Mais de 3,4 milhões de pessoas utilizam diariamente o sistema integrado de transporte público urbano de Berlim e da Região Metropolitana de Brandenburg
Os números podem não impressionar se comparados aos de megalópoles como Bombaim, na Índia, São Paulo ou Cidade do México. Mas se confrontados aos 923,47 km2 de Berlim e região, ou à população local de 4,6 milhões de habitantes – o mesmo que a Zona Leste de São Paulo – é possível se ter uma idéia do quanto a capital alemã já investiu em transporte público desde a queda do muro, em 1989.
Somente em metrô – que é usado por 37,84% dos passageiros – a cidade dispõe de uma rede com 9 linhas, uma malha de 144,9 km de extensão, 170 estações (com distância média entre si de 790m) e uma frota de 1.312 vagões. Somado a isso estão 44 linhas de trens regionais, 15 linhas de trens suburbanos (muito semelhante ao metrô), 44 linhas de bonde, 921 linhas de ônibus e 7 linhas de balsas. Tudo integrado num único sistema de tarifas.
Vale lembrar que, a exemplo de toda Alemanha, em Berlim não existem catracas de entrada ou saída nas estações de trens, metrôs, nos pontos de parada ou dentro dos bondes e ônibus. O controle é feito aleatoriamente por conferentes que circulam pelos meios de transporte durante dia e noite, e a multa dos infratores é pesada.
O transporte coletivo de passageiros em Berlim é exercido pelas empresas BVG Berliner Verkehrsbetriebe e S-Bahn Berlin. A primeira é responsável pelas linhas de ônibus, metrô, bonde e balsa; e a segunda responde pelos trens regionais e suburbanos. Ambas são estatais, por enquanto.
A BVG é uma instituição da capital federal alemã e a S-Bahn pertence à companhia ferroviária nacional Deutsche Bahn (DB), que vai privatizar 24,9% do capital no segmento de transporte de cargas e de passageiros. A aprovação foi dada no último 30 de maio pelo Bundestag – a Câmara Baixa do Parlamento alemão. A medida abre caminho para que a maior empresa européia de transportes seja lançada na bolsa de valores.
Na região metropolitana de Brandenburg, as linhas de ônibus pertecem a um grupo de pequenas empresas privadas. No entanto, a gestão de tarifas das seis modalidades do sistema é integrada e administrada pela também estatal VBB Verkehrsverbund Berlin-Brandenburg, que desde abril de 1999 coordena o transporte público unificado de Berlim e da região metropolitana de Brandenburg (formada por quatro cidades e 14 distritos).
Na prática, a VBB administra uma aliança com cerca de 40 empresas públicas e privadas de transporte. A vantagem ao passageiro é que, adquirindo um ticket nas máquinas automáticas, pode-se usar todos os meios de transporte do sistema.
100 combinações de tarifas
Os usuários têm à disposição um conjunto de mais de 100 combinações de tarifas. As opções vão desde o simple ticket para viagens de curta distância, destinado a crianças de 6 a 14 anos e que custa €1 – até o bilhete anual a passageiro adulto e sem condições especiais para usar em toda rede integrada da VBB, no valor de € 1.763.
As tarifas são divididas em, no mínimo, cinco categorias:
tipo de usuário (adulto, criança, estudante, família, grupo de até cinco pessoas, turistas);
percurso: (trechos curto, longo, integrado com distritos, integrado com cidades ou pacote completo de acesso a toda rede);
duração do bilhete: (unitário, quatro viagens, um dia, 48 horas, 72 horas, sete dias, mensal, anual);
condições especiais: (para circular depois das 10h; para transportar bicicleta; para uso entre irmãos; integrado com a rede de trens de longa distância ds DB);
local de compra dos bilhetes: (pela internet, nos guichês ou nas máquinas automáticas).
Além de em alemão, todas as informações para usários da VBB – como prospectos, livretos e mapas do sistema – estão à disposição em inglês, polonês e turco. Porém, os mapas e as instruções nas máquinas automáticas estão em alemão, somente.
O custeio anual do sistema é mantido com recursos das capitais Berlim e Brandenburg (52%), das quatro cidades e 14 distritos da região metropolitana de Brandenburg (3%) e pelos passageiros com a compra de bilhetes (45%).
A aceitação do sistema é positiva pela maioria dos usuários. Em 2006 o quesito pontualidade nos trens regionais foi legitimado por 90,46% dos passageiros. O dado, no entanto, não agradou a empresa gestora, que no ano anterior teve aceitação de 91,58%. No ano da Copa do Mundo, um em cada 5 trens regionais em média, encostou com atraso de menos de 5 minutos nas plataformas. Um calo no calcanhar da S-Bahn, que deve divulgar nas próximas semanas o balanço de qualidade de 2007 e espera rever essa desvantagem.
Já a pontualidade dos trens suburbanos em 2006 obteve aprovação de 96,21% dos usuários. Apesar do aumento de 7,9 milhões de usuários no ano da Copa, o número de reclamações nos trens regionais e suburbanos caiu 11,6%. A maior causa das queixas (37%) foi pelo valor das tarifas, seguida de impontualidade e ofertas de horários de trens (25%), qualidade das informações 17%, vendas de bilhetes 15%, postura de funcionários 3%, condições dos trens 2% e condições das estações 1%.
Morar perto do trabalho
A oferta de transporte coletivo em Berlim não é pouca, mesmo assim essa forma de locomoção não é a mais usada. Apenas 22% dos berlinenses e 8% dos moradores de Brandenburg se utilizam da extensa malha ferroviária, dos ônibus e balsas do sistema. O alemão gosta, sobretudo, de morar perto do trabalho para não perder tempo com deslocamentos. Se sua ocupação principal não for na rua ao lado, que o percurso não ultrapasse 30 minutos do seu sagrado dia.
Esse comportamento só é possível por dois fatores: a maioria ainda vive em moradia alugada – portanto tem flexibilidade de mudança – e ainda há relativa estabilidade no emprego. Dois elementos determinantes que diferenciam Berlim de capitais brasileiras como Rio de Janeiro e São Paulo, onde a rotatividade de emprego é extremamente alta e a maioria da população vive em casa própria, mesmo que para isso esteja a 30, 40 km de distância do local de trabalho ou do centro da cidade.
Em Berlim, o trajeto casa-trabalho é percorrido à pé por 29% dos moradores, de bicicleta por 8% e de carro particular por 39%. Muitos compartilham seus automóveis para reduzir custos e evitar dirigir a semana inteira – é a chamada Fahrgemeinschaft.
O governo alemão tem investido pesado na infra-estrutura de transporte coletivo para reverter esse quadro, sobretudo porque o sistema precisa de mais usuários para ser custeado. Outro fator preponderante é a elevação da emissão de gases poluentes na cidade. Dados da Administração do Senado
para Desenvolvimento da Cidade (StEP) apontam que, desde 1989, o tráfego em Berlim vem aumentando, apesar do número de moradores e de postos de trabalho ter caído. Nos últimos 18 anos, a emissão de gases na cidade subiu em mais de 12%.
Além disso, a dinâmica capital alemã já gastou mais de €3 bilhões na construção, reparação e iluminação de ruas nos últimos 17 anos. Em contrapartida recebeu apenas €1,89 bilhão em impostos sobre circulação de veículos. Apesar da melhoria do transporte coletivo, a subvenção do Estado pelos serviços da BVG, por exemplo, diminuíu de €770 milhões em 1993 para € 410 milhões no ano 2000.
Mobilidade inofensiva
Por esses e outros motivos, as autoridades de Berlim elaborou um detalhado estudo, que já se tornou uma estratégia de desenvolvimento do tráfego na cidade com metas futuristas. Chamado “Mobil 2010 – Mobilidade para Todos, mas inofensiva à Cidade”, o projeto dispõe de 65 ações concretas, que prevêem, por exemplo, reduzir de 39% para 34% até o ano 2015 a cota de carros particulares na forma de locomoção pela cidade. Para isso estão previstos investimentos, sobretudo, no transporte sobre trilhos e de bicicletas. Parte desses fomentos serão originados da própria receita da capital federal alemã e outra parte devem ser disponibilizados pela União Européia.
O custo total do projeto está estimado em nada menos que € 11,9 bilhões. Desse montante, € 7,3 bilhões já são planejados na prestação de serviços de transporte público. Outros €4,6 bilhões são variáveis e poderão ser usados em projetos de financiamento para reparação, conserto e manutenção de bondes, metrôs e trens (€ 3 bilhões); outros €0,15 bilhões para o fomento do trânsito de bicicletas e o restante €1,15 bilhão para obras complementares, de melhorias e de estabilização da infra-estrutura do transporte sobre trilhos.
“Os carros não são as únicas fontes de emissão de gases. Alguns poluentes registrados em Berlim vêm de fora da cidade. De qualquer forma, o plano prevê reduzir claramente a descarga de gases, sobretudo, dos óxidos de nitrogênio e dióxido de carbono”, comenta Burkhard Horn, responsável pelo Departamento de Desenvolvimento Urbano da StEP.
Neste ano, segundo ele, estão sendo investidos €3 milhões para o tráfego de bicicletas. No médio prazo, as obras de melhoria e ampliação da malha de ciclovias em Berlim vai aumentar para €5 milhões anuais. A fonte dos recursos, no entanto, passam longe de Bruxelas.
Fonte: Estadão