Joseph Young
No momento em que o governo volta à carga para tentar ressuscitar o “imposto do cheque” para captar recursos destinados à saúde pública, vale lembrar que enquanto a CPMF vigorou, muito pouco foi aplicado nos hospitais e ambulatórios destinados à população. Foi um verdadeiro estelionato praticado à luz do dia e com a maior desfaçatez contra a economia popular, com os bilhões arrecadados entesourados para turbinar o superávit primário. |
Os jornais estampam diariamente notícias sobre erros de diagnóstico que resultam em até morte de pacientes. Os casos são vários: atendente de enfermagem que injetou glicerina, ao invés de soro, em criança; menor que foi internada para operar uma anomalia, mas sofreu intervenção cirúrgica em outra parte do corpo; médicos que dão plantões fictícios, mas recebem remuneração como se tivessem trabalhado; remédios de hospital público desviados para fins escusos; situação de penúria na Santa Casa, que ameaçava fechar. O cenário é de filme de terror, cujos personagens, no entanto, são pessoas reais, no geral idosos e crianças.
O mais grave é que esses casos de incúria administrativa e conduta antiética raramente resultam em condenação dos infratores, depurando e melhorando os quadros dos hospitais e ambulatórios públicos, ou significam mudanças de práticas operacionais para a erradicação das falhas constatadas. E tudo fica como estava antes na rede de saúde, distribuída pelos três níveis de administração pública.
O setor de seguro médico privado, depositário das esperanças do governo em suprir as carências no atendimento de saúde pública quando foi institucionalizado, não tem perspectiva de solucionar no médio prazo seus vícios estruturais. Os médicos recebem uma miséria por consulta ou intervenção e os clientes são mal atendidos, enquanto o lucro é embolsado pelas seguradoras.
Os números do Instituto de Pesquisa Econômica aplicada (IPEA) mostram o sucesso do governo federal na transferência de renda para as camadas mais pobres da população nos dois períodos administrativos recentes, o que obrigou alguns governos estaduais a criar mecanismos similares, embora menos ambiciosos. A mesma instituição causou alvoroço quando divulgou um estudo sobre a defasagem dos aeroportos brasileiros em termos de infraestrutura. Seria oportuno que entidades respeitadas desse quilate se juntassem a universidades para promover um amplo levantamento do sistema público de saúde e propor medidas objetivas de reforma a curto e médio prazo.
A arrecadação de impostos continua batendo recordes, os gastos da máquina administrativa prosseguem em alta, puxados pelos salários e remuneração indireta de servidores e outros, mas os investimentos estão estagnados, se calculados em termos percentuais do PIB. Não se justifica recriar o imposto a favor da saúde pública, para gerar mais receita, quando a carência absoluta é de qualidade de gestão e de gestores treinados, desde o Ministério da Saúde, passando pelas secretarias estaduais e municipais, até os hospitais e ambulatórios.
A saúde pública não esta sozinha nesta situação. As escolas, os ônibus, as rodovias e os portos refletem a mesma precariedade. Resumindo: falta gestão na aplicação dos recursos públicos disponíveis. Nenhuma lei que obrigue o governo a aplicar em saúde vai substituir a competência do gestor para a melhor disponibilidade de leitos em hospitais e racionalidade do trabalho do médico e da enfermagem.e