Programa brasileiro provoca QUESTION AMENTOS

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Rosane Santiago – Rio de Janeiro (RJ)

Depois do desastre da usina de Fukishima, Japão, aumentam as especulações sobre o uso da energia nuclear e a construção de novas unidades no Brasil

Apalavra que melhor define o programa para o aproveitamento da energia nuclear é o ceticismo. O governo que trabalha com as possibilidades dessa matriz energética está pressionado pela opinião pública e pela crença arraigada de que esta é uma fonte perigosa de se produzir energia. A energia nuclear está sendo apresentada ao mundo como nefasta em razão dos desastres que ela pode provocar.

Dois fatos importantes ocorridos este ano fazem com que a política de construções de novas usinas nucleares seja questionada: o desastre ocorrido em Fukushima, no Japão; e a postura de países como Alemanha e Itália, que pediram o fechamento de várias de suas usinas.

O presidente da Empresa de Pesquisa Energética (EPE), Maurício Tolmasquim, afirma, no entanto, que “a energia nuclear continua importante, estratégica, e devemos dominar essa energia. Mas o ritmo das construções é uma questão que a gente pode discutir, ver com calma. Abandonar a energia nuclear não me parece razoável porque o Brasil tem uma série de vantagens com relação a essa fonte”.

Lembrando que o Brasil tem a sexta reserva mundial de urânio, Tolmasquini explica que “o fato de não abandonar o programa não quer dizer que precisamos fazer isso rapidamente. Pode se fazer cautelosamente e num cronograma que permita assimilar as mudanças que acontecem no mundo”, acrescenta.

Paralelamente às declarações do presidente da EPE está a posição da Eletronuclear, que depois de 20 anos conseguiu retomar a construção da usina Angra 3. A empresa está na fase final de pesquisa do sítio para a implantação de mais quatro usinas, com grande chance para as regiões Nordeste e Sudeste.

Tolmasquim afirma que o Plano Nacional de Energia 2035 (PNE 2035) poderá trazer mudanças no ritmo de implementação de usinas nucleares no Brasil. De acordo com o plano em vigor, o PNE 2030, além de Angra 3 — que está em construção em Angra dos Reis, no Rio de Janeiro —, seriam construídas outras quatro usinas nucleares. Segundo Tolmasquim, a decisão da Alemanha de desligar suas 17 usinas nucleares até 2022, assim como o acidente na central japonesa de Fukushima, serão fatos novos a serem considerados no PNE 2035.

Onde ficarão as novas usinas?

Em outra vertente, o engenheiro Dráuzio Lima Atalla, supervisor de Novas Usinas da Eletronuclear, tenta desfazer essa aparente falta de direção mundial com relação às políticas de energia nuclear.

Na fase final da avaliação dos locais para implantação das novas usinas, Atalla analisa atualmente um mínimo de 50 critérios em cada região para que a Eletronuclear possa começar a executar seus projetos. “Avaliamos sítios onde as ameaças potenciais da natureza sejam mínimas para o empreendimento. E isso nem existe em situação de engenharia. A própria usina de Fukushima estava a 10 m de altura (do nível do mar). Se estivesse há 30 m não aconteceria nada, mas na ocasião isso não era classificado como uma ameaça na escolha do lugar. Hoje já é. Seguimos este critério para proteger as obras de eventuais agressões da natureza. Em seguida, avaliamos os critérios ambientais para que a própria unidade não se transforme em ameaça à natureza, e também para que o potencial de risco seja minimizado. O local deve ser submetido a parâmetros meteorológicos e geológicos favoráveis, incluindo temperatura e umidade do ar, ventos, riscos de tornados, eventos sísmicos, inundações e potenciais falhas estruturais de represas e muito mais”, explica Attala.

O sítio escolhido para abrigar o reator e as principais estruturas, deve atender a requisitos, tais como evitar áreas de preservação ambiental, direção, distância do limite de exclusão, e orientação adequadas com relação a rodovias, a ferrovias e a vias fluviais das proximidades. É preciso também observar as normas e os padrões exigidos para proteção radiológica do público e do meio ambiente. O sítio deve também atender aos requisitos de limites de área de exclusão, zona de baixa população, distâncias dos centros populacionais e de distribuição dos moradores da região.

“Uma adequada seleção de sítios representa um primeiro e importante passo para a viabilização empresarial da nova central nuclear e da sustentabilidade do negócio nuclear no País, passando pela estruturação econômica, incluindo a obtenção de financiamentos”, complementa.

Angra 3

O engenheiro Roberto Travassos, da gerência de Planejamento e Orçamento da Eletrobras, está focado em Angra 3. Vinte anos depois de paralisada, a retomada da construção da usina vem sendo chamada dentro da empresa de renascimento. “Uma usina nuclear é uma obra que tem muito menos engenharia civil, ou seja, a quantidade de equipamentos mecânicos é muito maior, diferentemente de uma hidrelétrica, cujo grande esforço é de construção civil”, analisa Travassos.

“Nós temos uma planta compacta e um prazo de construção de 66 meses, ou cinco anos e meio. Reiniciamos os trabalhos de construção em junho do ano passado e temos atualmente 10,8% de obra construída. Temos neste empreendimento aproximadamente 3.000 funcionários, mas no pico teremos 7 mil pessoas. Depois de construída a unidade deve ter aproximadamente 500 pessoas para mantê-la em funcionamento. Estamos construindo a usina na rocha. Já fizemos escavação e estamos na fase de construção das principais edificações”, relata o engenheiro.

Em 1982, a empreiteira que ganhou a concorrência para construir Angra 3 foi a Andrade Gutierrez. As obras começaram dois anos mais tarde. No entanto, foi paralisada e essa situação perdurou de 1986 até 2009. Travassos informa que, na fase de retomada, “tivemos que rever com a Andrade Gutierrez, as bases comerciais, as bases legais, algumas mudanças tecnológicas, novas normas de construção, pois o projeto ficou parado pelo menos 20 anos”.

Começou então uma história que pode vir a ser um estudo de caso da área de construção, afirma o engenheiro Travassos. “O projeto de viabilidade tinha duas vertentes de avaliação. Uma era a demonstração da viabilidade técnica da usina, mostrando ser um projeto moderno,

nada obsoleto. Outra era a viabilidade econômico-financeira do empreendimento, ou seja, toda a reavaliação dos investimentos”, expõe.

Progresso da Concretagem – Usina Angra 3

Progresso global das obras civis: 11%

Progresso de concretagem das principais edificações

Edifício do Reator: 49%

Edifício Auxiliar do Reator: 22%

Edifício da Turbina: 50%

Edifício de Controle: 25%

Travassos explica que, “além de renegociar os contratos com a Andrade Gutierrez, revimos os contratos de fornecimento com a Confab, com a Bardela (equipamentos de transporte e movimentação de carga) e com a Nuclep (equipamentos pesados e condensadores). Enfim, com uma série de empresas cujos contratos estavam em vigência. Além disso, o projeto passou por quase um ano de fiscalização e avaliação do Tribunal de Contas da União — este recomendou algumas modificações de preços, o que nos levou a sentar novamente com a construtora para renegociar”.

O processo de avaliação começou em 1998, quando a Eletronuclear realizou um estudo de viabilidade e rentabilidade do empreendimento para a Eletrobrás e para o ministério das Minas e Energia. Contudo, o Conselho Nacional de Energia barrou o estudo, dizendo que este não poderia ser feito pela Eletronuclear. Então, naquela época, 1999, foi contratada a empresa espanhola Iberdrola, e logo depois a EDF (esta última controla 59 usinas na França), para reverem o trabalho e produzirem estudos independentes. O objetivo era ver o orçamento para conclusão e a rentabilidade do empreendimento.

Posteriormente, o projeto foi submetido ao ministério das Minas e Energia e ao Conselho Nacional de Política Energética (CNPE), que decidiu por mais um estudo, agora americano. Chamaram então a Eletric Power Research (EPE), que é o principal instituto de pesquisa americana na área elétrica. O professor José Goldenberg, que era da comissão do CNPE, recomendou ainda que uma instituição brasileira avaliasse o projeto de Angra 3. A contratada de então foi a USP (Universidade de São Paulo), que em dezembro de 2002 produziu seu relatório e apresentou resultados que tiveram uma diferença de apenas 1% dos outros apresentados.

“O CNPE é composto pelo presidente que é o ministro das Minas e Energia, mais os ministros da Casa Civil, do Planejamento, Gestão e Orçamento, do Meio Ambiente, da Fazenda, Ciência e Tecnologia, representantes da sociedade civil e do setor acadêmico. Por conta disso, nos sentimos respaldados pela sociedade brasileira para a realização de Angra 3”, analisa Roberto Travassos.

O engenheiro avalia que a relação da usina com a comunidade é boa. “Posso dizer que hoje a população de Angra dos Reis defende a usina, obviamente pela geração de empregos e impostos, produção de riquezas na região e uma constatação das pessoas de que se tem segurança na unidade. Óbvio que temos aqui também movimentos que se opõem a construção. Porém, vamos investir R$ 350 milhões somente na melhoria da infraestrutura da região, com saneamento básico, educação, no incentivo à piscicultura, reforma do patrimônio cultural na região, criação de hospitais, saúde e outras ações”, esclarece.

Segurança e infraestrutura

A Eletronuclear prevê a construção de pequenos portos para que na possibilidade de acontecer algum acidente, a população possa se retirar rapidamente pelo mar.

A Eletronuclear admite a dificuldade de uma possível rota de fuga pelas estradas da região. “Nós não podemos intervir, não é atribuição da Eletronuclear recuperar estradas. Tem um órgão governamental para realizar isso. Inclusive nós disponibilizamos nosso maquinário quando há necessidade em preservação e recuperação de encostas. Fizemos um acordo com o Departamento Nacional de Infraestrutura de Transporte (DNIT) para que toda aquela região circunvizinha à central fosse melhorada. Existe um plano de evacuação na região do entorno da usina nuclear. Hoje em dia uma possível evacuação é coordenada pela defesa civil com participação de vários órgãos, Exército, Marinha, Aeronáutica, Eletronuclear, poder público”, relata Roberto Travassos.

O DNIT está elaborando em Angra dos Reis um estudo de viabilidade para identificar alternativas de ampliação das rotas de fuga das usinas nucleares de Angra I e II, na BR-494, no Estado do Rio de Janeiro, com a assinatura de um contrato para a realização do Estudo de Viabilidade Técnica, Econômica e Ambiental, que ficará pronto em cinco meses e representa um investimento de R$ 300 mil. Será feito um diagnóstico na área de influência das usinas que servirá de diretriz para os projetos e, em seguida, a execução das obras propriamente ditas. As visitas técnicas e os levantamentos foram iniciados em julho.

Programa volta A ser desativado

O físico e pesquisador-visitante do Centro de Estudos da Saúde do Trabalhador e Ecologia Humana da Escola Nacional de Saúde Pública (Ensp/Fiocruz), Tarcisio Cunha, comenta a situação do acidente de Fukushima, no Japão, e afirma que estes eventos geram um debate político bastante rico, que não se pode preterir: “É preciso debater o que o Brasil quer para seu programa nuclear civil. Hoje, a opção do Estado brasileiro é favorável ao programa nuclear, mas há setores da sociedade que são contrários, e alguns estão aproveitando o momento para aquecer o debate. O que deve ser evitado é o uso de cargos públicos para atrapalhar o desenvolvimento de um programa definido por um Estado livre, democrático, soberano”.

Cunha diz ainda que “em primeiro lugar, o que ocorreu no Japão foi uma catástrofe natural, que atingiu reatores nucleares. Ao contrário do que muitos meios de comunicação vêm divulgando, não se trata de um acidente nuclear, mas sim de um acidente com reatores nucleares“.

Mesmo com esses esclarecimentos, a população da região de Angra dos Reis está mais incisiva em suas reivindicações a respeito da segurança e necessidade das usinas nucleares, principalmente depois do ocorrido em Fukushima.

Exemplo disso foi a necessidade de encontro na Câmara dos Deputados, no qual o coordenador do Sistema de Proteção Nuclear do Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República, José Mauro Esteves dos Santos, teve de
descrever o plano de emergência em caso de acidentes no município, explicando que há quatro centros de emergência que são acionados em caso de alerta.

Esteves dos Santos demonstrou a estratégia de remoção de funcionários das usinas e da população local em caso de acidentes, e disse que todos os anos são realizados exercícios de emergência onde são testados os sistemas de segurança. Neste ano, o exercício será em setembro. Afirmou ainda que há um ano e nove meses o Sistema de Proteção ao Programa Nuclear Brasileiro (Sipron) foi transferido para a presidência da República, onde é mais fácil coordenar uma ação interministerial em momento de crise.

Fonte: Estadão


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