Álvaro Rodrigues dos Santos*
Corretamente a referida minuta, e recorrentemente em diversos de seus capítulos e artigos, estabelece como princípio e objetivo “dar solução para os problemas nas áreas com riscos de inundações, deslizamentos e solos contaminados existentes e prevenção do surgimento de novas situações vulneráveis” ou “compatibilização de usos e tipologias de parcelamento do solo urbano com as condicionantes de relevo, geológico-geotécnicas e com legislação de proteção e recuperação aos mananciais”.
No entanto, para que essas bem-vindas disposições não se reduzam ao já nosso congestionado campo das boas intenções, é indispensável que o futuro plano diretor faça explicitamente sua referência e correspondência à Carta Geotécnica do município.
Estruturada para fins urbanos, ela é um documento cartográfico que informa sobre o comportamento dos diferentes compartimentos geológicos homogêneos de uma área frente às solicitações de ocupação urbana, e complementarmente indica as melhores opções técnicas para que essa intervenção se dê com pleno sucesso técnico e econômico.
É importante frisar a seguinte noção: uma carta geotécnica implica a conjugação do mapa de compartimentos geotécnicos com as recomendações técnicas de ocupação, sejam aquelas referentes aos arranjos urbanísticos, sejam aquelas referentes a aspectos diretamente construtivos. Pode-se dizer que o documento define os aspectos básicos dos códigos de obras, e que, portanto, esses deverão ser específicos para cada setor geologicamente diferenciado da cidade. Por exemplo, o Código de Obras válido para várzeas e áreas planas lindeiras dos rios Tietê, Pinheiros e Tamanduateí será forçosamente diverso do Código de Obras para as regiões mais montanhosas ao norte, que se dirigem à Serra da Cantareira.
Fundamental considerar que a Carta Geotécnica a ser utilizada nas decisões rotineiras de regramento de uso do solo pela prefeitura deve estar em escala compatível com a precisa localização de suas informações no campo. Essa condição exige no mínimo escalas 1:5.000, com eventuais detalhamentos em 1:1.000. Ou seja, a antiga Carta Geotécnica do município, originalmente produzida em escala 1:50.000, não se presta aos objetivos do plano diretor; será indispensável que ela seja produzida em escala 1:5.000, atividade que poderá ser exitosamente desenvolvida pelos geólogos, arquitetos, engenheiros e geógrafos que a prefeitura já possui em seus quadros, com o apoio de instituições como o Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT), Instituto Geológico (IG) e a participação de empresas privadas para tanto qualificadas.
Ao adotar essa providência, a prefeitura estará se ajustando ao disposto na Lei Federal 12.608, que modificou o Estatuto das Cidades estabelecendo a obrigatoriedade dos planos diretores municipais de se referenciarem a uma carta geotécnica.
Por outro lado, deve ser levado em conta que São Paulo, diferentemente das regiões serranas, onde o risco geológico maior é de origem natural, tem seus riscos geológicos todos diretamente provocados ou induzidos pela ação humana, o que significa que, em uma abordagem preventiva contemplada por seu novo plano diretor, poderá vir a se constituir em uma cidade livre do impacto desses flagelos.
*O geólogo Álvaro Rodrigues dos Santos (santosalvaro@uol.com.br) foi diretor de Planejamento e Gestão do Instituto de Pesquisas Tecnológicas; é autor dos livros “Geologia de Engenharia: Conceitos, Método e Prática”, “A Grande Barreira da Serra do Mar”, “Diálogos Geológicos”, “Cubatão” e “Enchentes e Deslizamentos: Causas e Soluções”; e consultor de Geologia de Engenharia e Geotecnia.
Fonte: Revista O Empreiteiro