Enquanto Beijing intensifica o ritmo das obras para redesenhar sua paisagem urbana para os Jogos Olímpicos de agosto de 2008, uma nova estrutura se ergue na cidade causando grande polêmica. Trata-se da nova sede da China Central Television (CCTV), principal porta-voz do governo comunista, um projeto de aproximadamente US$ 1,3 bilhão, elaborado pela firma de arquitetura holandesa Office For Metropolitan Architecture. Com 54 andares de altura e uma área útil de 540.000 m2, o prédio está longe de estabelecer um recorde de altura. Seu principal diferencial está no projeto arquitetônico e estrutural.
O edifício é composto por duas torres em aço e vidro, em forma de L, que se estendem a uma altura de 200 m e se inclinam uma sobre a outra, aparentemente desafiando a gravidade. As torres parecem cair e essa sensação, para muitos, é extremamente inquietante.
De acordo com seus projetistas, este é segundo maior edifício administrativo do planeta, em termos de área útil – menor apenas do que o Pentágono. Em janeiro, as duas colunas foram unidas após três anos de construção, momento que foi amplamente celebrado pela população de Beijing.
Novo conceito
Ole Scheeren, arquiteto alemão responsável pelo novo quartel-general da CCTV e sócio do arquiteto holandês Rem Koolhaas, afirma que eles reinventaram o arranha-céu tradicional, transformando-o em “um tubo dobrado no espaço.”
“A estrutura quebra todos os códigos de construção da China”, diz Scheeren radiante, por ter conseguido a aprovação oficial para a construção. “As autoridades que aprovaram não conseguiam julgar se a coisa poderia funcionar, então o governo formou um grupo de especialistas de 13 dos mais antigos engenheiros estruturais”.
O sinal verde, dado em 2004, foi muito celebrado por importantes arquitetos ocidentais, que transformaram a capital da China em um laboratório de experimentação de engenharia e arquitetura. Apesar de repetidos protestos dos arquitetos locais, estruturas imensas, assimétricas, de vidro e aço, projetados pelo Office of Metropolitan Architecture (OMA) de Koolhaas e outros escritórios de arquitetura se multiplicam no meio dos edifícios governamentais de Beijing e a cidade imperial com seus azulejos dourados.
Polêmico
A nova sede da CCTV gerou protestos de diversos arquitetos chineses, e dividiu opiniões entre os habitantes de Beijing. “O design é um erro fundamental. É estranho demais, não se adapta aos padrões de beleza dos chineses e deixa as pessoas desconfortáveis porque ele não é reto”, dispara o seu maior crítico, Xiao Mo, um historiador de arquitetura.
Ela afirma que os arquitetos estrangeiros não entendem a complexa cultura da China, enquanto que os arquitetos nativos não têm confiança suficiente na sua própria cultura. “O resultado são projetos de forma livre tais como o edifício da CCTV e o “Eggshell” (do inglês, Casca de Ovo, apelido dado pelos chineses ao prédio do Teatro Nacional, desenhado por arquitetos franceses) — dois projetos estranhos e chocantes que são manchas na história chinesa”, diz Xiao.
“Há diversos projetos em execução em Beijing, e cada um deles tem um conceito estimulante, mas este é mais poderoso”, rebate David Howell, da construtora americana Turner International, de São Francisco, referindo-se ao edifício da CCTV . “Ele gerou muita discussão, o que é bom para a arquitetura”, conclui. Howell reconhece a reação negativa local é natural.
“Com o passar do tempo, as coisas se suavizam. O prédio acabará sendo abraçado pelos chineses”, prediz ele.
Os críticos do projeto aconselham às pessoas com vertigem a evitar o piso de vidro que Scheeren planejou para o deck, que fica na ponte que une as duas torres do edifício, a cerca de 150 m acima do agitado bairro chamado Central Business District. “Eu queria vistas horizontais e verticais”, diz Scheeren. “Estar a 30 m do chão me parece mais amedrontador.
Mas a essa altura tudo é tão abstrato que eu acho que acalma as pessoas”, diz ele.
O operário Tian Yanping, imigrante da província de Henan, um dos numerosos trabalhadores atraídos do boom da construção em Beijing, diz que a altura não o incomoda. Ao contrário, se declara “muito orgulhoso” por ter contribuído para erguer o edifício, andar por andar. E satisfeito com o salário de US$ 275 por mês, média que está sendo paga aos operários imigrantes, mesmo para aqueles que enfrentam maiores riscos trabalhando nas alturas.
Simbolismo
Scheeren espera que o novo simbolismo do seu edifício inspire mudanças em uma sociedade obcecada por símbolos. “O projeto fará com que os funcionários da CCTV trabalhem juntos em um ciclo de atividades interconectadas, enquanto que os escritórios da alta administração estarão em algum ponto no meio, não no alto, já que estamos desconstruindo o sistema hierárquico clássico, argumenta Scheeren.
Atualmente, a gigante estatal de televisão da China tem sua sede em um complexo de 11 hectares no distrito de Haidian, a oeste da Cidade Proibida, em Beijing.
“Eu não conseguiria imaginar este edifício sendo erigido em nenhum outro lugar”, diz o arquiteto. “A China é uma combinação de força de vontade, entusiasmo e coragem que não poderiam convergir da mesma forma em nenhum outro lugar no mundo”, conclui.
Fonte: Estadão