O país nórdico está mais adiantado no processo, seguido por Alemanha e Inglaterra. Todos buscam redução de custos e prazo nas obras públicas
Joseph Young – Londres (Inglaterra)
Com alguns dos maiores projetos de infraestrutura em curso —como o Crossrail e a linha HP3 de trem de alta velocidade, a Inglaterra está adotando uma abordagem ampla para implementar no mercado de obras públicas a tecnologia digital e colaborativa da modalidade BIM. O programa está sendo conduzido pelo Departamento de Inovação em Negócios e Competências, subordinado ao gabinete do Primeiro-Ministro — o mais alto nível do Executivo britânico. O consultor-professor David Philp, líder da força-tarefa BIM e pertencente à empresa de engenharia Mace, apontou, na sua palestra no evento Be Inspired da Bentley, em Londres, que a economia britânica não tinha mais condições de suportar a baixa produtividade do setor de construção. Era preciso uma mudança cultural.
A estratégia britânica prevê o uso do BIM em 3D para todas as informações de projeto e dos ativos, com documentação e dados em formato eletrônico. Um plano por etapas será publicado, com marcos de realização mensurável e de cumprimento obrigatório para as agências públicas que gerenciam obras.
Empresas de engenharia já comprovaram que o governo como cliente pode obter ganhos significativos em custos, valor e menor geração de carbono com o uso aberto e compartilhado de informações sobre ativos (obras). O BIM também é uma forma colaborativa de se trabalhar, mantendo em sintonia permanente — e praticamente em tempo real — os diferentes profissionais envolvidos no projeto: arquiteto, projetistas, engenheiro estrutural, gerente do empreendimento, proprietário, subempreiteiros, ligando os esboços em 2D aos modelos em 3D.
O programa BIM do governo definiu os seguintes níveis:
1 – Uso de CAD não gerenciado em 2D, com troca de informações em papel ou arquivo eletrônico entre os participantes;
2 – CAD gerenciado em 2D ou 3D, usando a norma BS 1192:2007 com ambiente comum de dados, mas gerenciamento de dados comercial e independente;
3 – Ambiente 3D gerenciado usando ferramentas separadas da modalidade BIM, com dados relacionados e dados comerciais integrados;
4 – BIM integrado acessando todas as formas disponíveis de dados, agregando valor à operação e suportado por padrões abertos.
O elemento-chave é o ambiente colaborativo único de dados – CDE, na sigla em inglês —, que permite compartilhar todas as informações de projeto, seja em formato BIM, seja em formato convencional.
Projeto piloto
O projeto Cookham Wood, perto de Rochester, em Kent, consiste na reforma de um presídio feminino para uso por jovens de sexo masculino, tendo como contratante o Ministério da Justiça, e contratadas as empresas HLN Architects, no projeto arquitetônico; Arup, no gerenciamento de CAD/BIM; Interserve Construction, nos serviços de construção; e Faithful+Gould, como gerente de projeto.
O Ministério da Justiça usa o BIM há dez anos e, para reforçar o ambiente colaborativo de trabalho entre as partes, a licitação é feita em duas etapas, possibilitando o engajamento antecipado da construtora contratada.
Os arquivos em 2D da instalação foram convertidos para 3D pela área de projetos do ministério num prazo de seis semanas. O modelo em 3D facilitou as apresentações perante a administração local e as comunidades em audiência pública, mostrando virtualmente os possíveis impactos da reforma no presídio. Esse modelo visual também permitiu que o pessoal de operação posterior do presídio pudesse sugerir mudanças no projeto, como a troca de visores envidraçados para aberturas protegidas por barras, de modo que os guardas pudessem ouvir possíveis distúrbios dos detentos. Essa falha seria improvável de ser vista pelo pessoal se as plantas fossem em 2D.
Ao acessar todas as informações de projeto num único modelo se reduz sensivelmente a ocorrência de erros. Independentemente do impresso final — desenho, detalhe construtivo ou cronograma —, as informações são fornecidas por uma única fonte. Para efeito de atualização, basta introduzir as mudanças no modelo. A evolução da obra pode ser monitorada através de parâmetros de espaço e equipamentos.
O uso do modelo único para gerar informações e desenhos trouxe economia e maior precisão. O detalhamento executivo das peças pré-moldadas dessa reforma teria exigido grande quantidade de plantas e seções em 2D se não se dispusesse do modelo em 3D. Imagens “escaneadas” pelo processo Lidar dos pré-moldados produzidos em canteiro ou parte da estrutura pronta podem ser inseridos dentro do modelo BIM, para validar a aceitação pelo cliente. Esse processo reduziu as interferências imprevistas na fase de execução, agilizando os trabalhos.
Um dos resultados palpáveis no uso do BIM é uma maior concentração de trabalho na fase do projeto, cuja maior duração precisa ser prevista no cronograma, quando mudanças podem ser feitas com mais facilidade e a menor custo, antecipando-se à execução física. A avaliação semanal do modelo 3D da obra em curso entre as equipes envolvidas alinha as mudanças ocorridas e evita o gargalo de alterações tardias feitas de uma só vez. Problemas são visualizados rapidamente, acelerando sua resolução. Os comentários e seus autores podem ser regis
trados no próprio modelo. Sem esse modelo, as alterações teriam de ser transmitidas de um nível a outro, de pessoa a pessoa, com possíveis erros.
A feitura de um modelo 3D ao nível do solo, com todos os dados do sítio físico, permitiu que se chegasse rapidamente a soluções na terraplenagem, os cortes e aterros, e as obras de fundações e impactos ambientais. O modelo foi apresentado na forma de um pdf interativo que a equipe toda podia manusear. O projeto podia ser verificado com recursos embutidos no software.
As zonas reservadas à manutenção da instalação ou equipamento puderam ser checadas quanto a obstruções, através do recurso chamado “clash detection”. Foram inseridos no modelo ainda os riscos de saúde e segurança nas fases de construção e operação, para ser visualizados e checados pelas equipes.
Um fluxo contínuo de informação
Ao contrário da abordagem tradicional, em que as informações e os conhecimentos são transmitidos por etapas separadas – concepção, detalhamento, concorrência, construção e operação –, o BIM permite fluxo ininterrupto de dados entre essas fases, reduzindo o retrabalho e o desperdício — que juntos representam um alto custo em canteiros de obras.
Embora os práticas tradicionais continuem em maior parte válidas, não podemos temer mudanças que se tornam possíveis com o uso da modalidade BIM e projetos digitais em 3D, afirmam os técnicos envolvidos no projeto. Identificar interferências físicas e medidas incorretas através uma montanha de desenhos em 2D demanda tempo e muita experiência. Invariavelmente alguns erros passam e somente aparecem no canteiro. Como o modelo 3D, esses erros não têm como se esconder.
A construtora Interserve continuou atualizando o modelo 3D ao longo das obras do presídio e usou um registro de riscos para rastrear e priorizar problemas detectados, a fim de resolvê-los em tempo hábil.
A coordenação na produção dos desenhos a partir de um modelo único eliminou virtualmente os erros, refletindo-se positivamente na execução das peças pré-moldadas do presídio em usina e na montagem final no sítio.
A evolução desse programa baseado em BIM do governo britânico prevê ainda as etapas 4D, que agrega o fator tempo, 5D, que permite gerar os quantitativos da obra do modelo eletrônico, de forma automática, correlacionados a um plano de custos de construção, e finalmente 6D, que se refere aos dados essenciais para a manutenção da obra ao longo do seu ciclo de vida, inclusive especificações dos materiais. Esses dados permitem avaliações prévias de conjuntos de trabalho, como estruturas de alvenaria ou de metal.
O desempenho da produção efetiva em canteiro pode ser calculado e comparado aos índices reais obtidos, projetando-se a seguir os possíveis atrasos no cronograma e volumes físicos não executados — bem como os avanços diários para tirar o atraso. Daí as equipes de trabalho vão poder analisar os gargalos e soluções.
O Ministério da Justiça britânico planeja transferir esses dados do modelo BIM, através do software COBie, para o programa Planet do setor de manutenção de instalações físicas, possibilitando a compra em bloco de materiais e serviços a menor custo, além de facilitar a identificação de problemas fora do padrão.
Esse projeto piloto reconhece as muitas vantagens do BIM, mas também lista as dificuldades a vencer: a necessidade de maiores mudanças porque ainda se está construindo de forma tradicional, embora de forma mais produtiva e inteligente; melhora da compatibilidade entre o cliente e a cadeia de fornecedores; melhora da conectividade e capacidade em TI na transferência de grandes arquivos eletrônicos, sua guarda e as conexões no canteiro de obras; o custo e o investimento em hardware e software requer o convencimento e a aprovação de terceiros; e falta ainda maturidade ao processo BIM, dificuldades na interface entre softwares, problemas entre softwares concorrentes, e insuficiência de conhecimento e experiência.
Fonte: Revista O Empreiteiro