A obra é uma coisa. Os caminhos críticos para se chegar ao contrato, são outra. Os dois movimentos, no entanto, no tabuleiro de xadrez em que se defrontam contratado e contratante, são faces, embora diferentes, de uma mesma moeda. Quem vê a cara de uma obra, dificilmente vê o coração do que se passou nos bastidores para que ela resultasse como um produto acabado – ou em andamento – da engenharia.
São as conversas mantidas nos bastidores, entre quatro paredes, que estabelecem a enorme distância entre uma face e outra. Claro que falamos das exceções, embora, como disse o velho mestre criador do Dom Casmurro, são elas, as exceções, que fazem as regras. Por sorte, o que antes poderia ficar no silêncio impenetrável de quatro paredes, hoje, por conta do milagre da tecnologia, acaba vindo à tona – e ao público – e a imprensa se encarrega de mostrar que o jogo invariavelmente está viciado.
Os editais seriam os caminhos naturais para a correção de distorções na contratação de obras. Mas, nem sempre eles são capazes de assegurar a ética nas relações entre contratante e contratado. Entre os dois invariavelmente há um fosso profundo.
Imaginava-se que, após aquele período, desgastante, do final dos anos 1980 e início dos anos 1990, que resultaram na CPI que desmascarou os anões do orçamento (com perdão para os anões, que não mereceriam menção pejorativa dessa ordem), os caminhos para se chegar a assinatura de contratos e à execução de obras, pelo menos não permeassem os terrenos instáveis da imoralidade e da corrupção. Mas não é isso o que vem ocorrendo, se atentarmos para as denúncias quase cotidianas que chegam ou são pesquisadas pela imprensa.
No canteiro ou diante da cara da obra, o que se vê é a engenharia fazendo o que precisa ser feito: jovens engenheiros, ansiosos para demonstrar o talento e as possibilidades que a profissão escolhida lhes proporciona, fazem o melhor em termos de planejamento, projeto e acompanhamento da obra, até vê-la entregue e à disposição do usuário.
Mas, pelos descaminhos que levam até lá, o que se vê é uma guerra de submundo. Ainda recentemente foi divulgada a denúncia de irregularidades na licitação da Ferrovia Norte-Sul. Um consórcio paralelo conseguira um sobrepreço que chegaria a R$ 63,3 milhões, segundo uma auditoria do Tribunal de Contas da União (TCU). E a Polícia Federal informou que a fraude seria de R$ 59 milhões.
De um lado, portanto, teríamos a engenharia, com uma imagem a ser preservada, por tudo o que tem realizado em favor da infraestrutura e do desenvolvimento do País. De outro, há os homens que prospectam negócios – e que os prospectam a qualquer preço, na expectativa de que, quando a obra estiver em operação, a memória brasileira, sempre um ponto vulnerável, não saberá e, se acaso souber, não se lembrará do que houve, do ponto de vista de distorções, para que ela fosse concluída e entregue aos usuários.
É por causa desses desvios éticos que o TCU, me parece, se torna imprescindível. Às vezes os bons pagam pelos maus e os maus não pagam por ninguém. Mas não importa. Se, com a fiscalização do TCU, barbaridades acontecem, imagine-se o que não estaria acontecendo se não houvesse fiscalização.
Frase da coluna
"A grande mudança que deveria ser discutida em relação ao TCU é o foco no trabalho preventivo para evitar licitações que induzam à restrição da concorrência, por meio de barreiras artificiais que atrapalhem o funcionamento do mercado."
Eduardo Capobianco, presidente da Transparência Brasil.
Brasília, 50 anos
A cidade, que uniu dois gênios brasileiros da arquitetura e do urbanismo, Oscar Niemeyer e Lúcio Costa, incorporando também um ícone da engenharia estrutural, Joaquim Cardozo, chega aos 50 anos demonstrando que o desenho fica, sendo necessária uma luta contínua contra as distorções que a realidade insiste em impor cotidianamente
Fonte: Estadão