Há algum tempo, ao elaborar um texto para a revista O Empreiteiro, informava que se encontram no arquivo histórico municipal da prefeitura de São Paulo, os primeiros planos urbanísticos da Paulicéia. Dizia que estão ali, cuidadosamente coletadas, as informações do trabalho que o engenheiro Vitor da Silva Freire, chefe da Diretoria de Obras Municipais, e seu colega, Eugênio Guilhem, realizaram para melhorar o centro paulistano na primeira década do século passado. Já naquela época ambos propuseram a construção de um anel perimetral para resolver o problema do trânsito na área central.
Outro plano, este de autoria do engenheiro Alexandre Albuquerque, fora debatido durante um Congresso Estadual, em fins de 1910. Encomendado por um grupo de empresários, e sob o título pomposo de Projeto Grandes Avenidas, ele tinha em vista alargar ruas da parte oeste da cidade a fim de ampliar a zona de comércio, estendendo-a na direção das estações da Luz e Sorocabana.
Em razão de interesses contraditórios e conflitantes, optou-se pelo desenvolvimento de um terceiro projeto, desta feita de responsabilidade do escritório do engenheiro Samuel das Neves, para o governo estadual. Contudo, esse trabalho entrava em rota de colisão com plano de Vitor Freire e Eugênio Guilhem. O pomo da discordância era a maneira como ele recomendava a ocupação do lado ímpar da rua Líbaro Badaró, voltado para a encosta do Vale do Anhangabaú.
Diante da discordância, que opunha a prefeitura ao governo do Estado, a Câmara de Vereadores buscou uma solução conciliadora: contratou o urbanista francês Joseph-Antoine Bouvard, que lá de Paris examinou todos os demais planos, misturou tudo e extraiu dessa soma a proposta final: alargar a rua Líbero Badaró, formar o Parque do Anhangabaú, criar um centro cívico, que seria a Praça da Sé, e a Várzea do Carmo, que mais tarde se transformaria no Parque D. Pedro 2º.
As obras de modernização intensificaram-se no último ano da administração do Barão Raimundo Duprat. Desencadeadas, naqueles eixos, provocaram uma onda de demolições. A cidade chegaria a meados da década de 1920 completamente renovada, dotada de largas avenidas, belos jardins públicos, arranha-céus.
Mas há um dado que historiadores trazem à cena quando analisam aquelas mudanças: moradores da zona central, favorecida por gordos investimentos públicos, não tinham como permanecer ali. Foram obrigados a arrepiar caminho, transferindo-se para as periferias.
O centro, então parte nobre da capital, ficou para as elites. Pior para ele. Muito mais tarde, degradado, pois a elite trataria de planejar, construir e migrar para bairros mais modernos, o centro seria ocupado pelos "homens de rua" e parte dele se transformaria em antros de viciados e de prostituição. A Cracolândia hoje é uma marca social difícil de ser recuperada. Mas, valeria a pena se encontrar uma solução social, jamais policial, para aqueles deserdados.
Fonte: Estadão