Túneis e reservatórios são a solução

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Enquanto São Paulo anuncia plano para acabar com as enchentes em 20 anos, cidades americanas investem na conversão da infraestrutura existente em “verde”, além de escavar túneis e reservatórios para captar águas pluviais

Vanessa Vignati

“São as águas de março fechando o verão… É pau, é pedra, é o fim do caminho”. Há quase 40 anos, a trilha sonora de Tom Jobim ecoa por diversas regiões do Brasil que suportaram um dos verões mais chuvosos dos anos recentes. As medidas de emergência adotadas pelo governo paulista para amenizar os efeitos do transbordamento do rio Tietê em São Paulo prevê obras a serem executadas a curto prazo. O projeto antienchente anunciado pelo governador Geraldo Alckmin em março último implica a construção de quatro muros de contenção no rio e sete piscinões, somados à remoção de 2,8 milhões de m³ de lixo e sedimentos no leito do rio que reduzem a vazão das águas.


Mas, segundo o geólogo Luiz Ferreira Vaz, para superar essa situação é necessário investir numa rede de túneis e reservatórios, a exemplo do que fez a cidade de Chicago, nos Estados Unidos, para absorver e armazenar as águas no pico da enchente, que as redes de drenagem existentes não conseguem escoar, e em consequência, acabam por alagar ruas e praças.


Para o geólogo e mestre em engenharia Oriovaldo Cunha Martinez, esta é uma proposta próxima à definitiva. Entretanto, é necessário mais que simples túneis. “É imprescindível uma estrutura subterrânea capaz de ser gerenciada nas suas consequências, como limpeza e manutenção do lixo acumulado nos túneis, trazido pelas águas”, avalia.
O professor de Engenharia Hidráulica e Sanitária da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo, José Rodolfo Scarati Martins, também é partidário dessa opinião. “Temos um problema na questão dos túneis que é o lixo. Grande parte dos cidadãos deixa os sacos de lixo na calçada para serem recolhidos, só que a chuva não tem hora e o saco é arrastado. Para que esta seja a solução, será necessária a obrigatoriedade de aulas de educação ambiental nas instituições de ensino”, explica.

O exemplo de Chicago
Chicago ficou marcada por frequentes epidemias nos séculos 19 e 20, pois o lago Michigan não era capaz de suportar o volume d´água das tempestades na região. O esgoto transbordava para dentro do lago e as bombas que abasteciam a rede pública forneciam água contaminada.. Em meados de 1970 foi encomendado um projeto que visava a reduzir as inundações na área metropolitana. O plano conhecido popularmente como “Túneis Profundos” desvia o fluxo das águas pluviais e esgoto para reservatórios de retenção temporária.


Administrado pelo Distrito Metropolitano de Recuperação de Água da Grande Chicago, o projeto está previsto para ser finalizado em 2019. Grande parte do sistema está operando e em quase três décadas já foram investidos mais de US$ 3 dos 4 bilhões previstos com as obras do “Tunnel and Reservoir Plan” (TARP). O projeto foi escolhido como o que apresentava melhor custo-benefício para reduzir a poluição das águas do lago Michigan e os efeitos das inundações. Foram projetados 176 km de túneis com 3 a 10 m de diâmetro, escavados em rocha de calcário dolomítico, a 107 m abaixo da superfície, com a finalidade de coletar os fluxos combinados de esgoto sanitário e água pluvial, encaminhá-los a reservatórios gigantescos, para serem liberados gradativamente para as estações de tratamento.


A primeira fase do projeto foi dirigida para o controle da poluição por esgoto e as estações de tratamento para eliminar quase 85 % dessa contaminaçao. Quatro sistemas de túneis e reservatórios compõem esta etapa: Mainstream (62,2 km), Des Plaines (41,2 km), Calumet (59,1 km) e O’Hare (10,6 km). A escavaçao só foi possível com o uso de tuneladoras TBM, com até 10,8 m de diâmetro, a maior construída até então na época. Em 2005, mais de 160 km dos túneis reservatórios começaram a operar.


A segunda fase inclui a construção dos reservatórios com capacidade total de 69,05 bilhões de litros para armazenar a água das enchentes e reduzir os efeitos das inundações, até que possa ser tratada. O sistema de reservatório O’Hare foi finalizado em 1998. A primeira etapa do depósito McCook está prevista para ser concluída em 2017. De acordo com o Distrito Metropolitano de Recuperação de Águas de Chicago, este reservatório significará uma economia de mais de US$ 90 milhões por ano em danos causados por inundações para três milhões de habitantes em 37 comunidades. Já o reservatório Thorntonque finalizará suas obras em 2015, poupará US$ 40 milhões anuais de prejuízo a 556 mil pessoas em 15 bairros.


O TARP ganhou o prêmio da Sociedade Americana de Engenheiros Civis em 1986, como modelo de projeto de engenharia civil e está servindo como exemplo de uma ferramenta de gerenciamento de água urbana em todo o mundo.


Os principais objetivos do programa são a proteção do lago Michigan, a melhora da qualidade da água potável na região e a diminuição das enchentes e inundações. O plano já melhorou consideravelmente a qualidade de água do rio Chicago, valorizando o crescimento imobiliário e os negócios nestas áreas.


Mas os projetos não param por aí. A paisagem urbana de uma cidade como Chicago, construída sobre um pântano, reserva pouco espaço para as áreas verdes. O lençol freático elevado contribui para uma absorção mais lenta das águas das chuvas. E por isso Chicago está investindo em infraestrutura verde, com o intuito de reduzir a quantidade de água que ingressa no sistema de esgoto, pois quando este extravasa, torna as vias navegáveis impróprias para o lazer e a água para o consumo. O Departamento Municipal de Gestão de Água gasta aproximadamente US$ 50 milhões por ano para limpar e recuperar 7 mil km de redes de esgoto e 340 mil estruturas de drenagem correlatas.


De acordo com o Distrito de Recuperação de Água de Chicago, o investimento no projeto TARP por si só não satisfaz todas as necessidades para a gestão de águas residuais. Com o intuito de garantir a qualidade de recursos hídricos, é necessário combinar o TARP com a infraestrutura chamada verde, reduzindo assim o volume de água que ingressa nos túneis e nos reservatórios.


Uma das medidas para a criação desta “eco-infraestrutura” será a pavimentação permeável – particularmente apropriada para estacionamentos, calçadas, estradas e vias de acesso – que promove a absorção da chuva e é eficaz na redução no volume de escoamento superficial, em especial quando ocorrem as pequenas e médias tempestades. Este projeto terá melhor efeito nas áreas próximas ao lago Michigan, onde há solos arenosos. Entre as alternativas de pavimentação permeável, Chicago estuda a porosa, que se baseia em material composto de partículas maiores, e as precipitações são rapidamente filtradas para a base que as absorvem. O problema é que este tipo de pavimentação está propenso a entupir, necessitando de uma maior manutenção, principalmente na época de nevascas. Mesmo assim, estudos realizados pelo Departamento de Água concluíram que essa pode ser uma alternativa confiável e economicamente viável. Embora seja de duas a três vezes mais caro que o pavimento de asfalto convencional, o material poroso reduz as quantidades de água escoada para o esgoto e tem maior durabilidade.

“Eco-Infraestrutura”
A cidade de Filadélfia, nos EUA, também esta implementando um plano similar no combate às enchentes, transformando parte da infraestrutura cinza existente para verde, ou seja, estruturas construídas que imitam os fenômenos naturais. Uma das propostas é converter um terço do solo (4 mil hectares) da cidade em superfície permeável. Este novo plano de 1,6 bilhão de dólares e vinte anos de execução combinará o controle das inundações com o ecossistema urbano. A iniciativa foi desenvolvida em grande parte para cumprir os requisitos das legislações federais e estaduais visando à redução do transbordamento das redes de esgoto. O programa ainda precisa da aprovação do Departamento de Proteção do Meio Ambiente, mas tem atraído a atenção de grupos ambientais e defensores do desenvolvimento sustentável em todo o país – além de atrair doações.


Segundo o diretor do Instituto de Bacias Hidrográficas do Departamento de Água da Filadélfia, Howard Neukrug, não há muitas entidades querendo investir em um túnel, mas se o objetivo é plantar mais árvores há uma série de organizações, pessoas e agências governamentais que apoiam a iniciativa.


Os espaços verdes reconstruídos incluem um processo biomimético, imitando a natureza. Além do uso do solo permeável, haverá plantio de árvores e vegetações que absorverão parte do fluxo pluvial. Naturalmente parte d’água se evapora e o excesso será absorvido pelas raízes das árvores, além de ser liberado aos poucos por uma trincheira de armazenamento e encaminhada aos bueiros.


O projeto ainda inclui melhorias em parques, como o Herron, que está localizado em Queen Village, um bairro servido por um sistema de esgoto que capta também as águas pluviais. Juntamente com o Departamento de Recreação da Filadélfia, o Departamento de Água projeta a reconstrução total da área.


Em 2003 a Filadélfia já estava pensando numa “eco-urbanização”. O Distrito Escolar da cidade anunciou um ambicioso plano de 1,5 bilhão de dólares, que incluía a construção de diversos institutos educacionais, chamados de Escola do Futuro com Telhados Verdes, para reduzir o efeito das chuvas. Financiado em parte pela Agência de Proteção Ambiental dos EUA, por meio de uma subvenção para o Departamento de Água da Filadélfia, o sistema de telhados verdes foi projetado para o cultivo de plantas, amenizando o volume de águas pluviais, e o restante é recolhido por uma cisterna de grandes dimensões e usado para lavar os banheiros dos prédios. A iniciativa ainda reduz o consumo de energia com ar-condicionado, já que os telhados verdes proporcionam temperaturas mais amenas.

Fonte: Estadão


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