Uma universalização provável até 2030?

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Desde 2011, País tem necessidade de investirao menos R$ 20 bilhões por ano para atingir metade universalização do saneamento básico em20 anos — mas o objetivo parece cada vez mais longe

Renato Brandão

Apesar da importância para saúde e meio ambiente, a universalização do saneamento básico no Brasil quase sempre esteve à margem das prioridades do poder público. O setor praticamente não avançou durante quase duas décadas, desde o processo de extinção do Plano Nacional de Saneamento (Planasa), no final da década de 1980.
Constituído sob o governo militar, o Planasa ajudou a organizar companhias de saneamento para cada unidade federativa, que detinham o monopólio na prestação de serviços. Depois de extinto, esse modelo passou por reestruturação em vários estados.

No Paraná e em São Paulo, as respectivas companhias de saneamento Sanepar e Sabesp, privatizaram sistemas operadores, abriram capital de empresa e modificaram padrões técnicos de operação. No Amazonas, a companhia manauara foi privatizada. Já no Mato Grosso, a estatal Sanemat devolveu a prestação de serviços sanitários às prefeituras municipais.
Somente em 2007, o governo federal recolocou o saneamento básico dentro da agenda política nacional. Em janeiro daquele ano, através da lei nº. 11.445/2007, o Ministério das Cidades instituiu o Plano Nacional de Saneamento Básico (Plansab), que estabeleceria metas para o setor ao longo dos próximos anos.
Com foco no ano de 2030, estabelece a previsão de que 98% dos domicílios brasileiros sejam abastecidos por rede de distribuição (poço ou nascente, com canalização interna) e 88% dos domicílios brasileiros sejam atendidos por rede coletora (ou fossa séptica) de esgotos sanitários.
Para que essas metas vinguem, o Plansab estimou investimentos na casa dos R$ 420 bilhões, que viriam de um Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) específico. No entanto, cinco anos após seu lançamento, os resultados da execução do PAC 1, entre 2007 e 2010, são preocupantes e podem comprometer o cumprimento dos objetivos anunciados pelo Ministério das Cidades.
O PAC 1 previa R$ 40,2 bilhões, mas somente R$ 4,4 bilhões (ou 11%) foram utilizados para obras.
Um estudo divulgado, em maio passado, pelo Instituto Trata Brasil, entidade que monitora as 114 obras, em execução nas cidades com mais de 500 mil habitantes, previstas pelo programa, atesta que até dezembro de 2011 somente 8 (ou 7%) foram concluídas. Outras 60% estão com mais de 40% de execução e talvez sejam concluídas apenas neste ano. “O PAC 1 não se transformou em realidade. Os recursos até existem, mas eles não se converteram em obras acabadas”, lamenta Édison Carlos, presidente executivo do Trata Brasil.
A situação era particularmente desalentadora nas regiões Norte e Centro-Oeste, que tinham respectivamente 100% e 70% das obras paradas. Já no Sul e no Sudeste, regiões que concentram os melhores índices de atendimento da população, as execuções dentro do prazo chegavam a 60% e 50%.

*Édison Carlos, do Trata Brasil:“Os recursos até existem, maseles não se converteram emobras acabadas”

“Acredito que seja possível se cumprir com a meta de 2030, mas somente se o governo federal mantiver os recursos em longo prazo e houver uma prioridade política absoluta para o tema nos estados e municípios brasileiros”, crê o diretor do Trata Brasil.

*Em muitas regiões, como no bairro Comunidade Buenos Aires,de Horizonte (PE), o saneamento ainda é muito precário

Atrasos e promessas

O Ministério das Cidades argumenta que os atrasos na conclusão das obras ocorrem por diversas razões, desde a demora em obter os licenciamentos ambientais até a falta de engenheiros qualificados e técnicos capacitados para todos os trâmites legais e burocráticos que requerem as obras públicas. “Com mais de duas décadas sem investimentos, falta planejamento. Os municípios perderam capacidade de gerenciar projetos”, avalia Édison Carlos.
Para ele, seria fundamental que os estados dessem aporte aos menores municípios, principalmente com estrutura técnica e capacitação para projetos, na ajuda para obtenção das licenças, apoio jurídico para conseguir a titularidade de terrenos e outras formas de integração. “O cumprimento da meta de 2030 será impossível se os municípios continuarem tratando sozinhos do problema”, completa.
Ainda segundo estudos do Trata Brasil, estavam em situação normal no fim do ano passado apenas 31% das obras executadas com recursos do Orçamento Geral da União, 28% da Caixa Econômica Federal (e 4% concluídas, totalizando 32%) e 77% pelo BNDES (e 18% concluídas, inteirando 95%).
De acordo com o Ministério das Cidades, foram selecionados R$ 18 bilhões em projetos e contratados R$ 14 bilhões – na soma entre os dois PACs, foram selecionados quase R$ 60 bilhões, e mais R$ 54,7 bilhões já estão contratados.
O Palácio do Planalto prometeu investir mais de R$ 45 bilhões para a execução de obras de saneamento básico no País até 2014, com o PAC 2 do saneamento, iniciado em 2011. “O PAC 2 possui critérios mais rígidos para a aprovação de projetos do que o PAC 1”, constata Édison Carlos.
Já no final do ano passado, foram anunciados investimentos federais de R$ 3,7 bilhões (R$ 2,6 bilhões do Orçamento Geral da União, não onerosos para os municípios; e R$ 1,1 bilhão de Financiamento Público Federal) para a realização de 1.144 obras de abastecimento de água e esgotamento sanitário em municípios de até 50 mil habitantes – 1.116 municípios em todas as regiões do País.
Quase 105 milhões de brasileiros (55% da população) lança seus dejetos diretamente na natureza, contaminando solos e rios. Do esgoto que é coletado, somente um terço passa por tratamento, ou seja, apenas 15% de todo esgoto no País tem algum tratamento antes de sua disposição final.

Perdas sociais

Segundo a Organização Mundial da Saúde, cada R$ 1 investido em saneamento gera economia de R$ 4 na
área de saúde. De acordo com uma pesquisa da FGV, de 2010, 11% das faltas do trabalhador estão relacionadas a problemas causados por esse mesmo problema – 217 mil trabalhadores precisam se afastar de suas atividades devido a problemas gastrointestinais ligados à falta de saneamento.
A cada afastamento perdem-se 17 horas de trabalho. A probabilidade de uma pessoa com acesso a rede de esgoto faltar às suas atividades normais por diarreia é 19,2% menor que uma pessoa que não tem acesso à rede.
Em 2009, dos 462 mil pacientes internados por infecções gastrointestinais, 2.101 faleceram no hospital, segundo o banco de dados do Sistema Único de Saúde. O acesso universal ao saneamento permitiria uma redução de 25% no número de internações e de 65% na mortalidade (1.277 vidas salvas).
Na educação, a diferença de aproveitamento escolar entre crianças que têm e não têm acesso ao saneamento básico é de 18%.
“Não é prioridade política do município, e a população pouco cobra. O prefeito precisa ter consciência de que saneamento básico resolverá problemas de saúde, educação, turismo”, finaliza Édison Carlos, do Instituto Trata Brasil.

Condições do saneamento

Segundo levantamento do Ministério das Cidades com 5.564 municípios do País:
– 191,5 milhões de habitantes – 81,7% da população tem acesso a água tratada¹
– 44,5% da população brasileira tem acesso a rede de esgotos²
– 37,9% do esgoto coletado recebe tratamento
¹ 4.891 cidades enviaram informações quanto aos seus índices de atendimento com água, correspondendo a 97,2% da população.
² 1.739 municípios enviaram informações, correspondendo a 77,6% da população.
Se consideradas apenas grandes áreas urbanas, dos 81 maiores municípios do País, representando 72 milhões de pessoas:
– 52% da população atendida pela taxa de coleta de esgoto
– 129 l de água por dia é o consumo médio desta população
– 150 l de água por dia é o consumo médio do brasileiro
– 80% em média da água consumida transforma-se em esgoto
– 9,3 bilhões de l de esgoto é o total gerado todos os dias por essa população
– 5,9 bilhões de l de esgoto dessa população não são tratados

Fonte: Padrão


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