Há projetos, está em curso parte das obras do Programa de Aceleração do Crescimento, mas a realidade brasileira, do ponto de vista do estabelecimento de diretrizes que orientem corretamente os rumos futuros, continua a mesma: falta-lhe um plano ordenado de crescimento de longo prazo. Em razão disso, e apesar da apregoada consistência da política macroeconômica, o País parece navegar sem os instrumentos que lhe proporcionem vôo seguro, mesmo quando a situação é de céu de brigadeiro.
É assim, ressentindo-se da ausência de orientação consistente que amarre todas as pontas dos diversos segmentos capazes de impulsionar o conjunto das atividades produtivas, que iniciamos 2008.
Não faltassem outras, a prova de que o País ainda não conseguiu articular planejamento satisfatório está no fato da vulnerabilidade fiscal provocada pelo sepultamento da Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira, a CPMF. Se ela era provisória, não havia por que o governo trabalhar, desde outubro de 1996, com a hipótese de que ela seria definitiva. E, se tivesse existido planejamento, não haveria, hoje, a necessidade de se recorrer ao aumento do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) e da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL), numa opção “tapa-buracos”, que protela mais uma vez a reforma tributária digna desse nome.
O aumento dos impostos, num cenário em que a carga fiscal brasileira bate novo recorde em 2007 (de cada R$ 100 em riquezas geradas pelo brasileiro, durante o ano, R$ 36 foram recolhidos aos cofres das três instâncias de governo) afeta o bolso do contribuinte e não significa redução dos gastos da máquina pública.
Mas outros dados mostram o descompasso ocasionado pela falta de planejamento. O governo parece ter aguardado a virada do ano para aumentar em R$ 5,3 bilhões a destinação de verbas para programas de obras, em particular, aquelas que imediatamente sugerem apelo eleitoral. Como se as obras de ampliação ou manutenção de rodovias, equipamentos urbanos e saneamento básico, não tivessem sido absolutamente prioritárias desde o começo do ano ou ao longo das últimas três décadas.
Reconhecemos: o desempenho do atual governo, na liberação de recursos – R$ 19,2 bilhões em fins de 2007 – é maior do que os de governos passados. O que se questiona é a liberação autorizada de afogadilho, no apagar das luzes, quando poderia ter sido feita com planejamento em tempo hábil, de modo a permitir o trâmite normal da elaboração de projeto, licitação, contratação de empresas e execução das obras, sem a preocupação com o cronograma político.
É possível que, se cuidados tivessem sido adotados do ponto de vista de planejamento, algumas distorções, observadas em especial em obras polêmicas e que ainda estão a carecer de discussão pública em diversos níveis, como a transposição do rio São Francisco, não estivessem ocorrendo. Ainda no mês passado, ao dissecar pormenores do Orçamento da União, um estudioso de problemas brasileiros mostrou que uma das promessas para a execução daquela obra não vem sendo cumprida: a revitalização prévia e plena do rio, antes da transposição. A realidade, de acordo com o Sistema Integrado de Administração Financeira (Siafi) é, no entanto, a seguinte: R$ 186 milhões já foram destinados às obras de transposição, enquanto a revitalização recebeu apenas R$ 60 milhões.
No fundo, conforme alguns analistas econômicos têm lembrado, o planejamento brasileiro costumeiramente volta-se mais para resolver problemas de caixa, do que deficiências crônicas nas áreas da saúde (está aí o recrudescimento da febre amarela e a ameaça da escassez de vacinas), saneamento, energia e transportes. Além disso, o fantasma do “apagão” ocorrido em 2001, volta a rondar o País.
Fonte: Estadão