O aumento do interesse de grupos investidores de vários países de participar da construção do Trem de Alta Velocidade (TAV) brasileiro, acelera a licitação da obra
Ninguém vinha colocando em dúvida a possibilidade da colocação do TAV brasileiro em licitação. O EF-222 – nome oficial do trem que atinge a velocidade de 350 km/h – é uma das principais obras do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), mecanismo que vem permitindo ao governo federal dar maior visibilidade às iniciativas para a melhoria e ampliação da infraestrutura do País.
Ocorre que algumas divergências entre a Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT), do Ministério dos Transportes, e o Tribunal de Contas da União (TCU), vinham dificultando o processo de concorrência. O TCU exigia daquela agência a elaboração de um projeto básico do empreendimento, que incluísse aspectos econômicos e técnicos. Segundo o TCU, o estudo de demanda foi manipulado e apenas uma porcentagem insatisfatória dos trabalhos de geologia haviam sido executados. Mesmo assim, não ficaria descartado o risco de se antecipar, no projeto, a tecnologia que poderia ser adotada na operação do trem brasileiro de alta velocidade. A agência considerava que, caso essa escolha estivesse pré-estabelecida, alguns grupos concorrentes poderiam utilizar esse argumento para abandonar a disputa.
Dirimidas essas divergências, o governo volta a concentrar atenções para apressar o edital de licitação da obra, com o prazo de entrega das propostas até o dia 29 de novembro, embora considere as recomendações do relatório do TCU que, entre outras coisas, restringem o preço da passagem. De acordo com aqueles estudos, as tarifas na classe econômica deverão custar até R$ 149,85 nos horários normais e R$ 199,73 nos horários de rush. Além disso, as revisões tarifárias deverão ser realizadas a cada cinco anos e o percurso São Paulo-Rio de Janeiro, em uma extensão de 513 km, deva ser cumprido em apenas 1 hora e 33 minutos. O resultado do leilão deverá sair no dia 16 de dezembro deste ano, a assinatura de contrato com a vencedora do leilão em maio de 2011 e os estudos de traçado definitivos até setembro de 2011.
Outras recomendações do TCU: o teto do financiamento a ser feito pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) não pode exceder ao patamar de R$ 20 bilhões ou 60% do custo estimado, o que for menor; o edital deve proibir a possibilidade de aumento da tarifa, caso o número de passageiros seja inferior ao estimado; as receitas extras do trem, com a divulgação de propaganda, devem ser convertidas em redução de preço das tarifas e devem ser estabelecidas exigências de garantias para evitar que a obra não seja paralisada.Para fechar a engenharia financeira do trem-bala, seria criada a estatal Empresa de Transporte Ferroviário de Alta Velocidade (Etav), com 1/3 do capital da nova empresa ou R$ 3,4 bilhões. Só com desapropriações, seriam gastos R$ 2,2 bilhões.
Um dado importante nas recomendações do órgão fiscalizador se refere à retirada, do edital, da obrigatoriedade de uma parada, do TAV, na estação de Aparecida, cidade do Vale do Paraíba, interior paulista, para onde afluem multidões de católicos em direção à basílica local, em visita ao santuário de Nossa Senhora Aparecida.
Durante a elaboração do projeto, diversos prefeitos daquela região vinham pressionando o governo para que o trem parasse em outras estações, além da estação de Aparecida e outras oito previstas. Na prática, essas solicitações, se atendidas, poderiam inviabilizar o empreendimento segundo o conceito de trem de alta velocidade.
Outro ponto fundamental, nas recomendações do TCU, se refere ao preço do projeto, que foi revisto por este órgão de fiscalização. De início, o preço, considerando construção, operação, manutenção e conservação da linha ferroviária, era de R$ 34,6 bilhões. Com a revisão, o valor baixou para R$ 33,1 bilhões mas algumas construtoras recalcularam o orçamento para mais de R$ 50 bilhões.
Com relação aos aspectos técnicos, em especial às dificuldades levando-se em conta a geologia do traçado (haverá 130 km de túneis e viadutos), engenheiros brasileiros manifestam o entendimento de que os obstáculos serão superados. Argumentam que a engenharia brasileira é reconhecida em razão de adoção de soluções técnicas para obras complexas. E ilustram esse raciocínio informando que essa mesma tecnologia já construiu a Rodovia dos Imigrantes, cujos túneis e viadutos, na travessia do maciço da Serra do Mar, compõem um conjunto de obras de obras de engenharia das mais expressivas do mundo.
O traçado da obra continua o mesmo: liga o Aeroporto Internacional de Viracopos, em Campinas (SP), a cerca de 90 km de São Paulo, ao Aeroporto Internacional de Guarulhos, em São Paulo, conectando-se com o Aeroporto Internacional Tom Jobim, no Rio de Janeiro. O principal efeito da obra seria retirar desses trechos ou minimizar o fluxo de carros, ônibus e aviões. Mas para alguns especialistas em transportes, no caso dos veículos, o que engarrafa são as movimentações nos entornos das cidades e, com isso, o trem não vai mexer.
Interesse internacional
Quando o governo do presidente Lula anunciou a construção do TAV, registrou-se uma afluência do interesse de numerosos grupos investidores privados nacionais e internacionais. Só houve um leve arrefecimento nessa movimentação, quando o TCU entrou em cena. Logo em seguida, porém, grupos japoneses, coreanos, chineses, franceses, alemães e espanhóis voltaram a revelar a disposição para concorrer.
Isso levou o governo e o TCU a observarem a necessidade de sanar eventuais divergências, pois obra de tal importância não poderia ficar bloqueada. Dentre os grupos interessados, o governo do ministro José Blanco López, de Fomento da Espanha, declarou que está ansioso em participar da obra, uma vez que os espanhois detém ampla experiência nesse campo.
Em princípio, estaria descartada a possibilidade da construção e operação do TAV brasileiro para a Copa do Mundo de 2014. Tudo, porém, pode ser feito para que o EF-222 possa estar pronto no prazo previsto de seis anos, para atender à demanda de transporte durante outro grande evento esportivo internacional: a Olimpíada de 2016 no Rio de Janeiro.
Fonte: Estadão