiza no complexo hidrelétrico formado pelos reservatórios das usinas de Paulo Afonso I, II, III e Moxotó e sua implantação implicou a construção de uma ensecadeira de terra e de um canal de aproximação para aduzir as águas captadas até a estação elevatória. Esta, com capacidade final para 32 m³/s, possui casa de bombas composta de 12 conjuntos de bombeamento de 2,67 m³/s, cada, correspondente à potência unitária de 2.000 CV a 600 rpm.
O desenvolvimento executivo dessas obras foi associado às fases de implantação das unidades, equipamentos e tubulação, para que os investimentos se compatibilizassem às metas previstas.
O canal trapezoidal é constituído pela calha principal do canal. A base menor tem 5,30 m; a maior, 15,20 m; e a altura chega a 3,30m. Projetado para uma declividade de 12 cm/km, pois o canal, a partir do km zero, em Delmiro Gouveia, segue por gravidade até o destino final (km 250), em Arapiraca, dispensando estações de bombeamento para elevação da água. Isso representa, segundo o governo de Alagoas, uma grande economia nessa operação. A estanqueidade é obtida e garantida pela manta PEAD, que se estende até aos taludes.
A ocorrência de algumas elevações ao longo do traçado e a necessidade de travessia de diversos talvegues, cursos d´água e estradas, somadas às condições geológicas e topográficas, impuseram a construção de túneis, pontes rodoviárias, pontes-canais, canal retangular, comportas e estruturas de drenagem.
O avanço da construção
As obras, cujos primeiros 65 km foram inaugurados pelo governador Teotônio Vilela Filho, de Alagoas, e pela presidente Dilma Rousseff, agora em março, prosseguem sob condições climáticas severas, segundo informa o engenheiro Fernando Martins, diretor de Saneamento da Concremat Engenharia.
O engenheiro diz que o canal foi concebido para funcionar também como canal reservatório, mantendo uma operação ininterrupta, mesmo que venham a se registrar pausas no sistema de bombeamento. Ele informa que a concretagem se desenvolve tendo-se em conta cuidados especiais. Por exemplo: esse serviço é executado preferencialmente entre as 18 e as 6 horas da manhã, para evitar que o lançamento do concreto ocorra quando a temperatura média chega aos 45°C, à sombra.
“No canteiro, nas frentes de trabalho”, diz Fernando Martins, “foi instalada uma central para a produção de concreto, que ali recebe um aditivo retardador de pega. É providência muito necessária, que se justifi
ca por conta da distância da central até o ponto de lançamento. Depois do adensamento do concreto aplicado no revestimento do canal, é procedida a pulverização com a qual é obtida a película protetora para que a cura se processe .”
Nos trabalhos de construção do canal, as construtoras têm utilizado equipamentos tais como perfuratrizes, escavadeiras hidráulicas, tratores de esteiras e caminhões basculantes.
Atualmente, trecho a trecho, as obras vêm sendo executadas assim: trecho I, do km zero ao km 45 – Construtora Queiroz Galvão; trecho II, do km 45 ao km 64,7 – também a cargo da Queiroz Galvão; trecho III, do km 64,7 ao km 92,93 – Construtora OAS; trecho IV, do km 93,93 ao km 123,4 – Construtora Odebrecht; e trecho V, do km 123,4 ao km 150 – Construtora Queiroz Galvão.
Alguns prefeitos dizem que, enfim, o rio São Francisco vai beneficiar as cidades do sertão, embora por um canal e com águas bombeadas. “É a força da engenharia hidráulica”, reconhecem.
Principais quantitativos
As obras atualmente em execução registram os seguintes quantitativos:
Escavações em material de 1ª e 2ª categoria: 2.129.447,68 m³
Escavações em material de 3ª categoria: 813.464,00 m³
Aterro compactado: 1.827.150,08 m³
Revestimento de talude e fundo com solo-cimento: 41.158,52 m³
Impermeabilização do canal com manta PEAD: 399.026,25 m²
Concreto de revestimento do canal (15 Mpa): 17.582,84 m³
Concreto estrutural com obras de arte (25 Mpa): 17.376,62 m³
Fornecimento, corte, dobra e colocação de aço: 1.968.448,11 kg
Trecho da calha principal já concretada e sobre a qual foi lançada a película protetora. O concreto produzido em central recebe um aditivo retardador de pega
Fonte: Revista O Empreiteiro