Um erro soma-se a outro erro e assim, sucessivamente, o resultado é a tragédia. No caso paulistano, a tragédia urbana. A começar pelo erro de que o correto, para bloquear as enchentes, seria construir piscinões. E por aí prosperam esses monstrengos – açudes artificiais onde as águas ficam represadas na época das chuvas e que, depois, se transformam em depósito de lixo, ratos, doenças. É dinheiro atirado em soluções episódicas e, depois, literalmente no esgoto. O outro erro é a impermeabilização do solo. O solo é para tudo: prédios, nos loteamentos, e carros, milhões deles, nas ruas e avenidas. Não sobra nadinha de nada para que as águas pluviais possam escorrer. Há as galerias, mas estas, construídas na época dos Afonsinhos, não drenam nem vento. Vivemos, portanto, numa cidade que preserva o solo para o asfalto e para o carro, excluindoo para as águas, plantas e gente. Outro erro: aprofundar a calha do Tietê sem remover, lá na frente, os obstáculos que impedem o escoamento das águas. É como aprofundar a capacidade de armazenamento de água de um açude. Mas de um açude de água podre.
Resumindo: as empresas que operam esses serviços, removendo entulhos – sedimento, sofás, geladeiras, garrafas plásticas e toneladas de outra espécie de lixo – vivem se repetindo, repetindo continuamente as mesmas operações. Sem abrir o rio para água corrente, deixando-o livre para escorrer as águas pluviais, nada há a fazer. Isso apenas aumenta o papel que o poder público lhe deu até aqui: o de prosseguir como um imenso e vergonhoso esgoto a céu aberto. Mas há outro erro: a duplicação das marginais.
Há quem goste disso. O carro gosta. E, pelo visto, o governo também. Agora mesmo, ele anda informando que um dia o paulistano dará as costas ao transporte individual e passará a preferir o transporte coletivo, que terá solução mágica. O Metrô e a CPTM comunicam que vão investir R$ 20 bilhões de 2007 a 2010 para deixar o transporte público em dia. Será que alguém pode acreditar nisso? No fundo, a informação parece mais uma tentativa para desviar a atenção cidadã do erro original cometido contra a cidade, com a utilização anárquica do solo urbano. Sem um planejamento efetivo, que inclua rios, plantas e gente como prioridade para a solução do caos, o caos continuará.
Fonte: Estadão