Rodovia inacabada que a floresta retomou

Compartilhe esse conteúdo

“Nestas margens do Xingu, em plena selva amazônica, o senhor Presidente da República dá início à construção da Transamazônica, numa arrancada histórica para a conquista e colonização deste gigantesco mundo verde” – Altamira, 9 de outubro de 1970. A placa de bronze, que ainda existe fixada no tronco de uma castanheira com cerca de 2 m de diâmetro, a primeira de muitas árvores derrubadas para construção da rodovia, foi descerrada pelo então presidente Emílio Garrastazu Médici, marcando a solenidade de início da obra. Na ocasião, Médici assistiu a uma apresentação de slides sobre o projeto e a derrubada de uma árvore com 50 m de altura, que estava no traçado da nova rodovia, ato que aplaudiu entusiasticamente.

Médici retornaria ao local em setembro de 1972 para entregar oficialmente ao tráfego, por intermédio do Ministério dos Transportes, os primeiros 1.254 km de rodovia, ligando Estreito a Itaituba. Sua conclusão ocorreu em 30 de janeiro de 1974, pouco menos de quatro anos depois de sua aprovação por um Decreto-lei, em junho de 1970, permitindo o transporte desde João Pessoa, na Paraíba, até Lábrea, no Amazonas. Inicialmente, previa-se que a Transamazônica (BR-230) seria uma rodovia com mais de 5.500 mil km, criando uma nova rota desde o Oceano Atlântico até a fronteira com o Peru. A pista teria 8,6 m de largura, além de outros 70 m laterais de desmatamento em sua extensão.

Em maio de 1984 o ex-presidente Médici concedeu uma entrevista à revista Veja onde relatou sua conversa sobre o projeto com o então Ministro dos Transportes, o coronel Mário David Andreazza, que ocupou a pasta de 1967 a 1974. No retorno de uma viagem ao Nordeste, onde ficou assustado com a pobreza que viu, ainda no avião ele se dirigiu ao seu Ministro dos Transportes, a quem perguntou: “E aquela estrada, Andreazza?”. Ele respondeu: “Está aqui o plano, presidente”. Médici continuou: “Qual é o preço do quilômetro?” Andreazza respondeu: “1 milhão de cruzeiros”. “Tem dinheiro?”. Andrezza foi taxativo: “Não”. Médici então se volta para Delfim Netto, Ministro da Fazenda, e pergunta: “Delfim, não tem dinheiro para isso?” Delfim respondeu: “Só se tirarmos dos incentivos”. “Então botei a mão nos incentivos para construir a Transamazônica. Tirei apenas 30% dos incentivos. Além disso, as empreiteiras começaram a trabalhar em outubro sabendo que só receberiam dinheiro em março do ano seguinte. Só gastei o dinheiro que já tinha. Usei o dinheiro apenas na época em que ele estaria disponível. Nada foi feito sem recursos certos”, relatou Médici na entrevista.

Integração nacional

A construção da Transamazônica teve como objetivo integrar a Amazônia ao restante do País, facilitando a ocupação na região, próspera em recursos naturais, e também uma importante área de fronteira, que estava vulnerável por conta do isolamento. Foi também um esforço para transferir do Nordeste do Brasil, como dizia Andreazza, “homens sem terra, para as terras sem homens”.

Mas a iniciativa de integrar a Amazônia ao restante do País não começou aí. Getúlio Vargas criou o primeiro Plano de Valorização da Amazônia (PVEA), sem muito sucesso. Depois Juscelino Kubitschek lançou seu programa de construção de grandes rodovias, por meio do qual foram inauguradas, em 1960, a Belém-Brasilia e a Cuiabá-Porto Velho, esta última vindo a ser chamada de “estrada do inferno”, pelas péssimas condições de trânsito.

Com o governo militar de 1964, a Amazônia começou a ser vista também do ponto de vista da segurança nacional. Era, como ainda é, uma região dotada de inúmeros recursos naturais, que precisavam ser resguardados. Para isso foi iniciada a construção da Transamazônica, ao mesmo tempo em que o governo criava incentivos para os setores madeireiro, mineral e pecuário. Grandes grupos nacionais e multinacionais se instalaram na região. Para auxiliar a iniciativa, o governo criou o banco BASA e a Sudam. Em 1970, quando foi iniciada a obra, Médici lançou o Programa de Integração Nacional (PIN), com intenção de assentar 100 mil famílias ao longo da Transamazônica.

A região seria ocupada pelos pequenos agricultores e as rodovias eram a porteira de entrada de verdadeiras ondas de migrantes. Milhares de famílias foram deixadas ao longo das estradas, acreditando que receberiam terras e contariam com infra-estrutura adequada. Mas a realidade era diferente e muitas famílias não resistiram, abandonando as casas ao longo das rodovias.

Adversidades

A Transamazônica foi construída por várias empresas, como Queiroz Galvão, Camargo Corrêa, Mendes Junior, C. R. Almeida, Paranapanema e S.A. Paulista. Foi uma fase de aprendizado cultural, sociológico e até de sobrevivência na selva. Os trabalhadores tiveram que aprender desde as coisas mais simples, como cortar árvores de grandes dimensões, a enfrentar animais selvagens e sobreviver a doenças como leishmaniose, hanseníase e, principalmente, a malária.

Os trabalhadores ficavam completamente isolados e sem comunicação por meses. Alguma informação era obtida apenas nas visitas ocasionais às cidades próximas. O transporte geralmente era feito por pequenos aviões, que usavam pistas precárias.

Em condições tão adversas, os caboclos da região tornaram-se fundamentais para a obra: os mateiros orientavam os operários na mata, enquanto os gateiros os protegiam contra os animais. Já o pessoal da Funai dava apoio ao relacionamento com as tribos indígenas. Os caboclos ensinaram também como utilizar a madeira da região, empregada em inúmeras pontes.

Situação atual

Tanto esforço e dinheiro não foram capazes de manter a Transamazônica em boas condições. Até hoje a maior parte da rodovia tem apenas revestimento primário, travessias de rios ainda são feitas por balsas e, na época das chuvas, a estrada parece, em muitos pontos, uma pista mais apropriada para aventureiros que gostam das emoções de um rally. Nos Estados da Paraíba, Ceará, Piauí, Maranhão, Tocantins, Pará e Amazonas a rodovia tem cerca de 4.740 km de extensão que colecionam problemas.

Para reverter esse quadro o governo federal incluiu a rodovia no Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) e destinou R$ 950 milhões para pavimentação de 835 km e construção de algumas pontes e trechos na BR-230, obra que, pelo cronograma original, deverá ser concluída em 2010. Em linhas gerais o projeto incluído no PAC consiste na pavimentação da BR-230 no Pará entre as cidades de Marabá, Altamira, Medicilândia e Rurópolis e, na Paraíba, a duplica

ção do trecho João Pessoa a Campina Grande.

Os municípios Brasil Novo e Medicilândia serão ligados a Altamira, importante município da região. Para as obras entre os municípios de Altamira e Medicilândia, de aproximadamente 84 km de extensão, o Projeto Básico Ambiental (PBA) ficou a cargo do Centro de Excelência em Engenharia de Transportes (Centran). Essa parte da obra está orçada em cerca de R$ 90 milhões.

Fonte: Estadão


Compartilhe esse conteúdo

Deixe um comentário