Aquecimento global resgata energia nuclear e incentiva fontes limpas

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Depois do ostracismo a que ficou relegada após os acidentes nas usinas de Three Mile Island, nos EUA, em 1979, e de Chernobyl, na Rússia, em 1986, que atingiu dimensões assustadoras, a energia nuclear entra em nova era com a comprovação do fenômeno do aquecimento global, atribuído pelos cientistas à emissão dos gases do efeito estufa, produzidos pelos termelétricas a carvão, queimadas das florestas para dar lugar à agricultura, frotas de veículos acionados com derivados de petróleo e atividades industriais. A despeito de uma corrente de especialistas céticos, as usinas nucleares passaram a ser consideradas como alternativas para a redução desses gases, ao lado de outras fontes limpas como parques eólicos, plantas de energia solar etc. Os governos em todo o mundo estão repensando o uso da energia nuclear. As posições políticas são divergentes: na França, onde 79% da energia consumida vem de reatores nucleares, até o Partido Comunista é favorável; nos EUA são liberados subsídios para acelerar a implementação de 18 novas usinas; na Alemanha, onde se depende delas para atender a 31% da demanda energética, foi tomada a decisão de desativá-las; na Inglaterra há um ambicioso programa de novas plantas, que respondem por 20% da capacidade instalada; na Coréia do Sul o governo planeja construir oito novas usinas nucleares, as quais já produzem 45% da energia total. A Austrália que já mudou sua posição de não desenvolver novas minas de urânio, apresentou um relatório encomendado pelo governo propondo instalar sua própria indústria de energia nuclear, para reduzir os gases do efeito estufa. O país ocupa uma posição singular nesta questão – possui 38% das reservas mundiais de urânio de baixo custo, não opera uma única usina nuclear, pois 80% da energia é fornecidos pelo carvão relativamente barato e, o resto advém do gás natural. Esse estudo projeta quadruplicar a receita com exportação de óxido de urânio através do processo de enriquecimento, para produzir o próprio combustível nuclear. Ao mesmo tempo, recomenda que a elaboração de um programa para instalar sua primeira usina em 2020, para que sejam comissionadas 25 usinas até 2050, fornecendo um terço das necessidades do país e reduzindo os gases de efeito estufa em 20%. Essa energia é 50% mais cara do que a produzida em térmicas a carvão, o que poderia ser compensada com a adoção de taxas sobre emissão de carbono. As exportações de urânio da Austrália atingiram o recorde de 12 mil t em 2005, volume suficiente para gerar o dobro da sua própria demanda energética. Fala-se até de um renascimento da energia nuclear, com as plantas que estão sendo construídas em 13 países. Governos europeus estão retardando os planos para desativar suas usinas, enquanto os EUA e a Inglaterra querem simplificar os processos de aprovação ambiental de novas plantas, da mesma forma que países asiáticos aceleram os planos de novas usinas. Quanto à questão de segurança operacional do reator nuclear, os fabricantes afirmam que os projetos atuais são mais seguros, inclusive dotados de mecanismos de segurança passivos que dispensam a intervenção humana para interromper uma possível fissão nuclear – utilizando em seu lugar as leis de física. As agências reguladoras são também mais rigorosas quanto à segurança externa – o governo da Finlândia especificou que a usina em construção pela Areva francesa deve resistir ao impacto de um avião—uma clara alusão aos atentados de 11 de setembro em Nova York. Quanto à disposição dos rejeitos do combustível nuclear, a tendência atual é de armazená-los no subsolo. Embora estudos técnicos mostrem que a fissão nuclear é uma forma barata de produzir energia, o histórico das usinas nucleares mostra que são habituais os atrasos na construção, estouros significativos nos custos e “quebras mecânicas”. As empresas geradoras aparentemente revelam que estão dominando a tecnologia da manutenção, conseguindo manter as usinas em operação em 90% do tempo. Mas o grande desafio da energia nuclear está na política – nos regimes democráticos, os ventos a favor ou contra mudam segundo a velocidade aleatória das coalizões dos partidos políticos; a opinião pública é notoriamente volúvel e reflete, em alguns casos, o pensamento das autoridades da região onde vai ser instalada a usina nuclear. Os prazos de licenciamento são penosos, tanto que operadoras americanas e européias costumam instalar novas plantas ao lado das existentes, onde a população já não apresenta oposição. Outra alternativa técnica é expandir a capacidade de geração das usinas existentes. A Inglaterra está incentivando a expansão da indústria de energia nuclear, modificando sua legislação, de modo que o projeto de um reator é aprovado a nível nacional, deixando para as autoridades locais as questões secundárias. Os EUA, por sua vez, oferecem às operadoras de energia seguro de até US$ 2 bilhões contra atrasos no licenciamento. Outra dificuldade é o financiamento, já que as usinas nucleares apresentam custos e prazos maiores de construção que as térmicas a carvão ou gás. Poucas são as operadoras que podem suportar esses fatores. Em geral são as estatais. Aí entra a engenharia financeira. Um consórcio de empresas de energia e usuários da Finlândia está comprando uma nova usina nuclear com a contrapartida de garantia de fornecimento a preços de custo. O boom das energias limpas Nos EUA, existe uma corrida dos investidores de capital de risco disputando os empreendimentos de energia limpa, entre os quais se incluem os donos de negócios que ficaram milionários com a internet. Segundo fontes do mercado, esses investimentos de risco quadruplicaram nos últimos dois anos, passando de US$ 500 milhões em 2004 para quase US$ 2 bilhões em 2006; se todo tipo de investimento for computado, inclusive os de produção, o total pode ter atingido mais de US$ 60 bilhões em 2006. Essa corrida está sendo impulsionada pelos altos preços do petróleo, a necessidade de criar fontes mais seguras que se sujeitam a menos riscos políticos – e a crescente preocupação pelo fenômeno de aquecimento global, cujas evidências concretas estão à vista. Na visão dos analistas, por mais lenta que seja a adoção das fontes limpas de energia, esse processo vai gerar expansão espetacular para as empresas envolvidas. Mesmo sem poder precisar os horizontes de tempo em questão, as termelétricas a carvão e gás natural serão substituídas gradativamente pela energia solar e eólica, nos países que não disponham de usinas hidrelétricas; biocombustíveis vão desbancar a gasolina e o diesel, e fontes locais de geração terão prefer&ecir

c;ncia, ao invés das gigantescas usinas e linhas de transmissão. Diversos Estados americanos já lançaram metas para as fontes renováveis, como a Califórnia, que fixou em 20% da geração total até 2010. O Estado promove um programa conhecido como “Um milhão de telhados solares”, pelo qual vai investir US$ 2,9 bilhões em bônus para residências e empresas que instalarem painéis solares, além de crédito federal de impostos de 30% sobre o valor da instalação. Outras iniciativas incluem a obrigatoriedade na mistura de etanol na gasolina. Os planos da Comunidade Européia são mais ambiciosos ainda: 18% da produção energética obtida de fontes renováveis e 5,75% do combustível de transportes de fontes não fósseis até o ano de 2010. Para tanto, a produção de painéis solares teria que crescer 30% anuais para atender a essa demanda. No maior mercado mundial de energia solar, a Alemanha, o governo fixou o preço da energia renovável nos próximos 20 anos, numa escala decrescente ao longo do período, pagando até US$ 0,73 por kWh gerado na sistemas solares, comparado a cerca de um décimo dessa tarifa para fontes tradicionais e poluidoras. O custo da energia solar vem caindo rapidamente. As primeiras células que equipavam os satélites espaciais custavam US$ 200 por watt de energia gerada. Em 2005, o preço já havia recuado para cerca de US$ 2,70 por watt. Isso eqüivale a uma redução de quase 20% cada vez que a produção dobra. A escala de produção reduz o preço de forma inexorável, de modo que os subsídios apenas aceleram esse processo – e em tese, não deveriam ser permanentes. Isso aconteceu no Japão, onde os subsídios para energia solar terminaram em 2005. Quando foram introduzidos em 1994, os sistemas típicos custavam cerca de US$ 16 mil por kW produzido, com 50% pagos pelo governo. 500 sistemas foram instalados no primeiro ano. Dez anos mais tarde, o preço havia se reduzido para US$ 6 mil por kW e a população comprou 60 mil sistemas. Com o fim do subsídio, as vendas continuaram, embora o fato de as tarifas de eletricidade locais sejam das mais caras do mundo tenha facilitado a difusão da fonte solar. Entretanto, na maior parte dos países , as fontes renováveis continuarão sendo mais caras do que as convencionais num futuro previsível, o que significa que a energia limpa vai continuar dependendo dos subsídios públicos, que variam de acordo com a alta dos preços do petróleo e precisam ser renovados, com a aprovação do poder legislativo, de tempo em tempo. Tanto é que há quem acredite que se o barril de petróleo cair abaixo de US$ 50, a força das energias limpas ficará comprometida. Atualmente, a indústria da energia limpa está em alta. Muitos fabricantes de aerogeradores têm pedidos firmes para os próximos anos, assim como os produtores de biocombustíveis não terão produtos suficientes para entregar. A expansão da energia solar é tamanha, que há escassez de silício de alta pureza para os painéis solares, embora sua produção deva dobrar até 2010, e aí o preço pode até cair. Mas as leis de mercado são irredutíveis – somente sobreviverão as fontes renováveis no longo prazo se elas conseguirem ser competitivas com relação ao custo das energias tradicionais, sem ou com muito pouco subsídio.
Fonte: Estadão


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