Tubos ao mar

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Os construtores do emissário submarino de esgotos de Ipanema enfrentam adversário difícil, imprevisível e às vezes traiçoeiro: o mar. Escavar uma vala em plena zona de arrebentação para nela lançar tubos de cerca de 20 t é tarefa bastante árdua que o empreiteiro nacional tem sabido enfrentar e vencer. Esta reportagem conta a luta do homem contra o mar, os problemas que surge e as soluções adotadas na construção do primeiro emissário submarino de esgotos da América do Sul.

Este é o primeiro parágrafo que abriu a reportagem intitulada “Emissário de Ipanema é luta no mar”, na edição de julho de 1971 da revista O Empreiteiro, e que narra as peripécias da execução das obras, divididas em duas etapas: na zona da praia (on shore) e em alto mar (off shore). Com 4.325 m de extensão e concebido para dar destinação final aos esgotos da zona sul da então estrada da Guanabara, despejando-os a 4 km da praia, o emissário teve seu projeto idealizado pelo Consórcio Engineering Science, com assistência técnica das empresas Planidro e Underwater Devices.
Com o canteiro de obras instalado pela construtora Constran em mais de 13 mil m2 de área da praia de Ipanema, foi especialmente construída pela Metalflex uma treliça metálica que serviu de plataforma de serviços e sustentou o equipamento adotado para escavação, cravação de estacas-pranchas e lançamento dos tubos (especialmente fabricados pela Brasilit). Com 309 m mar adentro, a plataforma teve prevista uma ampliação posterior para 450 m, de modo a permitir maior segurança nos trabalhos.
Após vencer o trecho de praia, as obras do emissário passaram a enfrentar os maiores desafios: a escavação de uma vala de 6 m de largura por 5 m de profundidade na zona de arrebentação, e o assentamento dos tubos abaixo do nível d’água. Foram especificados tubos de concreto armando de 2,40 m de diâmetro e peso de 19 e 22 t. Fortes ressacas, no entanto, paralisaram por quatro vezes os trabalhos. Numa das vezes, a plataforma metálica foi arrancada e destroçada completamente.
Os tubos de concreto, com 5 m de comprimento e 20 cm de espessura, receberam cuidados especiais no recobrimento interno e externo das armaduras (4 cm no mínimo), para impedir que a água salgada e o esgoto atingissem a ferrugem, bem como na estanqueidade de cada junta, com uso da técnica de injeção de pressão entre os anéis, por meio de um pequeno tubo de cupro-níquel 70.
Em agosto de 1973, após um período de paralisação, o consórcio constituído pelas empresas Bahia Construtora, G.E.M. Hersent e Spie-Batignolles (as duas últimas francesas), começou a dar continuidade aos trabalhos de construção do emissário. “A obra apresenta uma nova técnica, escapando do modelo clássico de assentamento de tubos no mar, com características peculiares que poderão servir de escola para futuras obras similares no Brasil. O novo processo desenvolvido pela Spie-Batignolles adapta-se às condições locais, onde o mar se apresenta como obstáculo difícil de ser vencido, tendo ocasionado a paralisação anterior das obras por longo tempo e o desligamento da empreiteira contratada”, informou a revista O Empreiteiro em sua edição de outubro de 1974.
O processo então adotado consistiu no assentamento de tubos de diversos comprimentos e diâmetro constante de 2,40 m sobre tubulações de aço de 1,40 m de diâmetro, unidos por braçadeiras constituídas de berços e chapéus de concreto armando. Dessa maneira pôde ser eliminado o enrocamento de proteção que não havia se mostrado viável economicamente e superadas as eventuais dificuldades provocadas por alterações no fundo do mar, as quais provocaram esforços indesejáveis à tubulação.
Outro ponto importante foi o uso de equipamentos especializados, o que imprimiu um ritmo veloz aos trabalhos e possibilitou o assentamento de segmentos independentes do emissário. Ainda segundo edição da revista O Empreiteiro da época, o fator decisivo para o sucesso do processo construtivo colocado em prática foi o uso de tubos protendidos. Com isso foi possível assentar tubos de grandes dimensões, que chegaram a 17,78 m de comprimento nas zonas 1 e 2, a 40,88 m nas zonas 3 e 4, e a 50,12 m nas zonas 5 e 6, em vez das unidades de 5 m adotadas no processo que foi abandonado, isto porque a protensão assegurou que os tubos longos resistissem a grandes flexões e fossem apoiados apenas nas extremidades.
Inaugurado em setembro de 1975, o emissário de Ipanema responde atualmente pelo tratamento de esgotos das bacias do centro e da zona sul da cidade do Rio de Janeiro. Os esgotos são lançados ao mar por meio de 180 difusores, cada um com orifícios de 17 cm de diâmetro, posicionados a 45º abaixo da geratriz lateral pelos dois lados dos tubos.

 

 

Naufrágio de embarcação

Em meados de 1974, enquanto eram tocadas as obras do emissário e Ipanema, a cidade de Salvador (BA) dava por encerrados os trabalhos de construção do emissário submarino local, que compreendeu o trecho terrestre de 1 km de extensão assentado ao longo do rio Camarogipe, e trecho submarino, com 2.400 m de extensão e profundidade máxima de 27 m. As obras foram executadas pelo Consórcio Odebrecht/Concic/Ebos, com apoio tecnológico da Raymond International e da Cen-Vi-Rio, esta para fabricação dos tubos. Os projetos foram desenvolvidos pela Encibra e Geotécnica. A Raymond, que atuou como subempreiteira, trouxe equipamentos e uma equipe de 250 homens entre engenheiros, técnicos e operadores.
Os tubos – um total de 680 – com 1,75 m de diâmetro interno, 2,44 m de diâmetro externo e 5,25 m de comprimento, foram pré-fabricados no canteiro, seguindo um processo então inédito no País, destinado a garantir grande resistência à corrosão e à compressão e que empregou cura térmica controlada.
Segundo noticiou a revista O Empreiteiro de março de 1974, “apesar do naufrágio de uma de suas embarcações, que provocou um atraso de quatro meses nos trabalhos, a empreiteira deve entregar dentro do prazo – 15 de maio – o primeiro emissário submarino de esgotos da América Latina, em Salvador. Isso só se tornou possível com a utilização de técnicas construtivas e equipamentos especificamente projetados, com o horse que trabalhou no assentamento dos tubos em alto mar e o pórtico autopropulsor Drott, que cumpre a mesma tarefa em terra”.

 

Operação Boiúna no rio Negro

No ano seguinte – 1975 – a revista O Empreiteiro dedicou algumas páginas de sua edição de junho para narrar a obra de lançamento do emissário de Manaus (AM), que estava em curso. A Transpavi-Codrasa, responsável pelos trabalhos, emprestou das l
endas a imagem da “Boiúna”, uma cobra encantada de dimensões gigantescas que costumava vagar pelos rios da Amazônia em noites escuras, com olhos de fogo e presas tão grandes que parecem chifres. A construtora adotou um novo processo para lançar nas águas escuras do rio Negro, a profundidade de até 58 m, a tubulação de polietileno de alta densidade que constituiria o emissário de Manaus.
Com 1 m de diâmetro e extensão total e 3.600 m, os tubos tiveram seus segmentos parciais unidos por solda termoplástica. As vantagens foram significativas para a Companhia de Saneamento do Amazonas (Cosama): custo médio até três vezes inferior aos dos métodos clássicos e prazo de execução inimaginável, que se traduziu na prática a apenas oito meses.
De boa flexibilidade, o tubo de polietileno de alta densidade foi lançado diretamente sobre o leito, dispensando proteções, apoio, alinhamento e outros preparativos. Sua resistência contra agentes químicos foi considerada excelente: sua superfície é lisa e não se altera com o tempo. Tecnicamente, a solução mostrou-se a mais apropriada, pois o lançamento no rio Negro ocorreu em meio a intenso tráfego de embarcações, inclusive de navios de longo curso. O lançamento contínuo foi independente do nível da água, cuja variação entre mínimo e máximo atingiu 16 m.
Os tubos foram fabricados na Alemanha pela Europlast e sua preparação foi feita no canteiro, onde segmentos de 18 m foram unidos com máquina especial, através de uma placa de soldagem aquecida a 220º C por meio de resistência elétrica. Apenas os primeiros 600 m foram instalados em vala, previamente executada no leito do rio até profundidades de 30 m, por draga especialmente trazida da Alemanha. O restante da tubulação ficou simplesmente apoiado no leito do rio, ancorado com peso de concreto armado, garantindo sua estabilidade sob o efeito da correnteza. A flexibilidade dos tubos permitiu, ao longo do tempo, acompanhar eventuais movimentos no leito, atingindo sempre um novo estado de equilíbrio, sem prejuízo da estanqueidade, por motivo da ausência de juntas convencionais. Reabilitado pela Cosama no período de 1996 a 2000, o emissário continua em operação.

 

 

 

Notas bibliográficas
Revisa O Empreiteiro, edições de julho/1971, março/1974, outubro/1974 e junho/julho/1975
Ás águas rolaram, publicação da Secretaria de Estados de Saneamento e Recursos Hídricos/Cedae (2001)
 

Fonte: Padrão


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